Acórdão nº 4413/19.6T8VCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrente: AA Recorrida: Massa insolvente da Portelinha – Transportes, Lda.

  1. AA deduziu acção declarativa contra a Massa Insolvente da sociedade Portelinha – Transportes, Lda.

    , pedindo que a ré seja condenada a reconhecer que o autor é dono e legítimo possuidor e proprietário, com exclusão de outrem, do prédio urbano constituído por edifício destinado a fábrica de serração e logradouro com a área coberta de 1000 m2 e descoberta de 2000 m2, sito no lugar de ..., da ... e de ..., concelho de ..., a confrontar de norte, sul e nascente com caminhos públicos e do poente com a ré, não descrito na CRP de ..., inscrito na matriz sob o artigo ...99 urbano (antes artigo ...64 urbano).

    Mais pede que a ré seja condenada a ver ordenado que o prédio rústico, descrito na CRP de ... sob o número ... 93 de ..., é constituído de ... e ... com 3600 m2, sito no lugar de ..., ... e de ..., concelho de ..., a confrontar do norte com caminho público, do sul e poente com ... e do nascente com o prédio urbano do autor, inscrito na matriz sob o artigo ...72 rústico da freguesia de ....

    Finalmente, pede ainda que a ré seja condenada a restituir o transformador levantado do prédio ou a pagar o seu valor de € 3.000,00 e a pagar a reparação da cabine de alta tensão danificada, no valor de € 1.000,00.

  2. A ré contestou excepcionando o caso julgado e a ilegitimidade ativa e passiva, e pedindo a condenação do autor como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da ré em quantia não inferior a € 2.500,00.

  3. A final, foi proferido despacho saneador com a seguinte decisão: “Em face do exposto, julgo, nos termos do disposto nos artigos 595 n.º 1 alínea a), 186º n.ºs 1 e 2 alínea b), 576º n.ºs 1 e 2, 577º alínea b) e 578º do Código de Processo Civil, inepta a petição inicial, e, consequentemente, absolvo a ré da instância”.

  4. Inconformado, o autor AA interpôs recurso de apelação.

  5. Em 13.07.2021 foi proferida pelo Tribunal da Relação de … a seguinte decisão: “Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão de absolvição da ré da instância, nos termos sobreditos”.

  6. Ainda inconformado, o autor AA vem agora interpor recurso de revista, pugnando pela revogação do Acórdão recorrido e pelo proferimento de nova decisão que julgue a acção, desde já procedente ou, se assim não for, que ordene o prosseguimento dos autos Termina a sua alegação com as seguintes conclusões: “1ª- O Meritíssimo Juiz, ao transcrever a douta sentença do processo n.º 3757/17.6… para a presente ação, referenciando a demanda anterior com a mesma pretensão e idêntico requerimento, além de deixar de julgar, está, objetivamente, a declarar-se impedido, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 115º do Código de Processo Civil.

    1. -Transcrevendo a sentença da demanda anterior, na ação posterior, não proferiu sentença na segunda ação.

    2. - Não obstante o fato de ser transcrita da primeira ação para a segunda, a mesma sentença produz efeitos na segunda ação que impedem o juiz de prosseguir nesta ação, por efeito do caso julgado formal.

    3. - Assim, justificam-se os recursos interpostos de apelação e revista.

    4. - Bem como se justifica declarar impedido o Meritíssimo Juiz, por ter repetido a sentença da primeira ação na segunda ação, e de ter alertado ter sido o juiz da primeira, sem se declarara impedido, na segunda.

    5. - Além disto, na primeira ação deixou de cumprir o douto acórdão da Relação de 8/2/2018 que lhe ordenou o prosseguimento da ação do processo n.º 3757/17.6… .

    6. - O procedimento do Meritíssimo Juiz viola o disposto no n.º 4 do artigo 20º e 203º da Constituição da República Portuguesa.

    7. - Deve ser declarado impedido de prosseguir os termos da presente ação.

    8. - O douto acórdão, ora impugnado, ao confirmar a sentença da ação do processo n.º 3757/17.6..., viola o disposto no artigo 653º do CPC, designadamente o seu n.º 3.

    9. - A douta sentença limitou-se a apreciar a ineptidão da petição inicial que consiste na verificação de vícios ou imperfeições do requerimento inicial.

    10. - A douta sentença não fixa fatos provados e não provados, porquanto se limita a julgar a petição inicial inepta, sem resolver nenhuma questão material da ação.

    11. - Aliás, se julgasse alguma questão material, a petição não podia ser qualificada de inepta, porque teria produzido efeitos.

    12. - O douto acórdão recorrido, ao considerar que a douta sentença vai além do caso julgado formal, sem indicar a matéria de fato fixada que serviu de premissa para eventual decisão que tenha resolvido alguma questão material, está a conhecer de questões sobre que não deve pronunciar-se, incorrendo na nulidade previstas nas alíneas b) e d) segunda parte do n.º 1 do artigo 615º do CPC.

    13. - O julgamento da ineptidão da petição inicial constitui caso julgado formal.

    14. - O caso julgado formal não produz efeitos fora do processo, pelo que o douto acórdão, ao verificar o caso julgado e a autoridade do caso julgado da primeira ação para a segunda, viola o disposto no artigo 620º do CPC.

    15. - O douto acórdão, tendo deixado de se pronunciar sobre a pretensão do autor, de discutir a questão de a petição inicial ser inepta ou não, incorre na nulidade prevista na alínea c) primeira parte do n.º 1 do artigo 615º do CPC.

    16. - A decisão do douto acórdão, de conhecer oficiosamente o caso julgado, constitui manifesto erro de direito processual e viola o disposto nos artigos 279º n.º 1, 581º, 582º, 620º e 621º do CPC.

    17. - O autor alegou e provou, com documentos juntos com a petição inicial, que é sócio fundador, titular de todas as quotas da SOCIMEL, e … da sociedade, desde o ano de 1979.

    18. - A qualidade de proprietário de todas as quotas, desde o ano de 1979, confere, ao autor, os mais amplos poderes deliberativos e executivos da sociedade, e relega os poderes de gerência para uma mera formalidade de representação do proprietário pelo próprio proprietário.

    19. - Após a dissolução administrativa da SOCIMEL, não foram apuradas dívidas, pelo que todo o ativo pertence ao sócio proprietário de todas as quotas.

    20. - Atendendo a que o ativo da sociedade dissolvida é destinado em primeiro lugar ao reembolso das entradas efetivamente realizadas, como se prevê no n.º 2 do artigo 156º do CSC, através da dissolução oficiosa da SOCIMEL, tem o direito de propriedade do ativo, desde que foi adquirido pela sociedade.

    21. - A não ser assim entendido, o autor tem acessão de igual posse à da antecessora proprietária, dado que lhe sucede em igual posse, por título diferente da sucessão por morte.

    22. - O fato de o prédio reivindicado não ter sido relacionado no ativo da sociedade, no processo administrativo de dissolução, não tem consequências, porque o que releva, na sucessão da posse e na atribuição da propriedade, é a existência do imóvel no património social da dissolvida sociedade, à data da dissolução.

    23. - O justo título de aquisição da SOCIMEL é a acessão reconhecida pela douta sentença do processo n.º 3…0/1998.

    24. -A acessão ocorreu no momento em que a SOCIMEL tem maior valor em obra do que vale o terreno de implantação, então arrendado, entre 1979 e 1980.

    25. - A transformação da propriedade social em propriedade singular do autor dá-se em 26/1/2011, mas tem efeitos em 1979, na data da constituição da SOCIMEL, da aquisição das quotas dos irmãos, restantes sócios, e da realização da obra, tudo entre 1979 e 1980.

    26. -O autor como único proprietário das quotas sociais, tem o direito de propriedade do imóvel desde a acessão, reconhecida judicialmente, porque com a dissolução da sociedade sucede o pagamento das entradas realizadas, substituindo-se a propriedade coletiva em propriedade singular do titular de todas as quotas.

    27. - O autor é o proprietário do prédio que reivindica desde a acessão, porque adquire o bem a título oneroso pelo pagamento das suas entradas, por título diferente da sucessão por morte, na data da dissolução da sociedade, pelo que à sua posse acresce a da SOCIMEL.

    28. - O Meritíssimo Juiz fundamenta que o autor não alega qualquer título legítimo de adquirir, porque não atende à exposição dos fatos e à prova, nomeadamente de que o autor é sócio fundador e proprietário de todas as quotas, desde 1979, da SOCIMEL, dissolvida por decisão administrativa na que não se verifica passivo, que o património é do autor, e que do património social faz parte o prédio urbano reivindicado.

    29. - Preconiza a verificação do saldo social e a partilha dos bens sociais, para através dela o ativo regressar à esfera jurídica do autor, mas a verificação de saldo positivo é irrelevante pela ausência de passivo, a partilha é impossível, porque o autor é titular das quotas todas, e a propriedade do prédio está provada por sentença.

    30. - O Meritíssimo Juiz decide que o autor não beneficia da presunção de registo, mas o autor prova o direito de propriedade através da douta sentença do processo n.º 3…0/1998 e da qualidade de único proprietário da sociedade e, além disso, a aquisição pela acessão produz efeitos entre as partes.

    31. - A petição inicial não tem qualquer omissão de alegação de fatos para sustentar a pretensão formulada.

    32. - A petição inicial expõe os fatos necessários e suficientes para o pedido que conclui, e não sofre de vício de ineptidão.

    33. - O tribunal argumenta que, na vigência da sociedade o autor é possuidor precário, atendendo à sua qualidade de gerente, mas o autor, além de gerente, é o proprietário da sociedade, pelo que a fundamentação da questão da posse do bem reivindicado devia tem em consideração que o autor é o único proprietário das quotas, que não há dívidas sociais, e que o autor é o proprietário dos bens sociais, à data da dissolução, a título oneroso, em pagamento das entradas.

    34. - Assim, a posse do autor coincide com o início da posse da sociedade, porque os bens são para pagamento das entradas e atribuídos aos sócios, no caso concreto ao único proprietário de todas as quotas.

    35. - A petição inicial não é confusa, os fatos alegados não são...

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