Acórdão nº 117/18.5TNLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução30 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA, por si e em representação dos seus filhos menores, BB e CC, veio, em 4 de Outubro de 2018, propor contra DD e Liberty Seguros, S.A.

(actualmente, Liberty Seguros, Compañia de Seguros e Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal), acção declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhes a quantia de € 368.381,91, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros desde a citação.

Invoca, para tanto e em síntese, que EE, com quem a A. vivia em união de facto, sendo os menores que representa filhos de ambos, faleceu na sequência de sinistro ocorrido no dia … de Agosto de 2012, no ..., provocado por culpa exclusiva do 1.º R., condutor e proprietário da embarcação de recreio ..., cuja responsabilidade civil por danos causados a terceiros se encontrava transferida para a R. Seguradora.

Contestou a R. Liberty Seguros, invocando a prescrição do direito indemnizatório e impugnando a factualidade alegada. Mais defendeu a exclusão do sinistro da cobertura do contrato de seguro celebrado e invocou ser excessivo o valor indemnizatório peticionado.

Contestou ainda o R. DD invocando igualmente a prescrição do direito de indemnização e impugnando a factualidade alegada, sustentando que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima.

Os AA. responderam, pugnando pela improcedência das excepções invocadas pelos RR..

Já no decurso da audiência de julgamento, veio a R. seguradora requerer que, na sentença a proferir, e tendo em conta a prova produzida, seja decretada a nulidade do contrato de seguro celebrado entre os RR., dado o mesmo não poder garantir o pagamento de danos decorrentes do risco de uma actividade ilícita como a que estava a ser praticada aquando do sinistro.

Os AA. e o 1.º R. pronunciaram-se no sentido da improcedência daquela pretensão.

Concluída a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença, em 23 de Março de 2020, que considerou improcedente a arguida excepção de prescrição, e decidiu da seguinte forma: «Julga-se a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, decide-se: a) Absolver o Réu DD dos pedidos contra si formulados pelos Autores AA, BB e CC; b) Condenar a Ré Liberty Seguros, S.A. a pagar aos Autores AA, BB e CC, em conjunto, a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), acrescida de juros de mora (à taxa legal), contados desde a data da presente sentença até integral pagamento; c) Condenar a Ré Liberty Seguros, S.A. a pagar à Autora AA a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), acrescida de juros de mora (à taxa legal), contados desde a data da presente sentença até integral pagamento; d) Condenar a Ré Liberty Seguros, S.A. a pagar a cada um dos Autores BB e CC a quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora (à taxa legal), contados desde a data da presente sentença até integral pagamento; e e) Absolver a Ré Liberty Seguros, S.A. do demais contra si peticionado pelos Autores.

Custas a cargo dos Autores e da Ré Liberty Seguros, S.A., na proporção dos respectivos decaimentos (arts. 527.°, n.°s 1 e 2, do CPC).» Inconformados, quer os AA. quer a R. Liberty Seguros apresentaram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de ....

Os AA. apenas impugnaram de direito, invocando a responsabilidade solidária dos RR. DD e Liberty Seguros e a condenação do primeiro para além do valor do capital seguro; e, bem assim, questionando o valor da indemnização devida aos AA. por danos patrimoniais futuros pela perda de rendimentos/alimentos decorrentes do óbito de EE, que pretendem seja em quantia não inferior a € 150 000,00.

A R. Liberty Seguros, por seu lado, invocou a nulidade da sentença, impugnou a matéria de facto (em concreto o ponto 11. assente) e questionou a decisão de direito na parte relativa à alegada exclusão da cobertura e à alegada nulidade do seguro; questionou também o juízo sobre a culpa do segurado na produção do sinistro e a responsabilidade da R..

Em 15 de Dezembro de 2020 foi proferido acórdão no qual se decidiu: «- julgando parcialmente procedente a apelação dos AA., revogar a al. a) do segmento decisório e condenar o 1º R., DD, a pagar aos AA. o valor indemnizatório arbitrado que venha a exceder o capital seguro; - julgando parcialmente procedente a apelação da Ré Liberty, alterar a sentença recorrida e fixar os valores referidos nas als. b), c) e d) do segmento decisório, em € 37.500,00 (al. b)), € 37.500,00 (al. c)), e € 28.125,00 (al. d)), respetivamente».

  1. Inconformados com a decisão do Tribunal da Relação, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quer os AA., quer a R. Liberty Seguros e o R. DD.

    Os AA. apresentaram revista em cujas conclusões invocam que o acórdão recorrido: - Violou os arts. 483.º, n.

    os 1 e 2, 487.º, n.º 2, 563.º, 570.º, n.º 1, todos do Código Civil, e os arts. 39.º e 41.º do Regulamento da Náutica de Recreio (RNR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 124/2004, de 25 de Maio, ao decidir alterar a repartição de culpas em 50% para a vítima e 50% para o 1.º R. ao contrário do que fez a 1.ª instância, que fixou essa responsabilidade em 1/5 e 4/5 respectivamente. Alega que deve ser mantida esta repartição de culpas, conforme fundamentado em 1.ª instância, pois o R. DD era o proprietário e timoneiro da embarcação e estava contratualmente obrigado a zelar pela segurança dos mergulhadores a seu cuidado, pelo que deveria ter aguardado pela emersão da vítima, tarefa esta dificultada pelas condições climatéricas, profundidade do local e pela falta de sinais luminosos na embarcação; - Mais alegou que o art. 41.º do Regulamento da Náutica de Recreio (RNR) estabelece que os proprietários e os comandantes de embarcações de recreio estão obrigados a ressarcir todos os danos causados a terceiros pela embarcação de recreio (ER), podendo a sua obrigação de indemnização ser excluída apenas se o acidente se tiver ficado a dever a culpa exclusiva do lesado, o que manifestamente não sucedeu nos presentes autos, pelo que, independentemente do grau de culpa atribuído ao R. DD, o mesmo está sempre obrigado a ressarcir a totalidade dos danos causados e, por força da cobertura de responsabilidade efectivada pelo contrato de seguro válido e eficaz celebrado com a R. Liberty Seguros, deverá esta pagar a indemnização devida até ao montante do capital seguro de € 250.000,00. E, mesmo que assim não se entenda, sempre se deverá atender ao especial perigo causado pela utilização de embarcação de recreio a motor.

    A R. Liberty Seguros deduziu recurso de revista no qual, de acordo com as suas conclusões, invocou o seguinte: - O acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil, porque presume o que não era lícito presumir, pois que não existe qualquer facto provado que demonstre que o 1.º R. alguma vez tivesse dado (ou também tivesse dado) à ... o uso de actividade de recreio; - Uma vez que, no momento do sinistro, a embarcação estava a ser utilizada no exercício de uma actividade profissional, que é até ilegal, a exclusão da cobertura é válida e oponível pela R. seguradora, ora Recorrente, ao 1.º R., por se tratar de um seguro de embarcação de recreio; - O contrato de seguro é nulo por manifesta falta de interesse legítimo do 1.º R. em contratá-lo, atenta a ilicitude do fim a que destinava a embarcação segura, sendo esta nulidade oponível aos terceiros lesados, pelo que, ao assim não ter decidido, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 43.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril, e nos arts. 286.º e 291.º, este a contrario, do Código Civil; - O acórdão recorrido interpretou mal a cláusula contratual que exclui/limita a cobertura de seguro e, nessa medida, violou o disposto no art. 236.º, n.º 1, do CC, ao não ter condenando o 1.º R. também e solidariamente com a ora Recorrente, na totalidade do montante arbitrado, e não somente na parte que venha a exceder o capital seguro.

    Por sua vez, também o R. DD apresentou recurso de revista, no qual, de acordo com as respectivas conclusões, invocou que: - O acórdão recorrido errou ao aplicar o art. 570.º, n.º 1, do Código Civil, uma vez que a indemnização deveria ter sido excluída ou reduzida, por se tratar de um caso de culpa exclusiva do lesado ou, pelo menos, de maior contribuição deste, o que é demonstrado através dos factos provados 15, 17, 18, 47, 49, 52, 56, 94, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103 e 104, devendo a culpa ser repartida em 1/5 para o 1.º R. e 4/5 para o lesado; - A morte do lesado ocorreu porque este não usou o balão de reflutuação para, antes de emergir, sinalizar a sua presença e não pelo facto do R. DD não ter aguardado que todos os mergulhadores viessem à superfície; - O acórdão recorrido é um acórdão condicional, proibido e rejeitado pelo ordenamento jurídico, ao fixar a condenação do R. DD de modo dependente de decisões judiciais futuras, pelo que deve o mesmo R. ser absolvido do pedido porquanto a indemnização fixada no acórdão recorrido não supera o valor máximo coberto pelo seguro; - A absolvição do pedido em 1.ª instância não foi motivada por uma qualquer ilegitimidade do 1.º R., antes porque a indemnização atribuída aos AA. não ultrapassava o tecto máximo do valor segurado, o que, em consequência, afastava, por imposição legal, a responsabilidade do R. DD, uma vez que aquela se encontrava, por lei, transferida para a R. Liberty Seguros; e, ao condenar o R. DD, quando, em função do valor indemnizatório fixado pela decisão recorrida, a sua responsabilidade está transferida para a R. Liberty Seguros, o tribunal a quo violou os arts. 1.º, 6.º, 7.º e 18.º da Portaria n.º 689/2001, de 10 de Julho.

  2. Em resposta às alegações da R. Liberty Seguros, os AA. vieram invocar: - A inadmissibilidade do recurso por verificação de dupla conforme, uma vez que as duas questões que a R. invoca (cobertura do sinistro pela apólice e nulidade do contrato de seguro)...

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