Acórdão nº 633/15.0T8AMT.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelFILIPE CAROÇO
Data da Resolução02 de Dezembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 633/15.0T8AMT.P2 (apelação) Comarca do Porto Este – Juízo de comércio de Amarante – J 4 Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B…, com o NIF ………, e cônjuge, C…, com o NIF ………, residentes na Avenida … nº …, Entrada ., 2º Esquerdo, ….… Penafiel, apresentaram-se à insolvência e requereram a exoneração do passivo restante, assumindo expressamente a obrigação de respeitarem todas as condições decorrentes da lei que lhes venham a ser impostas, designadamente aquelas a que se refere o art.º 239º do CIRE[1], disponibilizando-se para cederem parte do seu rendimento que seja considerado disponível.

Declarados aqueles insolventes por sentença de 8.5.2015, teve lugar a assembleia de credores (16.6.2015), na qual foi liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos devedores, tendo-se concluído o seguinte: «(…) Conjugados e ponderados os elementos e as considerações precedentes, decido fixar em 2 (dois) salários mínimos nacional, o correspondente ao razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos insolventes, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 2 e 3, alínea b), i), do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Em consequência, determino que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que os devedores venham a auferir seja cedido ao fiduciário adiante nomeado, nos termos do n.º 2 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

(…).

» Este despacho transitou em julgado.

Decorria o período de cessão de rendimentos, o Banco D…, S.A., veio, por requerimento de 12.07.2021, pedir a cessação antecipada do procedimento de exoneração com fundamento no incumprimento, pelos devedores, dos deveres estabelecidos no artigo 239º, nº 4.

Aberto incidente, pronunciaram-se Banco E…, S.A., credor, o Ministério Público e a Sr.ª Fiduciária no sentido da cessação.

Por seu turno, os devedores negaram a verificação dos pressupostos da cessão daquele benefício.

A 1.10.2021, o tribunal proferiu decisão com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Assim, nos termos conjugados dos arts. 239.º, n.º 4, als. a) e c), 243.º, n.º 1 , al. a) e n.º 3 parte final do CIRE, recuso a exoneração do passivo restante dos Devedores, declarando a cessação antecipada do procedimento de exoneração.

Publicite e registo (art. 247.º do CIRE).

(…)».

*Inconformados, apelaram os devedores insolventes, tendo apresentado alegações com as seguintes CONCLUSÕES: «1. A decisão proferida não tem fatos que permitam subsumir uma conduta dolosa ou com grave negligência por parte dos insolventes.

  1. Os insolventes colaboraram sempre com o processo de insolvência e com a administradora de insolvência.

  2. Por requerimento de 9 de Setembro de 2019 os insolventes informaram o Tribunal que a documentação referente aos seus rendimentos já tinha sido enviados à administradora de insolvência no dia 1 de Julho de 2019, com a expressa advertência de que caso fosse necessária a tradução da mesma necessitava de um período de 30 dias. Cfr. Requerimento com a referência 33335648 4. Por requerimento datado de 28 de Novembro de 2019 os insolventes comunicaram ao Tribunal que apesar do esforço que tentaram fazer a sua situação económica não lhes permitia pagar a quantia de 595,00€ pela tradução dos documentos referentes aos seus rendimentos. Cfr. requerimento com a referência 34158804 5. Sucedeu que, os insolventes emigraram para a Alemanha, e somente após 1 anos de permanência naquele país requereram nos presentes autos a indexação do rendimento indisponível ao salário mínimo alemão.

  3. Esse atraso motivou que nesse ano, as contas ao rendimento indisponível tenham sido realizadas tendo por referência o salário mínimo português quando os insolventes viviam na Alemanha e auferiam o salário alemão.

  4. Feitas as contas, resultou que os insolventes teriam de entregar a quantia de 25.000€, quantia que os insolventes não tinham nem podiam ter, pois emigrados na Alemanha, nunca teriam conseguido sobreviver apenas com a quantia equivalente ao salário mínimo português.

  5. É consabido que os insolventes estavam emigrados na Alemanha, pelos próprios recibos de vencimento alemães.

  6. A entrega de tais quantias é manifestamente impossível, por não disporem os insolventes de tais quantias, que gastaram no pagamento de despesas essenciais, água, luz, gás, arrendamento, alimentação, vestuário.

  7. Afigura-se assim evidente que a quantia de 25000,00€ foi utilizada pelos insolventes para suportar as despesas correntes na Alemanha.

  8. Atente-se que aos insolventes foi fixado, após alteração, um rendimento mensal indisponível de 1600€ para cada, totalizando assim 3.200,00€ por mês, o que equivale a um valor anual de 38400,00€.

  9. Ora, se contabilizarmos o salário mínimo português (600,00€), para cada um dos insolventes, teríamos uma quantia anual de 14.400,00€ de rendimento indisponível para aquele primeiro ano.

  10. Logo, se somarmos a estes 14.400€ a quantia de 25.000€ que é exigida aos insolventes, constatamos que os insolventes gastaram no total a quantia de 39.400,00€ naquele primeiro ano.

  11. Então, se o Tribunal lhes fixou para os anos seguintes um rendimento indisponível de 38.400,00€ verificamos que os insolventes gastaram a quantia equivalente ao que lhes foi fixado pelo Tribunal.

  12. Assim forçoso é de concluir que aquela quantia de 25.000€ era efetivamente necessária para a sobrevivência do casal, tanto assim é que o Tribunal veio a fixar quantia equivalente para os anos seguintes.

  13. Deste modo, tem de ser aceite e assente que os insolventes precisaram da referida quantia para viver e suportar as despesas correntes naquele ano, e como tal não revelam dolo nem negligência na sua conduta.

  14. Por outro lado, posteriormente veio a AI exigir que a documentação referente aos salários e recibos de vencimento lhe fosse entregue traduzida em alemão.

  15. Os insolventes solicitaram orçamento para a tradução dos documentos em causa e a referida tradução ascendia à quantia de 595€, valor de que os mesmos não podiam dispor.

  16. Os insolventes comunicaram que não tinham como suportar os custos da tradução, pelo que nenhuma culpa lhes pode ser imputada.» (sic) Defenderam assim, os apelantes, a revogação da decisão e a sua substituição por outra que indefira o procedimento de cessação antecipada da exoneração do passivo restante.

*A Sr.ª Fiduciária produziu contra-alegações que sintetizou assim: «a) Os Insolventes visam uma retroação da alteração ao rendimento indisponível para o início do período de Exoneração, tendo esta questão já sido decidida, e já devidamente transitada em julgado, pelo que inexiste qualquer possibilidade de retroagir qualquer alteração para momento anterior àquele em que a modificação foi requerida, mantendo os devedores a dívida de 25.039,19€; b) Assim, continuam os Insolventes sem dar cumprimento às decisões já proferidas e transitadas em julgado; c) Continuando, também, em incumprimento o envio da documentação já por diversas vezes solicitada; d) Os Insolventes desde o início do período de Exoneração, que têm mostrado uma conduta pouco ou nada conforme às advertências feitas pelo Tribunal e Fiduciária, relativamente às obrigações que sobre eles impendem, nunca tendo revelado cautela face aos interesses dos Credores e da Massa Insolvente; e) Revelando a mesma uma clara violação, pelo menos com negligencia grave, das obrigações impostas pelo artigo 239 nº4 do C.I.R.E; f) Entendemos que o Douto despacho da qual recorrem os Insolventes não tenha violado o disposto nos artigos 239, 243 e 244 do C.I.R.E., antes tendo sido prolatado em consonância com os referidos preceitos legais, fazendo uma interpretação correta das normas referidas e da matéria de facto constante dos Autos, verificando-se o circunstancialismo previsto no artigo 243°, nº 1, alínea a) e nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas por violação dos deveres impostos no artigo 239, n° 4, alíneas. a), c) e d), devendo, por isso, ser determinada a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante dos Insolventes g) Deste modo, nada tendo a apontar ao Douto despacho recorrido, cremos que mantendo o mesmo e negando provimento ao Recurso interposto pelos Insolventes, será feita a costumada Justiça.

» (sic)*O Ministério Público apresentou contra-alegações onde arregimentou também argumentos na defesa da improcedência do recurso.

*Foram colhidos os vistos legais.

*II.

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do novo Código de Processo Civil[2]).

Impõe-se conhecer e decidir se --- estando em curso o período de cessão de rendimentos --- há fundamento relevante para a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, liminarmente admitido a favor do casal de insolventes.

Para o efeito, os apelantes pretendem o aditamento aos factos provados de dois factos de índole processual, o que irá ser previamente ponderado.

*III.

O tribunal deu como provados os seguintes factos[3]: 1 – Os Devedores na sua p.i. declararam: “Os Requerentes pretendem a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, para o que declaram expressamente preencher todos os requisitos legais de que depende a sua concessão, e, assumem a obrigação de respeitar todas as condições decorrentes da lei que lhes venham a ser impostas, designadamente as que alude o artigo 239º do CIRE.” 2 - Por despacho datado de 16-06-2015 foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pelos Devedores, fixando “em 2 (dois) salários mínimos nacional, o correspondente ao razoavelmente necessário para o sustento minimamente...

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