Acórdão nº 18/22 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução06 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 18/2022

Processo n.º 1247/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é reclamante A., e reclamado o Ministério Público, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), da decisão proferida em 5 de novembro de 2021, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto do despacho prolatado pela Juíza Desembargadora Relatora, em 22 de outubro de 2021, que não admitiu o recurso que o reclamante interpusera para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido por aquela da Relação em 15 de setembro de 2021.

2. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor:

«A., arguido e recorrente no processo à margem referenciado, tendo sido notificado da rejeição de recurso, para o STJ, por V. Exas. e não se podendo conformar com esta decisão, vem o mesmo:

INTERPOR RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nos termos do art.º 70.º n.º 1 al. b) da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (Lei orgânica do Tribunal Constitucional).

A subir nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto no artigo 78.º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, requerendo a V. Exma. que, e por tal interposição ser legal e tempestiva, se dignem admiti-lo e ordenar que prossigam os termos.

[…]

A., arguido e recorrente nos autos à margem referenciados, requer que seja submetida à apreciação do Tribunal Constitucional a seguinte questão:

O arguido foi condenado pelo Tribunal da 1ª instância pela prática de 4 crimes quatro crimes de furto qualificado, previstos e punidos por o n.º 1 do art.º 203.º e pela al. b) do n.º 1 do art.º 204.º do Código Penal, referente ao presente processo n.º 167/20.1PEAMD (da qual advêm diversos NIUPC’S). Ao qual resulta a condenação de uma pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

O douto Tribunal da Relação de Lisboa, em recurso interposto pelo ora recorrente, negou o seu provimento com a indicação de alegando: “Termos em que se decide manter o acórdão recorrido que pela sua correção nenhuma censura nos merece”, sem que o cerne o recurso fossem objeto de analise.

Mesmo aprofundado cada questão jurídica do acórdão recorrido do tribunal de 1.ª instância, o colendo acórdão que ora se recorre, crê-se, e com o devido respeito, que transcreveu ipsis verbis o acórdão do tribunal de primeira instância, o que, em nosso entender, viola os direitos fundamentais do ora recorrente, que vê no acórdão ora recorrido uma cópia do acórdão da primeira instância.

Mais, algumas das questões colocadas pelo recorrente, deveriam ter sido conhecidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, designadamente a invocação da nulidade da sentença (da 1.ª instância) por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, nos termos do disposto no art.º 379.º/1 CPP, e a sua inconstitucionalidade por ofensa ao disposto no art. 32.º n.º 1, 9 e 10 da Constituição da República Portuguesa, dado que o Tribunal recorrido não apreciou as questões de direito que foram o verdadeiro objeto do recurso.

As questões que o recorrente arguiu em sede de recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa, designadamente a omissão de pronúncia e a falta de fundamentação são manifestamente questões de direito e deveriam ter sido conhecidas pelo Tribunal ad quem, sob pena de inconstitucionalidade a qual se invoca para todos os efeitos (art.º 32.º n.º 1, 9 e 10 da CRP).

Violou-se assim no Tribunal da Relação de Lisboa a sua análise à matéria de facto e de direito estrito senso.

O arguido A., não conformado com tal decisão, recorre em recurso interposto para o Venerado Supremo Tribunal de Justiça, ao qual viu negado o seu provimento pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa ao abrigo do artigo 400.º do CPP, sem que fosse analisada a referida matéria de direito referenciada no recurso.

O arguido A., suscitou no seu recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça das várias questões que foram violadas, mormente:

a) Grau de ilicitude elevado/muito elevado/bastante elevado;

b) Apuramento do grau de ilicitude;

c) Modo de execução;

d) Relatório social;

e) Medida concreta da pena;

f) Culpa do arguido;

g) Exigências de prevenção geral;

h) Circunstâncias que depõem a favor ou contra o arguido.

[…]

17.º

O Tribunal da Relação de Lisboa, perante a multiplicidade de fundamentos do recurso acima referido, determinou que o acórdão deste douto Tribunal é irrecorrível conforme o disposto na al) c, do n.º 1 do art.º 400 do CPP.

18.º

Partindo desta premissa não se compreende porque existe a impossibilidade de que exista reexame da matéria de direito.

19.º

Todavia, algumas das questões colocadas pelo recorrente, deveriam ter sido conhecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente a invocação da nulidade da sentença (da 1ª instância) e do acórdão (do Tribunal da Relação de Lisboa) por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, nos termos do disposto no art.º 379.º/1 CPP, e a sua inconstitucionalidade por ofensa ao disposto no art. 32.º n.º 1, 9 e 10 da Constituição da República Portuguesa, dado que o Tribunal recorrido não apreciou as questões de direito que foram o verdadeiro objeto do recurso.

20.º

As questões que o recorrente arguiu em sede de recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente a omissão de pronuncia e a falta de fundamentação são manifestamente questões de direito e deveriam ter sido conhecidas pelo Tribunal ad quem, sob pena de inconstitucionalidade a qual se invoca para todos os efeitos (art.º 32.º n.º1, 9 e 10 da CRP).

21.º

Ademais, a decisão adotada pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa em, e com o devido respeito, transcreveu ipsis verbis o acórdão do tribunal de primeira instância, deixa claro, que não viu a sentença condenatória da 1ª instancia, que por si só é confusa e como se alegou valorou testemunhos completamente descabidos e sem qualquer credibilidade. Assim como não verificou a matéria de facto nem a matéria de direito, também não permitiu que fosse do conhecimento do douto Supremo Tribunal de Justiça da referida matéria de direito, invocando a irrecorribilidade do recurso e pior, permitindo que um inocente cumpra uma pena efetiva de crimes que manifestamente não cometeu ou caso duvidas houvesse que fosse aplicado a instituto do in dubio pro reo, verificando-se assim a inconstitucionalidade prevista no art. 32.º n.º 1, 9 e 10 da CRP.

22.º

Ou seja, duvidas houvesse, o douto Tribunal da Relação de Lisboa, recusou analisar o princípio basilar do nosso ornamento jurídico in dubio para o reo (art. 32.º n.º 2 da CRP).

23.º

Por fim, importa salientar que a sobredita interpretação de inconstitucionalidade veio a ser determinante na condenação do aqui recorrente. Assim como a violação por parte do douto Tribunal da Relação de não analisar a referida matéria de direito, art.º 32.º n.º 1, 9 e 10 da CRP, e nem admitir o recurso para o douto Supremo Tribunal de Justiça.

24.º

Nestes termos, e nos demais a suprir doutamente, deve o requerido ser julgado procedente e em consequência analisadas as seguintes questões:

A) O tribunal a quo violou o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “elevado, muito elevado e bastante elevado”. “Média” é um critério estatístico e não qualitativo, de intensidade. Abaixo da média, na média ou acima da média: é uma apreciação estatística. Não demonstra a intensidade do grau de ilicitude: reduzida, moderada ou elevada.

B) Está, mais que evidente, que o tribunal recorrido não apreciou as provas cabalmente, em virtude de muitas terem sido feitas por testemunhas que nem sequer conseguiram identificar o arguido.

C) Portanto, apenas se pode concluir que o grau de ilicitude é reduzido. É o que se impõe por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.

D) A sentença recorrida viola a alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal também porque avaliou o modo de execução de forma incorreta.

E) A pena aplicada ao arguido foi determinada tendo em consideração de que “é imaturo, de não interiorização dos factos, nem assunção crítica da sua conduta e/ou do desvalor da mesma, ou ainda que o mesmo já detinha anteriores condenações. Tratou-se de apreciar a conduta posterior ao facto, violando a norma da alínea e) do n.º 2 do artigo 71.º do CP.

F) O relatório social (artigo 370.º do CPP) apenas vale quanto aos pontos que forem adotados pelo tribunal e que sejam transpostos para a matéria de facto provada. Na sentença recorrida, estão em causa diversos artigos dos factos provados que referem como prova o relatório social do recorrente.

G) Verifica-se que não foi considerado o relatório social do recorrente, que o mesmo mantém uma vida familiar estável, que detém o apoio de toda a família, e que está a efetuar há um ano um tratamento voluntariamente para a adição, entre outros aspetos que se creem fundamentais.

H) Não se ignora que o arguido foi condenado pela prática os crimes maioritariamente de furto, foram punidos com pena de multa e com pena suspensa, e se duvidas houvesse, temos que salientar que o tribunal recorrido concluiu que não foi invertido no seu percurso de vida e vem com esta afirmação violar o princípio basilar de in dubio pro reo.

I) Na operação de fixação da medida concreta da pena, atende-se ao disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.

J) O limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente. O limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral. Assim, reduz-se a amplitude da moldura abstratamente associada ao tipo penal em causa.

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT