Acórdão nº 48/22 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Maria Benedita Urbano
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 48/2022

Processo n.º 529/2021

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. No Processo n.º 415/09.9TBPFR, que corria então os seus termos no Tribunal da Relação do Porto (TRP), A., interessado e aqui recorrente, veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional (TC), ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13.09 - LTC), da decisão proferida no TRP que indeferiu a reclamação por si apresentada, e, em consequência, manteve o despacho que não admitiu o recurso da sentença homologatória do mapa de partilha.

2. No requerimento de interposição do recurso, o recorrente alegou o seguinte:

“1 – A., Recorrente e com os demais sinais identificativos nos autos de inventário acima epigrafados, havendo sido notificado da douta decisão que recusou decretar a inconformidade constitucional da interpretação normativa do conjunto dos arts. 132º, 144º e 140º, todos do CPC, deduzida na reclamação de fls. 2 a 11, ao abrigo do art. 643º do mesmo diploma e julgada na decisão com a referência ao nº 14562798.

2 - Dado uma decisão conforme à Constituição deve exprimir-se no sentido de que a ausência da remessa das peças processuais, por via electrónica do Citius, não pode cominar com a recusa da prática do ato e o desentranhamento das mesmas, visto tal previsão decisória não constar da lei, além de que essa situação conflitua com o direito fundamental de acesso ao direito, preconizado no nº 1 do art. 20º da CRP.

3 - E simultaneamente viola o princípio da certeza jurídica, uma vez que o tribunal, sabendo que o mandatário não tinha acesso ao Citius devido à impossibilidade de contatar o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, visto aquele serviço se encontrar semi-paralizado em teletrabalho e em razão disso, em 04.09.2020, a Mma. Juiz concedeu o justo impedimento do nº 8 do art. 144º do CPC, no pressuposto que assim se mantinha enquanto continuasse a situação de pandemia, a qual se conservava, em 25-11-2020, como é público e notório.

4 - Contudo, apesar de se manterem as mesmas circunstâncias, o certo é que nesta última data, decidiu negativamente, o que de todo é inaceitável, porquanto se julgou em violação ao princípio da certeza jurídica do Estado de direito, consagrado no art. 2.º da CRP, que postula uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da continuidade na ordem jurídica e da boa fé processual, postergando do mesmo passo, o direito a que causa seja julgada mediante um processo equitativo, bem como ofendeu o direito à tutela jurisdicional efetiva, assegurados como um direito fundamental e princípios estruturantes do Estado de Direito democrático, estabelecidos pelo nº 4 e 5 do art. 20º da CRP.

5 - Motivo pelo qual venha, de harmonia com o disposto na al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, com as alterações sucessivamente introduzidas, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, visto a decisão recorrida ter aplicado nos presentes autos os termos do conjunto dos arts. 132º, 144º do CPC, cuja interpretação normativa havia sido arguida de inconstitucionalidade. (…)”.

3. O recurso de constitucionalidade foi admitido no TRP.

4. Neste TC, o relator proferiu, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, a Decisão Sumária n.º 469/2021, em que se decidiu “Não conhecer do recurso”, com os seguintes fundamentos:

“[…]

5. No caso, considerando a forma como o recorrente delineou o requerimento de interposição de recurso, é manifesto que o seu objeto não foi configurado como questão normativa, dirigida a controlar a conformidade de um ato do poder normativo com parâmetros constitucionais; trata-se, antes, de sindicar o mérito da decisão judicial, em si mesma – i.e. o controlo da legalidade, como se de mais uma instância ordinária de recurso se tratasse.

Com efeito, pese embora aluda formalmente a uma «interpretação normativa», que reporta ao disposto nos artigos 132.º, 144.º e 140.º do CPC, decorre da problematização que se segue que a parte pretende verdadeiramente sindicar a correção hermenêutica da interpretação do regime infraconstitucional adotada pelo tribunal a quo, tida como incompatível com o regime legal instituído. A censura é, então, diretamente dirigida à decisão recorrida, em si mesma, por ter o julgador, na ótica da parte, desrespeitado os parâmetros legais pertinentes, e não ao legislador, por consagrar no ordenamento ordinário um critério ou padrão normativo de decisão incompatível com a Lei Fundamental. Assim decorre, com nitidez, do segmento da peça em análise, onde se diz que «uma decisão conforme à Constituição deve exprimir-se no sentido de que a ausência da remessa das peças processuais, por via electrónica do Citius, não pode cominar com a recusa da prática do ato e o desentranhamento das mesmas, visto tal previsão decisória não constar da lei, além de que essa situação conflitua com o direito fundamental de acesso ao direito, preconizado no nº 1 do art. 20º da CRP (…) [e] simultaneamente viola o princípio da certeza jurídica» (sublinhado aditado).

Ora, como referido, essa projetada cognição escapa manifestamente à apreciação estritamente normativa cometida ao Tribunal Constitucional.

6. Sempre se diga que, ainda que assim não fosse, sempre haveria que afastar o conhecimento do recurso, por inverificação de dois outros pressupostos de admissibilidade do recurso: desrespeito pelo ónus de esgotamento dos meios de impugnação ordinária, imposto pelo n.º 2 do artigo 70.º da LTC, e ilegitimidade do recorrente, por inverificação do ónus de suscitação prévia e processualmente adequada de questão normativa de inconstitucionalidade, imposto pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC.

Efetivamente, a decisão singular proferida pelo relator no Tribunal da Relação do Porto, aqui recorrida, admitia reclamação para a conferência, nos termos do n.º 4 do artigo 643.º do Código de Processo Civil, meio impugnatório funcionalmente equiparado aos recursos ordinários, nos termos do n.º 2 do artigo 70.º da LTC, que não foi impulsionado pelo recorrente. Acresce que, quando interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, não havia decorrido o prazo de dez dias para a reclamação, sem que houvesse uma qualquer renúncia, não se mostrando, assim, preenchida a hipótese normativa do n.º 4 do artigo 70.º da LTC.

Por outro lado, o recorrente não suscitou perante o tribunal recorrido, de forma processualmente adequada, questão normativa de inconstitucionalidade, reportada, designadamente, a critério normativo de decisão extraível da conjugação do preceituado nos artigos 132.º, 144.º e 140.º do CPC, idóneo a legitimar a sindicância perante este Tribunal. Tal como no requerimento de interposição do presente recurso, encontra-se na peça de reclamação tão somente a impugnação do próprio ato de julgamento (artigos 13.º a 15.º e conclusões 8.ª a 13.ª).

7. Por tais fundamentos, o recurso não reveste condições para ser conhecido, o que, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, determina a prolação da...

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