Acórdão nº 00743/13.9BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução17 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Estado Português e o Município (...), devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada por G.

e J.

, em representação do seu filho menor C., tendente à condenação daqueles a título de responsabilidade civil extracontratual, em resultado do acidente sofrido pelo identificado menor, encontrando-se no recreio do Infantário (...), quando uma criança levantou a tampa de uma caixa de saneamento e a deixou cair sobre o seu terceiro dedo da mão direita, inconformados com a Sentença proferida em 1 de setembro de 2021 no TAF de Penafiel, na qual a ação foi julgada parcialmente procedente, vieram, separadamente, interpor recurso jurisdicional da mesma.

Assim, constam das conclusões do Recurso apresentado pelo Estado Português em 23 de setembro de 2021, as seguintes conclusões: “1 – A douta sentença proferida em 01/09/2021 julgou parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, condenou solidariamente o Réu Estado Português e o interveniente Município (...) no pagamento ao Autor do montante de €4.000 a título de dano patrimonial (dano biológico) e no montante de €10.000 a título de danos não patrimoniais; 2 - Decorre da matéria de facto assente, que no dia do evento danoso (acidente que vitimou o Autor C.) estavam de vigilância ao recreio uma professora do 1º ciclo, uma educadora de infância e duas auxiliares de ação educativa que, apesar de estarem colocadas em sítios distintos do recreio, não visualizaram o ocorrido. E, perante tal circunstancialismo, a Mmª Juiz a quo concluiu que o dever de vigilância foi omitido, porque não foi eficaz e adequado, sobretudo estando em causa crianças de tão tenra idade, que muitas vezes não são capazes de representar potenciais situações de perigo, ainda para mais, quando inseridas num grupo de outras crianças da mesma idade ou idades semelhantes; 3 - Todavia, com o devido respeito por opinião diversa, não houve violação de qualquer dever de cuidado ou vigilância por parte da educadora ou auxiliar; 4- Com efeito, para além da educadora, estavam no recreio uma professora e duas auxiliares, distribuídas pelo espaço, de forma a abarcarem todo o recreio e estarem vigilantes relativamente às crianças que ali se encontravam a brincar 5 - O acidente decorreu devido a um comportamento imprevisível de uma criança, colega do Autor, que não foi possível acautelar pelas professoras/auxiliares e que poderia ter acontecido mesmo que ali estivessem mais professores/auxiliares; 6 - Tanto mais que não resultou provado qual o número de crianças que ali se encontravam naquele momento, nem tão pouco ficou provado que os professores e auxiliares que se encontravam no recreio eram insuficientes; 7 - Ademais, na eventualidade de se dar como verificada alguma conduta ilícita, a mesma deveria ser imputada, em exclusivo, ao Município (...), porquanto era sobre si que recaía o dever de providenciar que as tampas de escoamento de água em local do recreio acessível a crianças em idade pré-escolar seriam dotadas de mecanismo de segurança, que evitasse a sua abertura; 8 – Efetivamente, após o acidente ter ocorrido, a autarquia procedeu à colocação de “ganchos” na tampa de escoamento de águas para evitar que voltasse a suceder algo semelhante; 9 – Pois, a gestão, manutenção e conservação dos equipamentos escolares cabia ao Município (...), pois a tampa de saneamento foi ali colocada pela entidade gestora (Município (...)), tal como resulta dos factos dados como provados, uma vez que aquele estabelecimento de ensino não previa a colocação de tais tampas, tendo sido da iniciativa do Município a sua colocação. Logo, a tampa deveria estar apenas ao alcance da entidade gestora (Município) e dos seus funcionários; 10 - Ademais, para que ocorra o tipo de responsabilidade aqui em causa que integra, no essencial, o conceito civilístico da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, segundo o regime previsto no artº. 483°, n°. 1 do C. Civil, são seus pressupostos cumulativos o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, ponderado segundo a teoria da causalidade adequada; 11 - Ora, não se verificou nenhum comportamento ilícito por parte das professoras/educadoras, logo não pode ser assacada nenhuma responsabilidade ao Estado Português; 12 – Caso assim se não entenda, sempre se dirá que tratou-se de um acidente escolar, tendo sido instaurado inquérito escolar, tal como resulta dos factos dados como provados, sendo que o regime do seguro escolar encontra-se regulamentado pela Portaria n.º 413/99, de 8 de junho, e tem regras específicas, que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não podem ser postergadas, não podendo ser “aproveitado” apenas para a questão de alguns danos patrimoniais e totalmente obliterado no que tange a outros danos patrimoniais e aos danos não patrimoniais; 13 - Com efeito, o seguro escolar constitui um sistema de proteção destinado a garantir a cobertura dos danos resultantes do acidente escolar, complementarmente aos apoios assegurados pelo Sistema Nacional de Saúde; 14 - Os progenitores do menor acidentado foram informados dos respetivos trâmites e apenas reclamaram despesas com deslocações e farmácia, nada reclamando a título de outros danos patrimoniais ou não patrimoniais; 15 - Pelo que não se pode afastar totalmente o regime do seguro escolar e aplicar apenas o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, que só será aplicável quando verificados os requisitos legais da responsabilidade civil extracontratual e o regime do seguro escolar se revele insuficiente; 16 - Tendo o evento sido qualificado como acidente escolar, haveria que determinar, em primeira linha, qual a cobertura que através da previsão contida no artigo 11.º do RSE (Portaria 413/99, de 8 de junho) era alcançada para os danos não patrimoniais e só posteriormente fazer intervir o instituto da responsabilidade cível extracontratual; 17 - Ou seja, teria que ser realizada a junta médica e aquilatada a eventualidade de ser fixada uma incapacidade permanente e, na eventualidade de fixação de incapacidade permanente assacar as consequências a nível de fixação da indemnização por danos não patrimoniais e caso o que viesse a ser apurado se revelasse aquém da pretensão do Autor e verificados os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, poderia então equacionar-se uma indemnização a título de danos não patrimoniais; 18 - Nessa medida, tendo ultrapassado o regime legal do seguro escolar, salvo o devido respeito (que é muito), entendemos que a decisão agora em crise fez errada aplicação de direito; 19 – Para além do que ficou dito, entendemos que o valor da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais nos parece exagerado, tendo em conta a linha da jurisprudência nacional no que tange à ressarcibilidade deste tipo de danos e ao que, em concreto resultou da matéria provada; 20 - Tendo em conta o estabelecido no artigo 496.º do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal e, conforme dispõe o nº 3 do referido artº 494º do CC , a compensação deve ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tanto, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e do criterioso sopesar das realidades da vida; 21 - No caso sub judice, salvo o devido respeito, a fixação do valor de indemnização em 10.000€ por danos não patrimoniais parece-nos manifestamente exagerada e desajustada, e desconforme com os juízos de equidade que devem presidir à sua fixação, tanto mais que ficou provado que o Autor não tem alterações nos atos da sua vida diária, afetiva, familiar, social ou de formação; 22 - Atento o aduzido, o Tribunal «a quo», ao decidir como decidiu, desrespeitou, neste âmbito, o preceituado no Regulamento do Seguro Escolar, aprovado pela Portaria nº 413/99, de 08/06, mormente os artºs 10º, 11º e 14º e os artºs 7º a 10º da Lei nº 67/2007, de 31/12, 483º, 487º, 491º, 493º, 494º e 496º do Código Civil; 23 - Nestes termos e nos demais de Direito que V.as Exas doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, alterar-se a douta sentença, nos termos aduzidos, com todas as devidas e legais consequências.

No entanto, Vossas Excelências, decidindo, farão, como habitualmente, JUSTIÇA!” Constam das conclusões do Recurso apresentado pelo Município (...) em 8 de outubro de 2021, as seguintes conclusões: “1.

O Presente recurso é tempestivo e nada obsta à sua aceitação; 2.

Em face da prova produzida nos autos, tendo-se que o RECORRIDO era uma criança que tinha um comportamento do tipo rebelde e imprevisível desajustada, que verdade seja dita, foi ajustando/melhorando no decurso do tempo, o facto dado como provado no Ponto 19, deverá ser retificado, permitindo-se propor, deverá ter a seguinte redação: “O Autor, à data dos factos, era uma criança com um comportamento desajustado ou rebelde, quer no recreio quer na sala de aulas”.

  1. Da análise da factualidade dos autos e do respetivo probatório tem-se que Inexiste qualquer ilicitude, por ação ou omissão, que possa ser imputada à RECORRENTE e neste contexto, a pretensão do RECORRIDO deverá improceder e em consequência, repondo a merecida justiça, a RECORRENTE deverá ser totalmente absolvida; 4.

    Da análise da factualidade dos autos e do respetivo probatório tem-se que Inexiste qualquer conduta, por ação ou omissão, que possa ser considerada culposa e imputada à RECORRENTE e nesta conformidade, a pretensão do RECORRIDO deverá improceder e em consequência, repondo-se merecida justiça, a RECORRENTE deverá ser absolvida; 5.

    Da análise da factualidade dos autos e do respetivo probatório tem-se que Inexiste qualquer violação do dever objetivo de...

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