Acórdão nº 6158/18.5T8SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução12 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA propôs acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Seguradoras Unidas, S.A.

, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 67.354,00, acrescida de juros legais, assim como a pagar-lhe a quantia que se vier a apurar em liquidação, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, em consequência de acidente de viação, devido a conduta culposa do condutor de veículo segurado na R..

Contestou a R., impugnando os invocados danos e concluindo dever a causa ser julgada em função da prova a produzir.

Por sentença de 21 de Outubro de 2020, foi proferida a seguinte decisão: «Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação e, em conformidade, condeno a Ré SEGURADORAS UNIDAS, SA a pagar à Autora AA: - a quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, relativo à retribuição que a Autora deixou de auferir no período que mediou entre 03-07-2016 a 18-10-2016, inclusive, acrescido de juros de mora vencidos desde data da citação da Ré, à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa; - a quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais relativo e despesas com transportes, consultas médicas, tratamentos de fisioterapia e medicamentos, acrescida de juros contados desde a citação da Ré, à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa; - bem assim o montante que se liquidar em incidente ulterior, relativo a danos patrimoniais futuros respeitantes ao valor da terapêutica a que a Autora terá que se submeter em virtude das lesões que sofreu e seu ulterior agravamento, acrescido de juros de mora vencidos desde a citação da Ré, à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa; - a quantia de €25.000 a título de dano biológico, acrescida de juros contados à taxa anual de 4% desde a presente decisão até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal dessa taxa; e - ainda a quantia de €20.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros contados à taxa anual de 4% desde a presente decisão até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal dessa taxa.

No mais, absolvo a Ré do peticionado.».

[negritos nossos] Inconformada, interpôs a R. recurso para o Tribunal da Relação ..., pedindo a alteração da decisão de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão 21 de Abril de 2021, foi proferida a seguinte decisão: «Pelo acima exposto, se acorda em, concedendo parcial provimento ao recurso, alterar a decisão recorrida, condenando-se a R. apelante a pagar à A. apelada a quantia de € 27.500, acrescida de juros legais, desde a data da decisão em 1ª instância - absolvendo-a do demais peticionado. Custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.».

[negrito nosso] 2.

Vem a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «I. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso de apelação deduzido pela ré, ora recorrida, Seguradoras Unidas, S.A., e, em consequência, revogar e modificar a Douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, decisão com a qual a autora, ora recorrente, se não conforma.

  1. Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação ... proferiu Acórdão que, nos termos do disposto no artigo 674.º, número 1 do Código de Processo Civil, se revela: a) nulo por violação da delimitação do objecto de recurso em clara violação do disposto no artigo 635.º do Código de Processo Civil e, ainda, do disposto no artigo 615.º, número 1, alínea d) do mesmo diploma legal; b) nulo por falta de fundamentação em violação do disposto no artigo 609.º e 615.º, número 1, alínea b) e 607.º, número 3, todos do Código de Processo Civil; c) viola o disposto nos artigos 483.º, 563.º, 564.º e 566.º, ambos do Código Civil, considerando que o montante fixado a título de indemnização pelo dano biológico não se coaduna com os princípios indemnizatórios, não satisfazendo as exigências que os normativos legais e a tendência jurisprudencial determina, nem mesmo aquilo que decorre da imprescindível aplicação de juízos de equidade.

  2. Acresce ainda que, ao decidir como decidiu, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... incorre em manifesto lapso de valoração da prova com influência directa numa incorrecta aplicação do direito aos factos.

  3. Pugnou a ré Seguradoras Unidas, S.A., com as suas alegações de recurso de apelação, pela revisão dos montantes indemnizatórios arbitrados a título de indemnização a atribuir à autora pelo dano biológico e danos não patrimoniais, e, ainda, a análise da prova produzida, nomeadamente a análise dos pontos 27, 28, 34, 41 e 42 do elenco dos factos provados, com influência directa na decisão; reclamando assim, a ré Seguradoras Unidas, S.A., pela sua absolvição no pagamento de danos patrimoniais futuros, nomeadamente, por referência a despesas a suportar pela autora com despesas com transportes, consultas médicas, tratamentos de fisioterapia e medicamentos e, ainda, as respeitantes ao valor da terapêutica a que a autora terá que se submeter virtude das lesões que sofreu e seu ulterior agravamento.

  4. Julgando parcialmente procedente o recurso interposto, decidiu o Tribunal da Relação ...: a) pela retirada dos questionados pontos 41. e 42. do elenco dos factos provados, passando os mesmos a constar do elenco dos factos não provados; b) pela redução do montante indemnizatório arbitrado à autora a título de indemnização pelo dano biológico sofridos; e, ainda, c) pela revogação da condenação da ré Seguradoras Unidas, S.A., no pagamento da quantia a liquidar em incidente ulterior e por referência a diferentes danos.

  5. Sucede que ao decidir pela revogação da condenação da ré no pagamento, à autora, da quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, o Tribunal da Relação ... violou o expressamente previsto no número 4 do artigo 635.º e o previsto no número 1 e 2 do artigo 639.º, ambos do Código de Processo Civil, pelo que é nula a sua decisão no que à questão mencionada e correspondente trecho decisório diz respeito, uma vez que a quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, não foi objecto de recurso por parte da ré Seguradoras Unidas, S.A.

  6. Esmiuçadas as alegações de recurso da ré Seguradoras Unidas, S.A. na sua íntegra, e atentas ainda as suas conclusões de recurso, não ocorre qualquer discórdia ou impugnação quanto às quantias a liquidar, à autora, em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, termos em que, tal questão jamais poderia ser apreciada em sede de recurso, não podendo, aquela instância, se pronunciar sobre a mesma.

  7. A definição e delimitação do objecto do recurso como forma de circunscrever o campo de intervenção da instância superior de recurso encarregada do julgamento, resulta de forma inequívoca dos artigos 635.º e 639.º do Código de Processo Civil, pelo que, ao decidir como decidiu, i.e., o Tribunal da Relação ... violou o disposto no número 4 do artigo 635.º e o disposto no número 1 e 2 do artigo 639.º, ambos do Código de Processo Civil, termos em que a decisão por si proferida é nula.

  8. Por seu turno, o acórdão em crise no presente recurso, na parte que respeita à alteração do elenco dos factos provados, bem como na parte em que procede à redução da compensação arbitrada à recorrida, ora recorrente, pelo dano biológico, é nulo, nos termos do disposto no artigo 609.º e 615.º do Código de Processo Civil, por falta de fundamentação.

  9. Entendeu o Tribunal da Relação ... proceder à alteração da matéria de facto, nomeadamente retirando do elenco dos factos provados a factualidade elencada nos pontos 41 e 42, sem, contudo, fazer qualquer referência a que concreta prova lançou mão para considerar, in casu, os factos 41 e 42 como não provados, fazendo apenas uma enunciação genérica.

  10. A fundamentação da decisão, com o devido respeito – que muito é – é absolutamente parca, genérica, sem especificação da prova concreta para a decisão levada a cabo, olvidando todas aquelas que são as legais exigências para a fundamentação da matéria de facto, nomeadamente e entre as demais, a indicação, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, a especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

  11. É, pois assim, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação ..., nula por violação do, devidamente conjugado e articulado, disposto nos artigos 607.º, 609.º, 615.º, 662.º e 195.º, todos do Código de Processo Civil.

  12. Simultaneamente, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação ... revela-se, ainda, contraditória, uma vez que, à prova produzida em sede de prova testemunhal, dá, por um lado, elevada valoração e, por outro lado, a desvaloriza – concretizando: salienta o depoimento da testemunha marido da autora (ao qual se refere como sendo credível) como suficiente para concluir pela prova do ponto 34 do elenco dos factos provados, mas insuficiente para concluir no mesmo sentido quanto à factualidade descrita nos factos 41 e 42.

  13. Por seu turno, e ainda quanto à factualidade descrita nos factos 41 e 42, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação ... demonstra um claro erro na valoração da prova produzida, na medida em que os factos a que respeitam consubstanciam factos subjectivos da autora, ora recorrente, em nada contribuindo qualquer prova documental, mais do que a prova produzida pela mesma e por quem todos os dias com ela convive – e cujo depoimento, nomeadamente do seu marido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT