Acórdão nº 2919/19.6T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2022
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 12 de Janeiro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA instaurou a presente acção para prestação de contas, sob a forma de processo especial, contra Banco Santander Totta, S.A.
(actualmente Banco Santander Totta, S.A.
), alegando, em síntese, o seguinte: - Por contrato de mútuo celebrado em 30.11.2004, BB e sua mulher CC contraíram junto do Banco Nacional de Crédito, S.A. um empréstimo no montante € 2.800.000,00; - Por contrato de 30.11.2004, a A. e o seu marido DD, entretanto falecido, garantiram o cumprimento do contrato de mútuo mencionado através de penhor de crédito sobre o saldo da conta de depósito n.º P-...95, renunciando à faculdade de levantar o citado depósito a prazo, enquanto não se mostrassem satisfeitos os créditos do banco credor; - Por contrato de 25.01.2006, a A. e o seu falecido marido deram de penhor ao Banco Nacional de Crédito a “sua carteira de títulos colocada sob administração do Banco, abrangendo o penhor de títulos, créditos e outros valores compreendidos em cada momento na referida carteira (…) para garantia do bom cumprimento de responsabilidades de crédito” assumidas pelos ditos BB e mulher, CC “no montante de €2.800.000,00, celebrado com o Banco, em 30/11/2004, bem como dos juros remuneratórios, da cláusula penal pela mora e das despesas judiciais”; - Em 30.05.2011, entre o Banco Popular Portugal, S.A. e a A., na qualidade de herdeira de DD e adquirente dos quinhões hereditários dos demais herdeiros, foi celebrado um contrato denominado de “Assunção de Dívida”, nos termos do qual a A. assumiu a dívida dos mencionados BB e mulher, CC perante o banco credor, exonerando estes de quaisquer responsabilidades decorrentes do aludido contrato de mútuo; - A A. pagou ao Banco Popular Portugal, S.A., hoje incorporado no banco réu, a totalidade da dívida contraída pelos ditos BB e mulher, CC, e por si assumida.
Termina pedindo a condenação do R. na prestação de contas discriminadas das “suas carteiras de títulos colocadas sob administração do Banco, abrangendo o penhor de títulos, créditos e outros valores compreendidos em cada momento nas referidas carteiras (…) para garantia do bom cumprimento de responsabilidades de crédito”, por contrato de 25/01/2006, bem como de todos os ativos financeiros colocados à sua guarda desde a mesma data, e ainda ser a final o banco réu condenado a entregar à autora o saldo de todas as quantias apuradas, bem como os respetivos rendimentos (juros) auferidos por tais aplicações”.
O R. contestou, alegando, em síntese que: - A presente acção de prestação de contas reporta-se a factos anteriores à data da fusão do banco depositário no banco réu, estando em causa factos referentes ao relacionamento entre a A. e seu falecido marido e o Banco Popular de Portugal, ocorridos antes de 28 de Dezembro de 2017; - O Banco Santander Totta, ora R., não teve qualquer participação nas relações existentes entre a A. e seu falecido marido e o Banco Popular de Portugal, nem tal é alegado na petição inicial; - Nunca participou na administração de bens da A. ou do falecido seu marido, nem foi mandatário nem credor pignoratício da A. e seu falecido marido; - Assim não tem o R. obrigação de prestar contas.; - Desconhece ainda a matéria alegada nos artigos 1.º a 39.º e 42.º a 44.º da p.i., a qual impugna nos termos do artigo 547.º n.º 3 do Código de Processo Civil, impugnando também, por não corresponder à verdade, o alegado nos artigos 40.º e 41º.
A A. respondeu, pugnando pela obrigação de o R. prestar contas.
Por sentença de 15 de Janeiro de 2020 foi entendido que - contrariamente ao alegado em sede de contestação - tendo o Banco Popular Portugal, S.A. (anteriormente designado Banco Nacional de Crédito) sido incorporado, por fusão, no banco réu, sucedeu este no lugar daquele. A final, com fundamento distinto do invocado na contestação, foi a acção julgada improcedente, absolvendo-se o R. do pedido.
Inconformada, interpôs a A. recurso para o Tribunal da Relação ..., o qual, por acórdão de 24 de Novembro de 2020, foi julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e condenando-se o R. a prestar contas nos termos peticionados.
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Veio o R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «
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A presente acção de prestação de contas reporta-se a factualidade exclusivamente atinente à relação, ocorrida em data anterior a 28.12.2017, entre a A. e seu marido, e o Banco Popular Portugal.
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Estando essencialmente em causa, pelo que se depreende da p.i., activos que a A. e de seu marido deram de penhor ao Banco Popular Portugal, em resultado de contrato celebrado em 25.01.2006 – vd ponto 14 dos Factos Provados.
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Sendo que, tal penhor foi constituído para garantia do pagamento de uma dívida de terceiros, a qual foi posteriormente assumida pela A. (e está há muito paga).
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A acção foi, em 1ª Instância, julgada improcedente, tendo sido entendido que «… a A. tem direito à informação, não pode, contudo, exigir do R. em sede de acção especial de prestação de contas essas informações pois que tal acção visa “o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.
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Sucede que, pelo acórdão recorrido foi entendido revogar a sentença da 1ª Instância, tendo, para o efeito, o mesmo se estribado na tese de que a relação jurídica de base é in casu a de mandato.
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No entender do recorrente, e salvo o devido respeito, que é muito, o acórdão recorrido, ao decidir da forma como o fez, incorreu em errada interpretação e aplicação da lei.
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Tal sucede porque, ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido, a relação jurídica de base que levou à emissão da dita procuração foi, antes, a existência de uma dívida que a A. assumiu como sua perante o R., na sequência do designado “contrato de assunção de dívida” o qual está garantido por penhor de carteira de títulos e penhor de crédito – vd. ponto 16 dos Factos Provados.
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Como, aliás, também entendeu a sentença da 1ª Instância.
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Ora, nos termos do artº 941º do CPC, a “ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar».
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Essa obrigação não resultou in casu demonstrada quanto ao BST.
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Com efeito, reitera-se, nunca poderíamos estar perante um caso de obrigação legal de prestação de contas «quando na base desse pedido não está a simples administração de bens que são alheios a este, mas sim, um outro negócio celebrado entre as partes, a saber a assunção de dívida da A. perante o R. e as garantias que a mesma e anteriormente o seu marido acompanhado por si concederam aquele».
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Ao entender diversamente julga-se que o acórdão recorrido incorreu em ilegalidade, por violação do artº 941º do CPC, o que importa a respectiva revogação.».
A Recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes: «A. Deverá ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido, por se tratar de um brilhante aresto, bem elaborado e melhor fundamentado.
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Ao contrário do que pretende o Banco recorrente, e como bem entendeu o tribunal a quo, no caso dos autos o que está em causa são procurações irrevogáveis que a recorrida conferiu ao recorrente, dando-lhe poderes ilimitados para gerir e movimentar a sua carteira de títulos.
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Se o procurador celebrar o negócio ou ato jurídico para cuja conclusão lhe foram dados esses poderes, aqueles produzem os seus efeitos na esfera jurídica do representado.
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Se, pela procuração, foram atribuídos poderes representativos ao representante, não deixa o procurador de ser mandatário e, como tal, de ser titular dos direitos e obrigações do mandatário/representante.
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O mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir.
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O Banco recorrente, munido de contratos de penhor, de procurações irrevogáveis e de registo e depósito de instrumentos financeiros e de intermediações financeiras, tem vindo, a seu bel prazer, sem pedir autorização e sem dar qualquer informação à recorrida, a gerir a carteira de investimentos desta.
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O recorrente não pode utilizar/dispor livre e arbitralmente dos ativos financeiros que lhe foram confiados, sem sobre si recair qualquer obrigação de prestação de contas.
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A obrigação de prestação de contas tem lugar em relação a alguém que administre bens ou interesses alheios.
I. O mútuo concedido pelo Banco Popular Portugal, hoje incorporado no Banco réu, a BB e mulher, CC, foi garantido por um penhor de igual valor sobre um depósito a prazo constituído pela recorrida e pelo seu falecido marido.
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O credor penhoratício é obrigado a guardar e administrar como um proprietário diligente a coisa empenhada, respondendo pela sua existência e conservação; a não usar dela sem consentimento do autor do penhor, exceto se o uso for indispensável à conservação da coisa e a restituir a coisa, extinta a obrigação a que serve de garantia.
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A recorrida desconhece o destino que tem vindo a ser dado aos montantes existentes na sua carteira de títulos no Banco recorrente, apesar de ter já pago a totalidade da divida contraída por BB e mulher, CC e por si assumida.
L. Tendo o Banco recorrente atuado sempre em representação da recorrida, os...
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