Acórdão nº 1000/20.0T8FAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelEM
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 1000/20.0T8FAR-A.E1 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]♣Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório A Recorrente “(…) Europe D.A.C. – Sucursal em Portugal” veio intentar recurso de revisão, nos termos dos arts. 696.º, al. e) e 697.º, nºs. 1 e 2, al. c), ambos do Código de Processo Civil, solicitando, a final, que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com a consequente anulação dos termos do processo posteriores ao momento em que devia ser feita a citação da Recorrente; e que seja ordenada a citação da Recorrente.

Para o efeito alegou, em síntese, que não apresentou contestação no processo n.º 1000/20.0T8FAR, relativamente ao qual recorre da sentença aí proferida, por não ter sido citado, nem ter tido conhecimento do ato de citação, por facto que não lhe é imputável, tendo apenas tomado conhecimento da decisão quando, em 17-11-2020, foi contactada pelo mandatário dos Autores a informar que a Recorrente havia sido condenada por sentença, que remeteu em anexo.

Mais alegou que, consultado o processo em 19-11-2020, teve conhecimento de que a citação havia sido entregue, a 27-04-2020, a (...), que assinou o aviso de receção, o qual é funcionário da empresa (…), e não da Recorrente, tendo sido contratado pelo condomínio onde a Recorrente se encontra sedeada, para prestar serviço na receção do referido prédio, possuindo, no entanto, a Recorrente os seus próprios rececionistas no piso correspondente às suas instalações, ao qual sempre sobem os carteiros dos CTT para entrega de correspondência, sendo que na data da referida citação as instalações da Recorrente encontravam-se encerradas e sem funcionários, devido a confinamento obrigatório, e em regime de teletrabalho, situação essa que se manteve de 16-03-2020 a 03-05-2020 e que em nada é imputável à Recorrente.

Mais alegou que, apesar do referido rececionista do prédio ter assinado a citação, e de ter, durante o referido período, periodicamente, subido ao piso da Recorrente e aí deixado toda a correspondência a ela dirigida, por razões que desconhece e que não lhe são imputáveis, nunca a Recorrente chegou a ter conhecimento de tal citação.

Alegou também que, aquando da carta de citação a um terceiro, não foi efetuada a comunicação legalmente imposta no artigo 233.º do Código de Processo Civil, visto inexistir nos autos qualquer registo dessa comunicação.

Concluiu, por fim, que ao se verificar os dois pressupostos previstos no art. 188.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Civil, existe uma nulidade processual por falta de citação, a qual deverá desencadear a anulação de todo o processado posterior à petição inicial, repetindo-se a citação da Recorrente.

…Admitido o recurso, vieram os recorridos (…), (…) e (…) responder, solicitando, a final, a improcedência do recurso, mantendo-se inalterada a sentença proferida.

Para o efeito, e em síntese, alegaram que o referido (…) encontrava-se autorizado pela Recorrente para receber a correspondência dirigida a esta durante o referido período, não fazendo qualquer sentido que a recebesse sem tal autorização, a que acresce que as duas outras notificações efetuadas à Recorrente no âmbito do processo tiveram sempre como recetor a empresa “(…)”, sendo que essas duas notificações, cujo recebimento a Recorrente não impugnou, deram-lhe conhecimento da existência deste processo.

Mais alegaram que se a Recorrente não contestou, tal terá resultado de mera desorganização do serviço interno no processamento de documentos por parte da Recorrente, competindo a esta o dever de verificar regularmente o correio que foi recebendo, não sendo tal situação, por isso, tutelada e protegida pelo instituto da falta de citação.

Alegaram, por fim, que a Recorrente, notificada regulamente da sentença, nada disse ou fez, designadamente não invocou a falta de citação, nem recorreu da sentença, deixando-a transitar em julgado, não sendo razoável fazer crer ao tribunal que continuou, por facto que não lhe é imputável, alheia à existência do presente processo, pelo que deveria, no prazo de 10 dias, arguir a mencionada falta de citação e ainda, no prazo de 30 dias, recorrer da referida sentença.

…Realizado o julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida sentença em 01-06-2021, com o seguinte teor: Pelo exposto, decido julgar o presente recurso totalmente improcedente e, por conseguinte, mantenho a decisão recorrida.

Custas a cargo da sociedade, por ter ficado vencida (artigo 527.º, nº s 1 e 2, do C.P.C.).

Registe e notifique.

…Inconformada com a sentença, a Recorrente/Ré “(…) Europe D.A.C. – Sucursal em Portugal” veio interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1. O Tribunal a quo errou no julgamento de facto ao considerar provado, no ponto 14 da matéria de facto provada, que “Durante o período em que as instalações da recorrente se encontravam fechadas, o funcionário da entrada do edifício subia ao piso da recorrente e aí deixava toda a correspondência a ela dirigida”.

  1. Com efeito, do depoimento da testemunha (…) – Depoimento registado em suporte áudio digital com o seu nome e duração de 00:08:19 horas – resulta apenas que o porteiro do prédio transportava correspondência para a recepção da sede da Apelante, o que é manifestamente insuficiente para inferir, sem mais, que ali deixou – com o grau de certeza que a natureza da correspondência aqui em causa impõe – toda a correspondência que lhe foi dirigida durante aquele período.

  2. Pelo que, também não se pode concluir que ali deixou o envelope em que seguia a carta de citação aqui em apreço.

  3. Em face do exposto, a decisão proferida sobre o ponto nº 14 da matéria de facto provada deve ser revogada, e substituída por uma outra que julgue provado apenas que, “Durante o período em que as instalações da recorrente se encontravam fechadas, o funcionário da entrada do edifício subia ao piso da recorrente e aí deixava correspondência a ela dirigida”.

  4. O Tribunal a quo errou no julgamento de facto ao considerar provado, no ponto 15 da matéria de facto provada, “O que fez, de acordo com instruções e autorização da recorrente”.

  5. Do depoimento da testemunha (…) – Depoimento registado em suporte áudio digital com o seu nome e duração de 00:28:20 horas – resulta que a pessoa habitualmente responsável pela recepção da correspondência da Apelante é uma funcionária da (…), ou seja, de uma empresa de segurança, contratada para exercer essa função, de onde não se pode inferir que teria poderes para, em nome e representação da apelante, dar instruções a terceiros sobre a recepção de correspondência que apenas à Apelante respeita.

  6. Mas mais, ainda que se entenda que essa instrução existiu – no que não se concede – tal não permite concluir, como concluiu o Tribunal a quo, que o funcionário da (…), (…), estivesse autorizado a assinar, em nome e representação da (…), a correspondência registada com aviso de recepção que lhe foi dirigida.

  7. Em face do exposto, deverá a o facto provado nº 15 ser julgado não provado.

  8. Caso assim não se entenda, no que não se concede, deverá a decisão proferida sobre o ponto nº 15 da matéria de facto provada ser revogada, sendo substituída por uma outra que julgue provado que, “O que fez, de acordo com indicação da funcionária da (…)” 10. O Tribunal a quo errou no julgamento de facto ao considerar não provado, na alínea b) da matéria de facto não provada, que “A correspondência aí deixada era em grande quantidade”.

  9. Na verdade, as testemunhas (…) e (…) – Depoimento registado em suporte áudio digital com o seu nome e duração de 00:08:19 horas e depoimento registado em suporte áudio digital com o seu nome e duração de 00:21:24 horas, respectivamente – atestaram que a correspondência dirigida à Apelante era entregue numa caixa dos CTT, o que, por si só, é prova bastante de que, efectivamente, a correspondência deixada na recepção da (…) era em grande quantidade.

  10. Em face do exposto, deverá a alínea b) dos factos não provados ser julgada provada.

  11. O Tribunal a quo errou no julgamento de facto ao considerar não provado, na alínea c) da matéria de facto não provada, que “A carta de citação não chegou ao conhecimento da recorrente”.

  12. Do depoimento da testemunha (…) – Depoimento registado em suporte áudio digital com o seu nome e duração de 00:28:20 horas – resulta que o procedimento de recepção de correspondência judicial da recorrente envolve, sempre, três pessoas: (…), (…) e (…), 15. Que, as acções judiciais que entram na companhia ora Apelante são sempre contestadas, o que, aliás, continuou a suceder mesmo em pleno confinamento.

  13. Factos que foram corroborados pelo depoimento de (…) – Depoimento registado em suporte áudio digital com o seu nome e duração de 00:23:49 horas – e, ainda, pelo depoimento de (…) – Depoimento registado em suporte áudio digital com o seu nome e duração de 00:12:05 horas 17. Da análise conjugada dos depoimentos destas três testemunhas decorre ainda que a citação não chegou ao conhecimento de nenhuma destas 3 testemunhas, não havendo, sequer, qualquer registo interno da entrada desta acção.

  14. Aliás, o desconhecimento da citação explicado por estas testemunhas, resulta igualmente evidente dos documentos nºs 1 e 2 juntos com as alegações, os quais demonstram, inequivocamente, que até ao email do mandatário dos recorridos, a recorrente desconhecia, em absoluto, que a presente acção judicial havia sido intentada contra si.

  15. Atente-se ainda na circunstância de (…) – Depoimento registado em suporte áudio digital com o seu nome e duração de 00:08:19 horas – , ou seja, o porteiro do prédio que assinou o aviso de recepção, não saber precisar que correspondência deixou na recepção da apelante.

  16. Assim, e em suma, para prova do facto em análise, a apelante demonstrou todos os factos indiciários de que efectivamente não recebeu a citação, o que se considera suficiente para a prova de um facto negativo: i. Qual o procedimento habitual de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT