Acórdão nº 3504/19.8T8LRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução12 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

*** ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL *** I. Relatório 1. Nestlé Portugal, Unipessoal, Ldª intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo a condenação solidária dos réus a: i. Pagarem-lhe a quantia de € 17.111,35, a título de restituição da comparticipação publicitária, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, calculados à taxa aplicável aos créditos de que são titulares empresas comerciais; ii. Pagarem-lhe a quantia de € 78.090,00, a título de indemnização por café não consumido, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde 07/03/2019 (atento o prazo para pagamento que lhes foi concedido na carta de resolução) e que calculados àquela taxa ascendiam a € 434,31 à data de interposição da ação (em 05/04/2019); iii. A restituir à A. o equipamento comodatado e ainda não entregue, cujo valor ascende a € 9.222,97.

Alegou, para tanto e em síntese, que: No exercício das respetivas atividades comerciais, A. e 1º R. celebraram em 05/04/2018 um contrato - em renegociação de um anterior que haviam celebrado em 21/11/2017 - de fornecimento de café, comparticipação publicitária e comodato de equipamento para vigorar durante 60 meses, por força do qual o 1º R. se obrigou a consumir, em exclusivo, nos seus estabelecimentos comerciais 8100 Kgs, num mínimo mensal de 135 kgs, de café da marca ..., Lote ..., comercializado pela Autora; A Autora, em contrapartida, colocou no estabelecimento do 1º R., em regime de comodato, diversos equipamentos no valor global de € 15.436,19 e efetuou ainda comparticipação publicitária na quantia de € 11.070,00 e também na quantia de € 9.463,62 (valores com IVA) que as partes consideraram recebida; A 2ª R., por seu turno, constituiu-se fiadora e principal pagadora de todas as obrigações assumidas pelo 1º R. em decorrência daquele contrato; O 1º R. não cumpriu a obrigação de adquirir o mínimo mensal de 135 kgs daquele café, deixou de comprar café à A. a partir de dezembro de 2018 e, na vigência contratual, apenas lhe comprou 291 kgs dos 8100 kgs a que se obrigara; Em face disso a A. - após interpelação, sem êxito, para que fosse corrigida a não satisfação daquelas obrigações contratuais - resolveu o contrato, nos termos convencionados, por cartas datas de 20/02/2019 enviadas para ambos os RR., que as receberam em 21/02/2019; Na sequência da carta de resolução enviada aos RR., e pese embora a A. lhes tenha concedido prazo para procederem aos pagamentos devidos e à restituição de equipamentos, nada foi pago e o 1º R. apenas devolveu à A. três dos equipamentos comodatados.

  1. Regularmente citados, os réus não contestaram, pelo que ao abrigo do disposto pelo artº 567º, nº 1, do CPC foram considerados confessados os factos articulados pela autora.

  2. Foi, então, proferida sentença que julgou a presente ação procedente e, em consequência: - condenou o 1º R. a restituir à A. o equipamento comodatado e ainda não entregue (cujo valor ascende a € 9.222,97), a saber: uma máquina de café ... e chávenas, um moinho ..., um moinho ..., e uma máquina de café ... com escalda chávenas; - condenou solidariamente os RR.: - a pagarem à A. a quantia de € 17.111,35, a título de indemnização/restituição da comparticipação publicitária, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, à taxa aplicável aos créditos de que são titulares empresas comerciais; - a pagarem à A. a quantia de € 78.090,00, a título de indemnização por café não consumido, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, calculados àquela taxa, sendo os vencidos desde 07/03/2019 até à interposição da ação no valor de € 434,31.

  3. Inconformada com esta decisão, dela apelou a ré BB para o Tribunal da Relação ... que, por acórdão proferido em 8 de junho de 2021, julgou procedente a apelação e, em consequência, revogou a sentença impugnada, absolvendo os réus de todos os pedidos.

  4. Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1.ª – Não pode a recorrente concordar com o douto acórdão do Tribunal da Relação ..., que decidiu “julgar procedente a apelação e, em consequência”, revogou “a sentença impugnada, absolvendo os réus de todos os pedidos.” 2.ª - Em matéria de facto, devem ter-se como assentes os factos articulados pela autora na petição inicial.

    3.ª - Entendeu o Tribunal de 2.ª instância ter ainda em conta o conteúdo dos documentos que constituem fls. 11, 12 e 13 dos autos; 4.ª- A decisão do Tribunal da Relação, de procedência da apelação e consequente revogação da sentença da 1.ª instância, assentou na solução encontrada para a questão “iii. Resolução do contrato”.

    5.ª - Fundamentando, começou o Tribunal da Relação por qualificar o contrato celebrado entre a autora e os réus na ação (docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial, considerando-o como “um contrato misto, de compra e venda (…) de publicidade, e de comodato do equipamento (…)” 6.ª - Porém, considera a recorrente que, no caso, estamos perante um contrato complexo de natureza comercial que envolve elementos próprios do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato e, finalmente, de compra e venda de café, em exclusividade em relação ao comprador, seguindo a posição do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/01/2013, processo 600/06.5TCGMR.G1.S1, relator Conselheiro Fonseca Ramos; 7.ª - Trata-se, no caso, de um contrato estabelecido ao abrigo do princípio da liberdade contratual (artigo 405.º do Código Civil), que se deverá reger nos termos das estipulações das partes e, na sua falta, por recurso às normas reguladoras dos diversos tipos contratuais que nele se encontram presentes.

    8.ª- Na procedência do recurso de apelação, foi decisiva a apreciação da eficácia/ineficácia da resolução, operada pela ora recorrente, do contrato celebrado com os réus na ação.

    9.ª - Contudo, entende a recorrente que neste ponto não pode deixar de ser tido em conta, a apreciação do incumprimento contratual por parte dos réus, aqui recorridos, uma vez que esta é uma das bases em que se sustentam os pedidos deduzidos na ação.

    10.ª - Perante a factualidade assente nos autos, deve concluir-se que o 1.º réu/recorrido incumpriu a sua obrigação de adquirir um mínimo mensal de 135 Kgs de café da marca ... conforme contratado, uma vez que, 11.ª - no período entre 05/04/2018 e 24/04/2019, oito meses e 19 dias, adquiriu à recorrente, autora, 291 Kg de café, devendo nesse período ter adquirido 1.080 Kgs, ou seja, comprou 26,94% da quantidade a que estava obrigado, verificando-se um desvio de consumo correspondente a 73,06% da quantidade contratada, durante 8 meses e 19 dias (com referência ao estabelecido na Cláusula Oitava, n.º 2, do contrato dos autos); 12.ª - Quanto à resolução do contrato, considerou o Tribunal recorrido que a declaração resolutória (…) é ineficaz, não produzindo o efeito ensejado com a sua emissão”, concluindo que a “ineficácia da resolução determina a improcedência da ação”.

    13.ª - Com o devido respeito, não pode a ora recorrente concordar com tal entendimento; 14.ª - Com efeito, tanto a ineficácia (como a invalidade) dos negócios jurídicos, depende sempre do preenchimento de previsões legais que as estatuam, ou seja 15.ª - a ineficácia, ou a invalidade, é sempre consequência da aplicação ao negócio jurídico de norma jurídica que comine tal consequência.

    16.ª - No caso presente, não se encontra nenhuma norma jurídica que determine a ineficácia de concreta declaração de resolução contratual, não sendo, aliás, feita menção no douto acórdão ao fundamento legal da ineficácia da declaração de resolução em causa.

    17.ª - No caso sub judice a resolução do contrato havido entre a recorrente e os recorridos foi efetuada nos termos de cláusula resolutiva nele inserta aquando da sua celebração - Cláusula Oitava do contrato em questão; 18.ª - Na fundamentação da decisão de julgar como ineficaz a declaração de resolução do contrato, também sem indicarem os Meritíssimos Senhores Juízes Desembargadores as normas legais ao abrigo das quais se poderá fundamentar o entendimento, partiu-se da premissa de que “A declaração resolutória (…); para ser eficaz terá de se reportar ao motivo da resolução já que, (…), impõe à parte que pretende exercer tal direito que alegue e prove o fundamento que justifica a extinção do contrato. (…) (…) não pode o tribunal atribuir relevo a um motivo de resolução que, (…), não tenha sido considerado como tal pela parte interessada no ato da declaração (…); 19.ª - Tratando-se de resolução fundada em convenção (artigo 432.º, n.º 1, do Código Civil), salvo melhor entendimento, será o disposto no artigo 436.º do referido diploma que determina o modo como esta se efetiva.

    20.ª - Por sua vez, o artigo 436.º do Código Civil não exige que a declaração de resolução seja fundamentada. - Veja-se o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 31/01/2007, Processo 0627148, relator Desembargador Emídio Costa, acessível em www.dgsi.pt: 21.ª - Contudo, a resolução contatual operada pela ora recorrente assenta em convenção das partes – cfr. Cláusula Oitava, n.º 3 do contrato dos autos.

    22.ª - No caso, a convenção das partes impõe a obrigatoriedade da indicação na declaração resolutória dos fundamentos da resolução do contrato, não se fazendo, porém, referência ao «nível» de especificação dos ditos fundamentos.

    23.ª - Igualmente, discorda a recorrente, quanto à fundamentação do douto acórdão recorrido, quando se afirma que “(…) no caso em apreço, (…), a Autora não concretizou, de forma suficiente, o incumprimento que estava a imputar ao 1º Réu. Com efeito, na primeira carta, a Autora alegou genericamente que o 1º Réu não estava “a consumir a quantidade de cafés acordada” e, na carta resolutiva, a autora limitou-se a dizer que: “verificamos que V. Exa. continua a não consumir...

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