Acórdão nº 1157/21.2T8FAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA D
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 1157/21.2T8FAR-A.E1 (1.ª Secção) Relator: Cristina Dá Mesquita Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. (…), requerente do procedimento cautelar de arrolamento como incidente do processo de inventário para partilha dos bens comuns do ex-casal constituído pela própria e por (…), interpôs recurso da decisão proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Faro, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual indeferiu liminarmente o requerimento de providência cautelar de arrolamento. A decisão sob recurso tem o seguinte teor: «I- Relatório (…), instaurou o presente procedimento cautelar contra (…), pedindo o arrolamento das contas bancárias e de um estabelecimento comercial explorado pela sociedade de que ambos são sócios e de contas bancárias em nomes do requerido. Para o efeito alegou, em suma, que a sociedade “(…) – Mediação de Seguros, Lda.” de que são sócios a requerente e o requerido, é gerida pelo requerido e que o mesmo não presta contas à requerente desde o divórcio, não fornece informações e documentos da mesma e procedeu à aquisição de imóveis em nome pessoal com dinheiro da sociedade. Diz, ainda, que o requerido tem uma conta particular para a qual foi transferido dinheiro da sociedade e que foi utilizado na aquisição de imóveis. Concluindo, pede o decretamento da providência sem audição prévia do requerido. Juntou documentos. Cumpre apreciar e decidir. Da sentença de divórcio junta a estes autos, bem como, das declarações do cabeça de casal nos autos de inventário, resulta que a Requerente e o Requerido contraíram casamento civil entre si, no dia 18 de setembro de 1984, sem convenção antenupcial, sob o regime da comunhão de adquiridos. O casamento foi dissolvido por sentença de 19.12.2016 transitada em julgado em 31.01.2017 no âmbito dos autos n.º 2424/16.2 T8FAR que correu termos no J2 deste Tribunal de Família e de Menores. A requerente intentou inventário para dissolução do património conjugal junto de Cartório Notarial e em 26.02.2020 foi requerida a remessa dos mesmos ao Tribunal competente, tendo sido distribuído a este J1. Na sua essência o procedimento cautelar é destinado a garantir, a quem o invoca, a titularidade de um direito contra a ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é tão iminente que a sua tutela não pode aguardar a decisão judicial. São seus requisitos, antes de mais, a instrumentalidade (porquanto pressupõe uma ação definitiva instaurada, ou a instaurar), o periculum in mora (ou seja, que a demora na decisão a proferir na ação principal acarrete um prejuízo grave), e o fumus boni iuris (isto é, a aparência da realidade do direito invocado). No caso específico do arrolamento dispõe o artigo 403.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que “Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles”. O arrolamento será, assim, “dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas”, conforme decorre da parte final do n.º 2 do mencionado artigo 403.º. E nos termos do artigo 401.º, n.º 1, do citado diploma, “O arrolamento pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou dos documentos”. Dos normativos citados resulta, desde logo, que o arrolamento é um procedimento cautelar, preventivo ou conservatório, cujo decretamento depende da verificação simultânea de dois requisitos, aliás comuns à generalidade das providências, a saber: a) a existência de um direito, ainda que aparente, aqui configurado como o interesse na conservação dos bens; b) o perigo de insatisfação desse direito em consequência da demora da decisão definitiva caracterizado no artigo 421.º, n.º 2, como o “justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens”. O requerente terá, assim, de fazer prova sumária do seu direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação (artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). Perante os factos alegados o Tribunal apreciará de forma, igualmente, sumária a verificação destes requisitos (summaria cognitio). O “interesse na conservação dos bens” que o artigo 404.º, n.º 1, do Código de Processo Civil exige como condição ou título para se requerer esta providência pode assumir dois aspetos ou revestir dois graus: a) ser consequência do direito aos bens, direito já existente e constituído; b) ser resultado de uma pretensão jurídica que carece de ser apreciada e julgada, em ação já proposta ou a propor, caso em que o requerente terá igualmente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente (artigo 423.º, n.º 1, 2ª parte, in fine). No primeiro caso estamos perante aquilo que o Prof. Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, p. 105/106, denomina de aparência de um “direito certo”, no segundo aquilo a que pode chamar-se a aparência de um “direito eventual” relativamente ao património que se quer acautelar. No caso concreto, dos factos alegados resulta desse logo que a pretensão da requerente no que se refere ao arrolamento das contas bancárias da sociedade e do estabelecimento comercial por esta explorado não pode proceder, porque a sociedade comercial é uma pessoa coletiva, com personalidade jurídica distinta e ainda que requerente e requerido sejam dois dos sócios da sociedade, não podem arrolar bens que não lhes pertencem, ainda que façam parte do acervo da sociedade de que são sócios. A requerente e o requerido apenas são titulares de quota da sociedade e é este o bem que se vai partilhar no inventário. Um dos requisitos da providência é a existência de direito relativo aos bens, ou seja, o requerente deve alegar factos que justifiquem o seu interesse na conservação dos bens (aparência de direito), correspondente ao direito que pretende ver reconhecido na ação principal. Ora, aquilo que a requerente pretende é tutelar o direito que decorre da sua posição societária, mas tal não vai ser reconhecido na ação principal (inventário), trata-se de matéria societária e que a requerente tem de resolver em sede própria e na ação respetiva, que não no inventário. E o mesmo se diga quanto às contas indicadas no ponto b), as quais nem foram identificadas, nem se faz menção à dificuldade para o efeito, e a que é identificada é a própria requerente que diz tratar-se de conta particular do requerido. Acresce que, compulsados os autos de inventário que estão na fase de audiência prévia, que aliás foi suspensa para eventual acordo somente quanto a despesas, não foram elencadas na relação de bens quaisquer contas bancárias, não sendo como tal objeto de partilha nos autos principais. Deste modo, sem necessidade de maiores considerações, não se encontram reunidos os pressupostos essenciais para o decretamento da providência. Por todo o exposto, em conformidade com as supra referidas disposições legais, indefiro liminarmente o presente requerimento...

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