Acórdão nº 14/21.7YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BLASCO
Data da Resolução21 de Dezembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 14/21.7YFLSB Autora: Juíza …., … AA Entidade demandada: Conselho Superior da Magistratura (CSM) Acordam na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO 1.

A Sra.

Juíza … AA veio intentar a presente acção administrativa contra o Conselho Superior da Magistratura (CSM), ambos identificados e com os demais sinais nos autos, visando a impugnação: i) da deliberação tomada pelo Conselho Plenário do CSM a ….2021; e ii) do subsequente despacho do Exmo. Presidente do CSM de ….2021.

Alega, para tanto e, em síntese, o seguinte: - Segundo uma correcta leitura do preceituado nos artigos 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 109.º, n.º 4, 117.º, n.º 4, e 123.º-B, todos do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), a entidade demandada não poderia pronunciar-se sobre a proposta vertida pelo Exmo. Conselheiro Instrutor antes de a mesma ter sido submetida por este à audiência e defesa da autora e antes de esta dar a sua eventual “anuência” para a aplicação da sanção de repreensão não registada; - Na sequência do requerimento da autora, rejeitando a aplicação da sanção, a entidade demandada, na sua deliberação de ….2020, entendeu que, face à recusa da aceitação da sanção deviam os autos prosseguir, com a dedução de acusação. Isto é, apesar de já se ter pronunciado, ante a recusa da autora, a entidade demandada “recuou e ordenou a instauração de procedimento disciplinar, constituindo o processo de averiguações a respetiva fase instrutória”; - É, pois, convicção da autora que, “tendo sido todos – factos e elementos de prova – objeto de pronúncia do Venerando Conselho Superior da Magistratura, entendendo maioritariamente o Ilustre Colégio haver merecimento para a aplicação à Autora da sanção de advertência não registada […] em caso de improcedência do incidente – o que, como acima se referiu, sucedeu, viriam, como foram, uma vez mais a ser chamados à apreciação daquilo que já haviam apreciado”; - Com aquela intervenção, os membros do Conselho Plenário do CSM “condenaram, sob condição, a Autora”.

- Foi violado o artigo 43.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal (CPP), porquanto, deduzido o pedido de escusa, deve o juiz requerido ser ouvido, só podendo praticar actos urgentes ou necessários para assegurar a continuidade da audiência; - Estava não só o Presidente do CSM, mas também os demais Vogais da entidade demandada visados no requerimento de escusa, porque também eram visados pelos mesmos factos pelos quais era visado o Exmo. Presidente do CSM e tinham, assim, um interesse directo e pessoal na questão sobre a qual deliberaram, o que os colocava numa nova situação de recusa, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, do CPP; - “Em qualquer caso, está em causa a ofensa quer do princípio geral da imparcialidade, vertido no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, quer a garantia do processo equitativo, vertida quer no artigo 20.º da CRP quer no artigo 6.º da CDEH”; - Os actos impugnados (em particular a deliberação da entidade demandada) padecem ainda do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 114.º e 147.º, n.º 10, do EMJ, na sua actual redação.

Concluiu pedindo que “deve a presente ação ser julgada procedente, declarando-se que a deliberação do Venerando CSM de …-2021 e o despacho do Exmo. Presidente do CSM de …-2021, são ilegais e inválidos, sendo declarados nulos ou anulados com as legais consequências”.

(Juntou 9 documentos).

  1. A entidade demandada contestou a acção, pugnando pela improcedência da pretensão da autora.

    Juntou o processo administrativo (na acepção dos artigos 1.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo e 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante designado abreviadamente por PA).

  2. No seu Parecer, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto entendeu que a presente acção deve ser “julgada como parcialmente procedente, decretando-se a anulação da deliberação do CSM de …-2021 e consequentemente, a invalidade do despacho do senhor Presidente do CSM de …-2021”. 4.

    Sobre este Parecer pronunciou-se a entidade demandada, manifestando a sua discordância.

  3. Foi proferido despacho pela Relatora a dispensar a realização de audiência prévia, sendo oportunamente notificado às partes, que nada disseram ou requereram a esse respeito.

  4. Na pendência dos autos, a 15.10.2021, mais veio a autora deduzir pedido de ampliação objectiva da instância visando a impugnação da deliberação da entidade demandada de 06.07.2021, notificada por ofício de ….2021, que deliberou aplicar à demandante a sanção de repreensão não registada.

  5. Foi observado o disposto no artigo 63.º, n.º 4, do CPTA, tendo a entidade demandada tido oportunidade de se pronunciar acerca do incidente, mais tendo sido oferecida a oportunidade à autora para se pronunciar quanto à intenção do Tribunal em indeferir a antedita ampliação, por verificação da caducidade do direito de acção, tendo a demandante exercido tal faculdade, manifestando a sua discordância.

  6. Cumpre apreciar e decidir. II. Saneamento 1.

    O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território - artigo 170.º, n.º 1, do EMJ[1].

  7. A petição inicial não é inepta.

  8. O processo é o próprio e é válido (cf. artigos 46.º ss. do CPTA, ex vi artigo 169.º do EMJ).

  9. As partes têm capacidade e personalidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.

  10. Da validade e regularidade do pedido de ampliação objetiva da instância 5.1.

    Como se disse supra em I.6.

    , na pendência dos presentes autos, veio a autora dar conta de que, no termo do procedimento administrativo disciplinar instaurado pela entidade demandada, foi praticado, posteriormente aos actos impugnados nos presentes autos, uma decisão punitiva, pretendendo a demandante, em suma, exercer a faculdade oferecida pelo artigo 63.º, n.º 1, do CPTA, requerendo a ampliação objectiva da instância à impugnação dessa decisão punitiva também nos presentes autos.

    Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 4, do artigo 63.º, do CPTA, não sem que antes se suscitasse ex officio: a verificação de vicissitude processualmente relevante que obsta à admissibilidade de tal pretensão, e que se prende com a intempestividade da dedução de tal pretensão.

    Observado contraditório, cumpre apreciar e decidir da validade e regularidade da instância deste pedido incidental, para posteriormente decidir de mérito, o pedido formulado na petição inicial quanto ao objecto da acção.

    5.2.

    Para tanto, deixam-se desde já fixadas as seguintes ocorrências processualmente relevantes para a decisão do incidente:

    1. A presente acção foi instaurada a ….2021.

    2. A ….2021, a entidade demandada proferiu deliberação que, no âmbito do procedimento disciplinar instaurado à autora em que foram praticados os actos impugnados originariamente nos presentes autos, decidiu aplicar à aqui demandante e aí arguida a sanção de repreensão não registada.

    3. A deliberação referida em B) foi notificada à autora através do ofício remetido sob o registo postal ….., expedido a ….2021.

    4. A ….2021, a autora deduziu nos presentes autos, , o pedido de ampliação objectiva da instância à deliberação referida em B).

    5. A ….2021, a autora já instaurara junto deste Supremo Tribunal, acção administrativa de impugnação da deliberação referida em B), que corre termos na Secção de Contencioso sob o n.º …/…...

    5.3.

    Alinhadas as ocorrências processualmente relevantes, emergem três constatações, duas das quais já suscitadas pela Relatora aquando do primeiro contacto após dedução do pedido incidental.

    5.4.

    O primeiro ponto que ressalta do pedido incidental é o de que se constata, tal como prefigurado e suscitado ex officio, a verificação de vicissitude processualmente relevante que obsta à admissibilidade de tal pretensão, que se prende com a intempestividade da dedução da mesma.

    Na verdade, em anotação ao artigo 63.º do CPTA, esclarecem os tratadistas que “[…] a modificação objetiva da instância prevista no presente artigo, na parte em que implique a ampliação do objeto do processo à impugnação de novos atos administrativos entretanto praticados na pendência do processo, está sujeita aos prazos de impugnação […] pelo que, também quanto aos pedidos que venham a ser deduzidos na pendência do processo impugnatório, é exigível que não se encontre precludido o respetivo direito de ação” [2]– (sublinhados nossos). Ou, mais assertivamente até, “a ampliação do objeto da instância só pode ser pedida no prazo dentro do qual o ato cuja impugnação vai acrescer agora à principal pode ser impugnado autonomamente”[3].

    No instrumento processual produzido a instâncias do Tribunal, em exercício de pronúncia quanto à suscitada intempestividade de acto processual, a autora parece pretender sustentar que estava em tempo, porque o desvalor associado à invalidade apontada no acto impugnado é a nulidade. A tese da autora estriba-se na distinção efectuada, a propósito dos prazos de impugnação, no artigo 58.º, n.º 1, do CPTA - preceito que, como é sabido, distingue os prazos de impugnação, não só conforme o desvalor jurídico associado à invalidade impugnada, como também consoante a entidade a que seja devido o impulso processual impugnatório. Assim, quanto àquela primeira distinção, o artigo 58.º, n.º 1, do CPTA estabelece que as acções podem ser instauradas a todo o tempo, sem efeito preclusivo do decurso de qualquer prazo de caducidade do direito de acção, quando o desvalor associado à invalidade apontada seja o da nulidade, sujeitando, porém, as acções em que se impetre a anulação de um acto administrativo a um prazo de caducidade. Neste último caso, o prazo varia consoante o autor seja o próprio lesado (três meses) ou o Ministério Público (um ano).

    No entanto, não lhe assiste razão.

    Com efeito, importa fazer notar que, nos termos do disposto no artigo 166.º, n.º 2, do EMJ, “[à]s impugnações de natureza jurisdicional e aos meios de reação jurisdicional contra a...

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