Acórdão nº 00199/13.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução03 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.RELATÓRIO.

1.1.

A.

, residente em Casal (…), vem propor ação administrativa comum contra a UNIVERSIDADE DE COIMBRA, com sede nos Paços das Escolas, 3004-531 Coimbra, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 249.900,00, correspondendo € 30.000,00 a danos não patrimoniais e € 219.900,00 a danos patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, a alega, em síntese que foi admitido ao programa de doutoramento em Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI, ministrado pela Ré, tendo efetuado, em 2006, a sua matrícula, entregando a documentação necessária e pagando as taxas e propinas em vigor; Em julho de 2007 concluiu com aproveitamento o 1.º ano, tendo-se inscrito, em 2007/2008, no 2.º ano do programa, durante o qual preparou um projeto de tese de doutoramento, sob orientação científica do docente indicado pela Ré, o Professor Doutor J., e com o tema “O Estado Social e os direitos sociais; O referido projeto de tese foi aprovado pelo júri nomeado, tendo, por isso, concluído com aproveitamento o 2.º ano do ciclo de estudos, em julho de 2008; No início de 3.º ano, o Professor Doutor J. renunciou à orientação do aluno, sem o ter informado, deixando-o à sua sorte durante parte do 3.º ano do plano curricular, sendo que apenas em meados desse ano os serviços da Ré o informaram de que o novo orientador seria o Professor Doutor J.; O novo orientador, porém, nunca assumiu a orientação, nunca revelou qualquer interesse em orientar o aluno e em acompanhar o seu trabalho de investigação, nunca recebeu o aluno, não agendou reuniões de trabalho e nunca apresentou sugestões que pudessem enriquecer o trabalho de investigação, pelo que teve de concluir a redação da tese sozinho, sem qualquer orientação; O novo orientador não tinha competências técnicas para orientar uma tese no âmbito do direito à segurança social e não deveria ter aceite o encargo de o orientar, sendo que o incumprimento dos deveres de orientação foram causa direta das dificuldades acrescidas do aluno na conclusão, com sucesso, do ciclo de estudos, tendo determinado a sua não conclusão; O novo orientador violou de forma grosseira os seus deveres de orientação, pois que estava vinculado a informar anualmente o conselho científico sobre a evolução dos trabalhos desenvolvidos pelo aluno que orientava, mediante a apresentação de relatórios escritos, o que não fez, violando, com a sua conduta ilícita, o direito do aluno ao ensino com garantia de igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar e comprometendo, irremediavelmente, a possibilidade de o aluno concluir com sucesso o 3.º ciclo de estudos que frequentava; Os serviços da R. atuaram com manifesta falta de zelo na tramitação do processo de marcação das provas e no cumprimento dos prazos estipulados no Regulamento Académico da Universidade de Coimbra, porquanto a tese foi entregue em meados de setembro de 2010 e os serviços da Ré apenas realizaram as provas públicas de defesa da tese em 22/02/2013; Os serviços da Ré tinham, de acordo com o regulamento académico, 160 dias para realizar as provas públicas e demoraram 890 dias a realizá-las, pelo que violaram de forma grosseira os artigos 81.º, 82.º e 86.º do referido regulamento; O júri nomeado pelos serviços da Ré para as provas de doutoramento do Autor teve um comportamento irregular e violador da lei e do regulamento académico, uma vez que, na primeira reunião havida, em março de 2011, convidou o aluno a reformular a tese, sendo que tal convite não se encontrava fundamentado, nem era esclarecedor com o que se pretendia com a reformulação; Tendo sido marcadas as provas públicas para defesa da tese para 15/11/2011, e quando faltavam poucos dias para a sua realização, foi convocado para estar presente numa reunião, no dia 03/11/2011, na qual estiveram presentes dois elementos do júri, os quais apontaram algumas insuficiências à tese do aluno, fazendo uma avaliação intermédia à revelia do regulamento académico e do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24/03, surgindo uma troca de argumentos violenta e geradora de inimizades; A referida reunião foi ilegal e serviu como forma de pressão ilícita sobre o A. para que desistisse do doutoramento; Deu entrada nos serviços da R., em 11/11/2011, de um requerimento onde desistia da prova pública agendada para 15/11/2011 e onde pedia autorização para inscrição no ano letivo de 2011/2012, em virtude de a inscrição estar suspensa no decurso do processo de marcação de provas, requerimento que foi deferido, quanto ao processo de provas públicas, por despacho da diretora da Faculdade de Direito de 14/11/2011, mas que remeteu para data posterior a decisão sobre o pedido de inscrição no ano letivo de 2011/2012; A direção da Faculdade de Direito, por negligência ou má fé, não despachou no prazo legal o pedido do A. para se inscrever no ano letivo de 2011/2012, que já decorria, porquanto apenas em meados de junho de 2012 surgiu o despacho a conceder-lhe autorização para essa inscrição, ou seja, 7 meses após a apresentação do requerimento e a um mês do final do ano letivo; Procedeu à entrega da tese em julho de 2012 e requereu a marcação de provas públicas, tendo tido conhecimento de que era intenção da Faculdade de Direito a manutenção do júri que o tinha avaliado no processo de provas públicas que tinha decorrido em 2011, não estando asseguradas condições de imparcialidade; Por isso, apresentou requerimento a solicitar a constituição de novo júri, pois tratava-se de um novo processo e o júri nomeado em 2011 não tinha condições de isenção e imparcialidade, tendo levantado suspeição relativamente a três membros do júri, mas nunca foi notificado de qualquer decisão; O júri, no final da defesa pública, deliberou a recusa da tese e a reprovação do A., mas essa decisão já estava tomada muito antes da prova final; A R. não avaliou o aluno de forma fundamentada, com base nos requisitos elencados no art.º 28.º do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24/03; A R. faltou culposamente ao cumprimento das suas obrigações para com o aluno e tornou-se responsável pelos prejuízos que lhe causou, ao abrigo da responsabilidade contratual (art.º 798.º do Código Civil) e, caso assim não se entenda, ao abrigo da responsabilidade extracontratual (Lei n.º 67/2007, de 31/12), sendo que as ações e omissões da R. também preenchem todos os requisitos que estão subjacentes à responsabilidade pelo risco; Empatou a sua vida durante cerca de 7 anos e pagou € 6.000,00 de propinas, sendo que, para desenvolver o projeto de investigação aprovado pelos serviços da R. e na expectativa de obter um grau académico, dedicou-se em exclusividade à frequência do doutoramento, deixando de auferir cerca de € 3.000,00 por mês; Em virtude da atuação ilícita dos órgãos e agentes da R., o A., após 7 anos de frequência, saiu sem grau académico, sem perspetivas de trabalho e com o seu nome e dignidade profissional manchados para o resto da vida, o que se traduz em danos patrimoniais e não patrimoniais; Afigura-se justo e equitativo que seja fixada, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 122,00 por dia, tanto pelo número de dias de incumprimento de prazos, como pelos danos futuros traduzidos em ganhos que o A. não auferirá; No que se refere aos danos não patrimoniais, devem os mesmos ser fixados, de forma equitativa, em € 30.000,00.

1.2. Citada, a R. apresentou contestação, defendendo, em suma, que não praticou qualquer facto ilícito com relevância indemnizatória, tendo sempre atuado em respeito do previsto no Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24/03, e no regulamento académico, cumprindo os prazos dentro dos condicionalismos que lhe foram sendo colocados por todos os intervenientes.

Mais refere que tanto o primeiro como o segundo orientador do A. cumpriram as suas funções, alertando-o para as deficiências dogmáticas e falta de maturação das ideias e juízo crítico dialético, pelo que, se aquele não obteve o grau de doutor, tal é única e exclusivamente imputável ao facto de não ter conseguido realizar uma tese que evidenciasse as competências exigidas para a obtenção desse grau.

Observa que o A. não só não demonstra em que medida, se tivesse defendido a tese mais cedo, o resultado teria sido outro, como também resulta da factualidade verificada que o resultado, nessa situação, teria sido igualmente a reprovação da sua tese, não havendo qualquer nexo de causalidade entre os alegados danos invocados e a atuação da R. e dos seus serviços e agentes.

Conclui pela improcedência da ação.

1.3. Proferiu-se despacho a dispensar a realização da audiência prévia, nos termos do n.º 1 do art.º 593.º do CPC, fixou-se o valor da ação em € 249.900,00 (duzentos e quarenta e nove mil e novecentos euros) e considerando que o estado do processo reunia já todos os elementos probatórios relevantes e essenciais à apreciação total do pedido, decidiu-se conhecer imediatamente do mérito da causa no despacho saneador, dispensando-se, por desnecessária, a produção da prova testemunhal requerida pelas partes, ao abrigo do disposto no art.º 595.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

1.4. No despacho saneador-sentença julgou-se a ação improcedente, sendo o seu dispositivo do seguinte teor: «Em face do exposto, julga-se a presente ação administrativa comum improcedente e, em consequência, absolve-se a R. dos pedidos.

Custas pelo A., sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Registe e notifique».

1.5. Inconformado com a sentença que julgou a ação improcedente, o Autor interpôs a presente apelação, cujas alegações termina com a formulação das seguintes CONCLUSÕES: «1ª A sentença recorrida fez uma interpretação errada das normas de direito positivo aplicáveis aos factos considerados provados, fez uma interpretação errada das normas jurídicas a que recorreu, ignorou outras normas e princípios constitucionais e parece-nos que não...

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