Acórdão nº 6116/18.0T9VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOÃO PEDRO PEREIRA CARDOSO
Data da Resolução09 de Dezembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo: 6116/18.0T9VNG.P1 Recurso penal Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1. RELATÓRIO Após realização da audiência de julgamento no Processo nº6116/18.0T9VNG do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia - Juiz 3, foi em 1 de julho de 2021 proferida sentença, e na mesma data depositada, na qual – além do mais - se decidiu: 1- Absolver a arguida B… da prática de doze crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal e onze crimes de difamação, previstos e punidos pelo artigo 180º, nº 1 do Código Penal.

2- Declarar que a arguida B… cometeu factos ilícitos típicos que correspondem a nove crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal e nove crimes de difamação, previstos e punidos pelo artigo 180º, nº 1 do Código Penal.

3- Declarar que a arguida B… é inimputável perigosa.

4- Decretar, nos termos dos artigos 20.°, n.º 1, 91.º, e 92.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e de segurança adequado, fixando-se a sua duração máxima em 3 (três) meses, sem prejuízo de o internamento findar quando o Tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, nos termos impostos pelo artigo 92.º, n.º 1, do Código Penal.

5- Decretar, nos termos do artigo 98.º do Código Penal, a suspensão da execução do internamento referido em 4) pelo período de 1 (um) ano, subordinada à obrigação de a arguida se sujeitar a tratamento psiquiátrico adequado, mediante a frequência de consultas médicas e a manutenção do tratamento farmacológico prescrito (em regime de ambulatório), sob a vigilância tutelar da DGRSP.

-Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso a arguida, para este tribunal da Relação do Porto, pugnando pela sua revogação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem: Conclusões 1.

A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser modificada se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.º 412.º do C.P.P., ao abrigo do disposto no art.º 431.º, al. b) do C.P.P.

  1. A Sentença recorrida considera como provados factos que não o deviam ter sido, face à prova produzida.

  2. Não devem ser considerados como provados os factos constantes dos pontos n.ºs 9 e 10 e da matéria de facto provada na decisão em crise.

  3. Não foi produzida prova em sede de audiência de discussão e julgamento que permitisse ao Tribunal a quo alicerçar e fundamentar tal decisão.

  4. O exame de psiquiatria forense efectuado à Recorrente, nos autos a fls. 235 a 237, indicou a necessidade de realização de estudo orgânico, nomeadamente serológico e imagiológico cerebral, para descarte de alguma patologia tratável de que pudesse padecer a Recorrente.

  5. Em momento algum foi realizado tal estudo orgânico, não foram realizados os exames serológico e/ou imagiológico cerebral indicados pelo perito em psiquiatra forense, não tendo sido efectuado despiste às eventuais causas do alegado estado clínico da recorrente.

  6. O diagnóstico efectuado pelo perito em psiquiatria forense encontra-se prejudicado pela incompletude da aferição do estado de saúde da Recorrente, por falta de realização dos exames médicos aí indicados, existindo dúvida inultrapassável a esse propósito que obsta a que a factualidade constante do ponto n.º 9 da fundamentação de facto possa ser dada como provada.

  7. O diagnóstico realizado em 28-01-2020 não deve ser transposto para a actualidade, atento o período temporal decorrido entre tal diagnóstico e a prolação da decisão em crise em 01-07-2021, assim como dado que, depois desse diagnóstico, a Recorrente frequentou voluntariamente consultas de psiquiatria até Outubro de 2020, conforme factualidade dada como provada no ponto n.º 11 da fundamentação de facto da sentença em crise.

  8. Logo, dos autos não consta prova que permita estribar que actualmente a Recorrente sofra de anomalia psíquica grave.

  9. No relatório de fls. 235 a 237, o perito concluiu que o tratamento psiquiátrico farmacológico constitui uma mera tentativa de controlar a patologia em causa e visar a diminuição do risco de reincidência; 11.

    Juízo técnico-científico esse que não é livre de dúvidas quanto à suficiência do tratamento em causa.

  10. Contendo o diagnóstico em causa as apontadas reservas, não foi descartada a possibilidade da Recorrente ter sofrido, ou sofrer, de patologia orgânica tratável, caso em que o tratamento psiquiátrico farmacológico não é bastante, ou até medicamente indicado para controlar “a doença da arguida e o risco de reincidência”.

  11. Assim, com a devida vénia, não deve ser dada como provada a matéria constante do ponto n.º 10 dos factos provados.

  12. Consequentemente, impõe-se a revogação da decisão recorrida, devendo ser dada como não provada a factualidade constante dos pontos n.ºs 9 e 10 dos factos provados, com as legais consequências.

  13. Sem prescindir, a Recorrente não concorda com a decisão de aplicação de medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e de segurança adequado, com duração máxima de três meses, suspensa na sua execução pelo período de um ano, subordinada à obrigação de a mesma se sujeitar a tratamento psiquiátrico adequado, mediante a frequência de consultas médicas e a manutenção de tratamento farmacológico prescrito (em regime de ambulatório) sob vigilância tutelar da DGRSP; 16.

    In casu não se encontram preenchidos os pressupostos legalmente previstos, designadamente os constantes dos art.ºs 40.º, n.º 3, e 91.º, n.º 1, ambos do Código Penal, para aplicação da medida de segurança na decisão em crise.

  14. Ao abrigo dos normativos legais acabados de referir e conforme entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. de 28-05-2008, só deve ser aplicada medida de segurança se a mesma for proporcionada à gravidade do facto praticado e assim o exigir a perigosidade do agente, enquanto fundado receio de que o agente venha a cometer factos da mesma espécie, em respeito pelos princípios da necessidade ou exigibilidade, da adequação ou idoneidade e da proporcionalidade ou racionalidade.

  15. Os factos aqui em apreço são integradores dos ilícitos típicos de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1 do Código Penal, e de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1 do Código Penal; 19.

    Tais ilícitos típicos correspondem a crimes que são, quanto à sua natureza, particulares, exigindo-se para a prossecução penal dos mesmos que o ofendido apresente queixa, requeira a sua constituição como assistente e deduza acusação particular – o que configura uma exceção aos princípios da oficialidade e obrigatoriedade da promoção penal pelo Ministério Publico que norteiam o preceituado no art.º 48.º do C.P.P. - exigências essas justificadas pela especial natureza dos valores/ bens jurídicos em causa e pela diminuta gravidade da infração.

  16. Pelo que, os ilícitos típicos aqui em apreço assumem o carácter de bagatelas penais, cuja prossecução penal é relegada pelo legislador para a livre disponibilidade dos ofendidos.

  17. Sendo também aquilatado o grau diminuto da sua ilicitude em função da moldura penal fixada aos ilícitos criminais em questão que, quanto ao crime de difamação, é de pena de prisão até 6 meses ou pena de multa até 240 dias e, quanto ao crime de injuria, é de pena de prisão até 3 meses ou pena de multa até 120 dias.

  18. Assim, os ilícitos típicos em questão tem gravidade muito diminuta, em grau tão baixo que não é suscetível de sustentar a verificação do respetivo pressuposto para aplicação de medida de segurança alguma.

  19. Impondo-se, até pelo carácter bagatelar dos ilícitos típicos em causa, a não aplicação de medida de segurança no caso em apreço.

  20. Igualmente é diminuta a gravidade dos factos sub judice dadas as circunstâncias da sua verificação que ocorreram motivadas por dissensos decorrentes das relações de condomínio existentes entre a Recorrente e os Assistentes.

  21. Também não se provou que, no caso de ser sujeita a tratamento psiquiátrico, deixe de existir probabilidade da Recorrente reincidir em ilícitos do tipo dos descritos nos autos.

  22. Pois, no relatório de fls. 235 a 237, o perito não concluiu que o tratamento psiquiátrico farmacológico fosse suficiente para controlar a patologia em apreço e o risco de reincidência, mas antes concluiu ser tal tratamento no sentido de tentar controlar essa patologia e diminuir o risco de reincidência.

  23. Atendendo às reservas apontadas no diagnóstico em questão, não foram descartadas as possibilidades de a Recorrente ter sofrido, ou sofrer, de patologia orgânica tratável, caso em que qualquer tratamento psiquiátrico farmacológico não será medicamente indicado, muito menos suficiente, para controlar “a doença da arguida e o risco de reincidência”.

  24. Importa vincar que os mais recentes factos em causa nestes autos ocorreram em 28-03-2019, não tendo ficado demonstrado nos autos que, após 28-03-2019, tenham ocorrido factos ilícitos típicos idênticos aos aqui em apreço.

  25. Da factualidade dada como provada no ponto n.º 11 e da prova documental junta aos autos a fls.278, 286 e 287, resulta demonstrado que a Recorrente motu proprium marcou várias consultas de psiquiatria, consultas essas que frequentou até Outubro de 2020, e, apesar de ter deixado de frequentar consultas de psiquiatria, não há informação de repetição de factos ilícitos do tipo dos supra descritos.

  26. Atento o período de tempo entretanto decorrido sem a repetição de factos da mesma espécie pela Recorrente, e face à factualidade dada como provada assim como da motivação da decisão, designadamente o facto de Assistente C… ter abandonado o cargo de administrador de condomínio do prédio em questão, tendo inclusive mudado, com a sua esposa a Assistente D…, de residência para outro prédio, impõe-se juízo de prognose de nula probabilidade de reincidência da Recorrente, estando asseguradas as finalidades de prevenção especial, independentemente...

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