Acórdão nº 1000/19.2T8CTB-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOÃO CURA MARIANO
Data da Resolução30 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* A Exequente intentou contra a Executada ação executiva no Juízo Central Cível, do Tribunal Judicial da Comarca ..., para pagamento de € 1.588.722,65, de capital, a que acresciam juros de mora, perfazendo o valor total reclamado € 2.405.716,40.

Invocou o empréstimo à Executada de diversas quantias, em cumprimento de contratos designados de “suprimento”, que somavam o valor peticionado e que a Executada não pagou, apesar de a tanto instada.

A Executada deduziu oposição à execução, alegando, além do mais, o seguinte: - A Exequente é sua sócia, detendo o equivalente a 0,035% do capital social.

- Desde que é acionista da Executada, a Exequente celebrou com ela uma série de contratos de suprimentos que vieram a ser objeto de aditamentos, nos quais foi alterada a taxa remuneratória dos suprimentos e diferido o prazo de reembolso dos mesmos.

- O último prazo de reembolso desses suprimentos foi fixado para 31.12.2014, tendo a Executada sido, entretanto, dissolvida em Outubro de 2014.

- A quantia exequenda respeita ao reembolso dos referidos suprimentos.

- Na Assembleia Geral que decidiu a liquidação da Executada foi deliberado que primeiro seriam pagos os credores e só depois, com o remanescente, se pagavam os suprimentos dos sócios.

- A propositura da execução constitui, por isso, um abuso de direito.

Concluiu pela procedência dos embargos e pela suspensão da execução ou a sua extinção.

A Exequente contestou, alegando a inaplicabilidade do regime dos suprimentos previsto no Código das Sociedades Comerciais para as sociedades por quotas e a inadmissibilidade de ter de aguardar pela liquidação da sociedade para obter o reembolso das quantias que mutuou à Executada.

Concluiu pela improcedência dos embargos.

Foi proferido saneador-sentença que julgou procedentes os embargos, tendo declarado incompetente o Juízo Central Cível do ... para tramitar o processo executivo interposto, com a consequente absolvição da Executada da instância executiva.

Apesar ter sido reconhecida a existência de uma exceção dilatória que impedia o prosseguimento da execução, aquele saneador-sentença, na sua fundamentação, em obiter dictum, não deixou de apreciar o mérito da execução, concluindo que os títulos apresentados não tinham força executiva e que a dedução da execução consubstanciava um abuso de direito.

A Exequente recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação que, por acórdão proferido em 22.06.2021, julgou o recurso parcialmente procedente, assim se revogando parcialmente a decisão recorrida, declarando-se que o tribunal recorrido é competente em razão da matéria, mais se confirmando a sentença recorrida quanto à extinção da execução.

Desta decisão recorreu a Exequente para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: a) A Haitong Capital – SCR, SA, recorre do douto acórdão do Tribunal da Relação de ..., que confirmou a sentença proferida em 1.ª instância que declarou extinta execução onde a recorrente ocupava a posição de exequente e a recorrida a posição de executada; b) serviram de base a essa execução quatro contratos de empréstimo, por várias vezes alterados, designados “contratos de suprimentos”; c) a douta sentença de que se recorreu fundamentou-se na inexistência de título executivo e, numa segunda linha, na incompetência material do tribunal e no abuso de direito; d) o douto acórdão julgou o recurso procedente no que se refere à existência de título executivo, à competência do tribunal e à inexistência de abuso de direito, mas confirmou a sentença recorrida quanto à extinção da execução; e) efetivamente, qualificou os créditos do recorrente como sendo créditos de suprimentos (o que a sentença de primeira instância não havia feito) e, como a recorrida se encontra em liquidação, entendeu que o recorrente apenas poderia obter o pagamento coercivo dos seus créditos depois de satisfeitos todos os outros créditos de terceiros sobre a sociedade, o que consistirá numa condição suspensiva que incumbia ao exequente mostrar estar verificada (o que não fez), 715.º , n.º 1, do NCPC; f) o presente recurso é admissível por força do disposto no n.º 3 do art.º 671.º do NPCP, na medida em que os fundamentos para a decisão no acórdão recorrido, são fundamentalmente diferentes dos fundamentos para a decisão em 1.ª instância; g) o tema central do presente recurso consiste na qualificação dos créditos do recorrente como sendo créditos de suprimentos; h) na perspetiva do recorrente os créditos não são assimiláveis a suprimentos porque realizados a uma sociedade anónima, sendo-lhes inaplicáveis, por analogia, o regime previsto para essa realidade na sociedade por quotas; i) o legislador podia ter inserido o regime dos suprimentos na parte geral do CSC, ou replicado esse regime na parte do CSC referente às sociedades anónimas, nunca o fez, não obstantes as inúmeras oportunidades que teve para o fazer, sempre que se verificaram alterações ao código; j) esta ideia, da inaplicabilidade do regime dos suprimentos estabelecido para as sociedades por quotas às sociedades anónimas, vem reforçado com a recente alteração ao csc que introduziu, na parte geral do código, a possibilidade para as sociedades por quotas de aumentarem o capital social por conversão de suprimentos (n.º 3 do art.º 87.º do CSC); k) mesmo que se admita a aplicação analógica do regime dos suprimentos previsto para as sociedades por quotas às sociedades anónimas, essa aplicação tem de ser realizada com as devidas adaptações (a doutrina e a jurisprudência são unânimes, no que se refere a esta necessidade de adaptação divergem, apenas, na determinação de quais os créditos acionistas que devem ser sujeitos ao regime dos suprimentos); l) a doutrina e a jurisprudência defendem unanimemente a necessidade de uma adequação da previsão do contrato de suprimento às características próprias da sociedade anónima no sentido de não qualificar indistintamente, como suprimentos os créditos com carácter de permanência de todos os acionistas (precisamente o oposto ao que acórdão recorrido faz) m) tem-se entendido que apenas são suprimentos aqueles que correspondem a empréstimos realizados por acionistas que são detentores de uma participação social mínima; n) a jurisprudência citada do supremo e alguns autores, maxime, Raúl Ventura (ob. cit), têm entendido que essa participação mínima é de 10%; o) só é sócio (acionista) para efeitos da aplicação do regime dos suprimentos – independentemente do carácter de permanência dos créditos – aquele que detenha determinadas qualidades especiais, redutíveis a uma única ideia: especial capacidade para influenciar os destinos da sociedade/obter informação (caso contrário, para os efeitos da aplicação dos art.º 243.º e seg. do CSC, tudo se passa como se fosse um não sócio); p) a recorrente participa apenas em 0,035% do capital social da recorrida; trata-se de uma percentagem ínfima/irrisória, totalmente irrelevante para influenciar os destinos da sociedade ou para ter um direito especial à informação; q) o limiar inferior de participação no capital social nas sociedades anónimas, para o exercício do direito à informação, é de 1%/“direito mínimo à informação” (art.º 288.º do CSC) e a generalidade dos autores coloca a fasquia em 10% (a participação da recorrente é 28 vezes inferior a esse limiar mínimo de 1% e 280 vezes inferior à fasquia colocada pela generalidade dos autores de 10%); r) o capital social da recorrida não se encontra muito disperso, o que podia maximizar a detenção de uma proporção ínfima do mesmo, pelo contrário 97,451% dele encontra-se na detenção da acionista dassa; s) incumbia à recorrida, alegar e provar, em sede de oposição à execução, factos demonstrativos de que, não obstante a recorrente ser apenas titular de 0,035% do capital social (facto que, inevitavelmente era do seu conhecimento), se deveria aplicar aos empréstimos concedidos o regime dos suprimentos, por exemplo, demonstrando...

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