Acórdão nº 43/21.0YHLSB.L1-PICRS de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA POTT
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa 1. A autora propôs contra a ré, no Tribunal da Propriedade Intelectual, a presente acção declarativa, com processo comum, pedindo: i. A condenação da ré ao pagamento de uma indemnização por perdas e danos resultantes da violação dos direitos de autor exclusivos do desenho/modelo criado pela autora, sendo o valor de 151.851,60 euros a título de prejuízo patrimonial por lucro cessante e 2.000,00 euros a título de despesas com a identificação e averiguação do fenómeno da violação dos direitos exclusivos; ii. A apreensão de todas as bonecas copiadas, cujo desenho foi criação exclusiva da autora, à venda e nas instalações da ré e dos seus clientes; iii. A condenação da ré numa sanção pecuniária compulsória, por força do artigo 829-A do Código Civil (doravante também CC), no valor de 100,00 euros por cada boneca existente no mercado, à venda ao público, que seja uma cópia, imitação ou usurpação autoral da criação da autora, levada a cabo pela ré ou a pedido desta por intermédio de terceiros fabricantes nacionais ou estrangeiros; iv. A intervenção provocada subsidiária daqueles fabricantes, nos termos e para os efeitos dos artigos 39.º e 316.º do Código de Processo Civil (doravante também CPC), após implementação do dever processual de colaboração e cooperação da ré na identificação dos mesmos, sem prejuízo da condenação solidária.

  1. Invocou, em síntese, como fundamentos da sua pretensão, que: os desenhos/modelos das bonecas em litígio são criação artística da autora, à qual cabe em exclusivo o direito de os fruir e utilizar; a autora é titular do direito de autor sobre essa criação intelectual independentemente de registo, nos termos, nomeadamente, dos artigos 9.º, 11º e 12º do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos (doravante também CDADC); não obstante, a ré utiliza o desenho/modelo das bonecas, imitando-as, reproduzindo-as e comercializando-as, sem autorização da autora e causando a esta prejuízos no seu giro comercial.

  2. A ré contestou: i. Impugnando a protecção jusautoral invocada pela autora; ii. Deduzindo a excepção de caso julgado com base em decisão anterior já transitada, nomeadamente, a proferida no processo n.º 167/17.9YHLSB do 1.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual; iii. Deduzindo reconvenção na qual pede a condenação da autora a pagar à R. quantia de 37.857,58 euros acrescida de juros legais, contados desde a data em que a ré foi impedida de comercializar os produtos em causa, com base nos danos causados pelos processos judiciais que tiveram origem na conduta da autora e levaram à apreensão da mercadoria da ré; iv. Pedindo a condenação da autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização condigna a favor da ré.

  3. A autora replicou, pugnando pela improcedência, tanto da excepção de caso julgado, como da reconvenção.

  4. O Tribunal da Propriedade Intelectual (doravante também Tribunal de 1ª instância), por despacho saneador de 22.9.2021, com a Referência 452888, aqui dado por reproduzido, que foi objecto do presente recurso, pôs termo ao processo, decidindo, no essencial, o seguinte: i. Não admitir a reconvenção por considerar que a mesma não se enquadra em nenhuma das possibilidades previstas no artigo 266.º do CPC; ii. Verificar que as partes tiveram oportunidade de se pronunciar e tomaram posição sobre as exceções e questões suscitadas; iii. Julgar que, em face do teor dos articulados e documentos juntos, não há necessidade de dar cumprimento ao disposto no n.º 2, do artigo 590.º do CPC; iv. Dispensar, com esses fundamentos, a realização de audiência prévia, por força do artigo 593.º, n.º 1, do CPC, e proferir de imediato o despacho a que alude o artigo 595º, do CPC; v. Decidir que o Tribunal é competente, o processo é o próprio, não existem nulidades que o invalidem, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas; vi. Julgar verificada a exceção de caso julgado e, em consequência, absolver a ré da instância.

    vii. Condenar a autora em custas viii. Fixar o valor da ação em 153.861,60 euros 6. Do despacho referido no parágrafo anterior foi interposto recurso independente pela autora e recurso subordinado pela ré.

  5. A título liminar, importa sublinhar que o Tribunal ad quem delimitará a sua área de intervenção ao objecto de cada um dos recursos, que a seguir enuncia com base, respectivamente, nas conclusões de cada um dos recorrentes, sem prejuízo de matérias de conhecimento oficioso que lhe caiba apreciar. As conclusões das partes serão apenas transcritas na parte em que tal se mostre necessário para clarificar a fundamentação do presente acórdão.

  6. Dito isto, a autora interpôs recurso de apelação do despacho saneador referido no parágrafo 5, pedindo, no essencial que: § Seja revogado o despacho proferido, e substituído por outro, que julgue improcedente a excepção de caso julgado e consequentemente ordene o prosseguimento dos autos, com a prolação de despacho saneador e agendamento da audiência de julgamento; § Se decretem as inconstitucionalidades identificadas relativamente aos artigos 577.º - i), 580.º n.º 1, 581.º, 590.º n.º 1, 592.º, 593.º n.º 1, 595.º n.º 1 – b) e n.º 3, 621.º, conjugados com o artigo 3.º n.º 3 do CPC.

  7. Nas conclusões, a autora/recorrente delimita o objecto do recurso independente como a seguir se enuncia sinteticamente: (i) a decisão recorrida deve ser anulada por ter transposto a matéria de facto dos processos 167/17.9YHLSB e 341/17.8YHLSB; (ii) o Tribunal de 1ª instância não especificou os fundamentos de facto e de direito da decisão, violando, entre outros, os artigos 615.º n.º 1 – b) do CPC e 205.º da Constituição da República Portuguesa (doravante também CRP); (iii) reduziu a decisão da lide à questão de direito, inviabilizando o apuramento dos factos alegados nos presentes autos; (iv) sendo a causa de pedir o reconhecimento dos direitos de autor, de acordo com a teoria da substanciação acolhida pelo artigo 581.º n.º 4 do CPC, falta um dos pressupostos do caso julgado, por não existir identidade entre a causa de pedir nesta acção, cujo objecto é a tutela de direitos de autor, e nas acções acima referidas, cujo objecto foi a protecção do direito de propriedade industrial.

  8. A ré/recorrida contra-alegou pedindo a confirmação da decisão da 1ª instância que julgou procedente a excepção de caso julgado e interpôs recurso subordinado da decisão referida no parágrafo 5 supra, na parte em que não admitiu a reconvenção, ao abrigo do artigo 633.º do CPC.

  9. Nas conclusões, a ré delimita o objecto do recurso subordinado como a seguir se enuncia sinteticamente: (i) razões de economia processual justificam a admissão da reconvenção; (i) os factos que integram a causa de pedir são os mesmos que fundamentam o pedido reconvencional; (iii) o pedido reconvencional deve ser admitido por força do artigo 266.º n.º 2 – a) do CPC.

  10. O Tribunal de 1ª instância, admitiu o recurso como apelação, com subida imediata e efeito devolutivo. Nesse despacho, embora mencionando as referências Citius correspondentes às alegações da autora e às contra-alegações e recurso subordinado da ré, não fez alusão expressa ao recurso subordinado. Tal despacho foi proferido antes de terem sido juntas as contra-alegações da autora quanto ao recurso subordinado (cf. despacho de 2.12.2021, com a referência Citius 463573 e as eferências Citius 93150 e 94286, ali indicadas).

  11. A autora, notificada pela ré das contra-alegações e do recurso subordinado interposto por esta, contra-alegou dentro do prazo previsto no artigo 638.º n.º 5 do CPC, pugnando pela improcedência do recurso subordinado.

  12. Nada obsta à admissibilidade e apreciação do recurso independente interposto pela autora e afigura-se que, sendo aquele admissível, também o será o recurso subordinado, interposto pela ré, quanto à parte em que decaiu, não obstante ter sido absolvida da instância – artigo 633.º n.º 5 do CPC.

  13. Assim sendo, tanto o recurso independente (pelos fundamentos expostos no despacho de admissão proferido em 1ª instância), como o subordinado (pelos fundamentos supra expostos), foram interpostos em tempo, são de apelação, têm subida imediata, efeito devolutivo e são admissíveis.

    Delimitação do âmbito dos recursos independente e subordinado 16. Têm relevância para a decisão dos recursos as seguintes questões, suscitadas pelos argumentos das partes vertidos nas conclusões: Recurso independente A. Violação dos deveres de gestão processual B. Nulidade do despacho saneador por falta de fundamentação C. Alargamento do caso julgado aos motivos da decisão final D. Requisitos do caso julgado E. Valor extra-processual das provas e eficácia da decisão penal absolutória Recurso subordinado F. Requisito substantivo da reconvenção previsto no artigo 266.º n.º 2 – a) do CPC Com relevância para a decisão o Tribunal usa os seguintes factos 17. Quanto ao litígio nos presentes autos, resulta do despacho recorrido, da petição inicial, da contestação e da réplica, que: § O Tribunal de 1.ª instância, no mesmo despacho, proferiu três decisões, a saber (i) não admitir a reconvenção, (ii) dispensar a realização de audiência prévia e (iii) proferir despacho saneador que pôs termo ao processo, com base na procedência da excepção dilatória de caso julgado, a qual obstou ao conhecimento do mérito da causa – cf. artigos artigo 576.º n.ºs 1 e 2, 577.º - i) e 578.º, do CPC; § Em particular, o Tribunal de 1.ª instância julgou não ser necessário dar cumprimento ao artigo 590.º em face dos articulados e documentos juntos, dispensou a audiência prévia com fundamento no artigo 593.º n.º 1 do CPC e constatou que “As partes tiveram oportunidade e tomaram posição sobre as exceções e questões suscitadas”; § Nos artigos 36.º a 44º da contestação, a ré arguiu a excepção dilatória de caso julgado, sobre a qual a autora se pronunciou nos artigos 1.º a 7.º da réplica; § O...

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