Acórdão nº 57/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Janeiro de 2022

Data20 Janeiro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 57/2022

Processo n.º 816/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi pelo primeiro interposto recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal (fls. 470-476), em 13 de julho de 2021, pretendendo ver apreciada a dimensão normativa extraída de diversos dispositivos do Código de Processo Penal, «no sentido da irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos», sendo que, de entre os invocados, o único idóneo a integrar o presente objeto se reporta à alínea e) do número 1 do artigo 400.º, na medida em que apenas a interpretação normativa relevante deste reúne os pressupostos processuais de admissibilidade legalmente exigidos.

No curso do processo originário, o ora recorrente foi condenado, em primeira instância, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 2 anos e 2 meses, suspensa pelo mesmo período com regime de prova e mediante um plano individual de reabilitação social. O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que concedeu provimento parcial ao mesmo, revogando somente a parte da condenação que fixava a suspensão da execução da pena aplicada e mantendo o restante decidido.

Desse acórdão, de 28 de abril de 2021, o ora recorrente interpôs recurso para o STJ. Não tendo sido admitido, o recorrente, irresignado, apresentou reclamação, na forma do art. 405.º, do CPP, em que suscitou previamente e de forma processualmente adequadamente a questão de constitucionalidade que importa analisar, com a formulação de que «na hipótese de condenação em pena de prisão suspensa na sua execução na 1ª instância seguida de condenação em pena de prisão efetiva não superior a 5 anos na Relação, a exclusão do direito ao recurso da decisão da Relação, imposta pela al. e) do n.º1 do art. 400.º do CPP, viola o disposto no art.º 32.º, n.º1 conjugado com o art. 18.º, n.º2, ambos da CRP».

Ao apreciar a reclamação, pelo aludido despacho de 13 de julho de 2021, o STJ indeferiu-a, com fundamento na irrecorribilidade do acórdão da Relação, em razão do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, não verificando inconstitucionalidade. Ainda inconformado, o recorrente interpôs o presente recurso, nos termos já descritos (fls. 480-481).

2 . Subidos os autos, as partes foram notificadas para apresentar as suas alegações, por despacho da Relatora de 6 de outubro de 2021. Atendendo a tal despacho, o recorrente sustentou que (fls. 489-491):

«1-Por acórdão proferido pelo tribunal de 1a instância foi o arguido A., condenado pela prática de um crime p.p pelo disposto no artigo 25 do D.L 15/93 de 22-01, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova e mediante um plano individual de readaptação e o cumprimento de injunções da entidade que acompanha o tal plano.

2- Desta decisão recorreu o M.P, pugnando pela condenação do arguido A. da prática do crime de associação criminosa da previsão do artigo 28° n°2, do Decreto-Lei n°15/93, de 20 de janeiro e pelo cometimento de crimes de trafico de estupefacientes da previsão do artigo 21° do Decreto-lei n°15/93, de 2 de janeiro; Supletivamente e caso assim se não entenda pugna-se pelo agravamento das pena e efetivas de prisão;

3- O arguido, nos termos do artigo 413 do C.P.P, respondeu ao recurso interposto pelo M.P, cujos fundamentos aqui se dão por reproduzidos.

4- Entendeu o Venerando Tribunal da Relação manter a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, no que concerne à qualificação jurídica e à pena aplicada, alterando contudo, a sua forma de execução.

5- E, desta decisão que não confirmou a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, e com a qual o arguido não se conformou, veio o mesmo interpor recurso, ao abrigo do disposto nos arts 399, 400 al f) a contrario, 401, 407, 408 e 432 todos do C.P.P, 18, 20 e 32 da CRP.

6- Porém, entendeu o Venerando Tribunal da Relação, não admitir o recurso interposto pelo arguido, por entender não ser legalmente admissível, tendo presente os requisitos previstos no artigo 400, ais c) e f) do C.P.P, e as penas concretas aplicadas. Mais entende, que o arguido não foi absolvido na 1a instância, tendo, pelo contrário sido condenado. O acórdão do Tribunal da Relação, não alterou a qualificação jurídica dos factos, nem a medida da pena de prisão que lhe foi aplicada, apenas revogou a decisão do Tribunal a quo na parte em que havia suspendido a respectiva execução, pelo que, tendo em linha de conta o disposto no artigo 432 n°1 al b) do C.P.P, interpretado à contrário, e o acórdão do Tribunal Constitucional n° 595/2018, não admitiu o recurso para o STJ interposto pelo arguido.

7- Não pode, contudo, o recorrente concordar com a determinada irrecorribilidade.

8- Pela mesma importar uma violação crassa do princípio da igualdade nos termos do artigo 13 da CRP Senão vejamos:

9- O arguido ora reclamante, foi condenado, em primeira instância, na pena de 2 anos e 2 (dois) meses de prisão.

10- Inconformado interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o M.P, nos termos supra indicados.

11- Por douto acórdão deste douto Tribunal, foi decidido manter a pena de 2 anos e 2 meses de prisão, sendo alterada, a sua forma de execução, para pena efectiva.

12- O arguido não descura a jurisprudência dos Tribunais superiores no que concerne à dupla ' conforme.

13- Contudo, não pode também o Tribunal descurar a mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta mesma temática.

14- O Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional a norma da alínea e) do n.° 1 do artigo 400° que impede que o Supremo Tribunal de Justiça possa conhecer de uma decisão que condena o arguido em pena de prisão inferior a oito anos. Ac. Trib. Constitucional n.° 412/2015, de 06 de outubro: Julga inconstitucional a norma do artigo 400.°, n.° 1, alínea e), do Código de Processo Penal, resultante da revisão introduzida no Código de Processo Penal pela Lei n.° 20/2013, de 21 de fevereiro, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face a absolvição ocorrida em 1.a instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos. (negrito nosso). Ac. Trib. Constitucional n.° 429/2016, de 06 de outubro: Julga inconstitucional a norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face absolvição ocorrida em 1.a instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.°, n.° 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.° 20/2013, de 21 de fevereiro, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, (negrito nosso) Ac. TC n.° 595/2018, de 11/12: Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face a absolvição ocorrida em 1.a instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.°, n.° 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.° 20/2013, de 21 de fevereiro, (negrito nosso)

15- Apesar de não existir dupla conforme nas decisões invocadas, a inconstitucionalidade assentar na violação das garantias de defesa em processo penal objetivamente, destas declarações de inconstitucional resulta, pragmaticamente a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça poder conhecer de decisões condenatórias em penas inferiores a oito anos de prisão.

16- A inadmissibilidade do recurso do ora reclamante, é violadora do princípio da igualdade e também da proteção que a nossa lei fundamental determina, de forma global e completa, dos direitos de defesa aos arguidos.

17- Assim, é inadmissível que se determine a irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de uma decisão que condena a um cidadão a uma pena de prisão efectiva, (tendo essa prisão efectiva sido determinada por força da decisão que ora se recorre) quando o Tribunal Constitucional admite essa recorribilidade em penas efetivas não superiores a cinco anos.

18- A condenação do aqui reclamante a uma pena de prisão efectiva tem de admitir o recurso para o STJ, sob pena de violação dos artigos 13° e 32° n. 1° da CRP, o que se argui para os devidos e legais efeitos.

19- Sendo inconstitucional, por violadora dos referidos dispositivos constitucionais, a interpretação conjugada das alíneas e) e f) do n.° 1 do artigo 400° do CPP, no sentido de ser inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, as decisões da relação que apliquem penas de prisão inferiores a oito anos de prisão, quando o Tribunal Constitucional admite esse recurso em condenações, pela Relação, de penas inferiores a cinco anos de prisão.

20 - No caso dos autos, a situação não é exatamente a mesma da plasmada no Ac. TC n.° 595/2018, de 11/12. O arguido não foi absolvido na 1a instância, antes foi condenado (em pena de prisão suspensa na sua execução). Por isso, a declaração de inconstitucionalidade não se aplica diretamente ao caso.

21- Contudo, a situação é similar. Na verdade, também no caso dos autos houve uma condenação-surpresa em pena de prisão (efetiva). E a pena de prisão é uma pena distinta de todas as restantes penas, conforme o citado acórdão do TC acentua enfaticamente, por constituir "a mais...

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