Acórdão nº 925/21 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução10 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 925/2021

Processo n.º 1005/20

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Instância Local Secção de Competência Genérica de Mirandela, A., inconformada com a decisão de não admissão de reclamação apresentada da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, por falta de depósito da totalidade do respetivo valor, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC).

2. Recebido o recurso, foi proferida a decisão sumária n.º 320/2021, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, de não conhecimento do respetivo objeto, com a seguinte fundamentação (cf. fls. 27-33):

«[…] 3. No requerimento de interposição de recurso apresentado nos autos, a enunciação, em concreto, da questão de constitucionalidade é feita nos seguintes moldes : “a aplicação aos presentes autos do n.º 2 do artigo 26-A do RCP, que estabelece que a recorrente para reclamar da nota apresenta tem de proceder ao depósito do valor da nota de custas de parte, é inconstitucional uma vez que, face à insuficiência económica comprovada nos autos, esse requisito representa um obstáculo ao acesso ao direito, consagrado no artigo 20º da CRP, e viola o princípio da proporcionalidade e da igualdade (13º CRP).

A recorrente suscitou a mesma questão de constitucionalidade na reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte perante o tribunal a quo, nos seguintes termos:

“ (...) I) Questão Prévia - Inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 26-A do RCP

A demandante beneficia de apoio jurídico na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos.

Assim sendo é evidente que a aplicação aos presentes autos do n.º 2 do artigo 26-A do RCP, que estabelece que a demandante para reclamar tem de proceder ao depósito do valor da nota de custas de parte, é inconstitucional vez que, face à insuficiência económica comprovada nos autos, esse requisito representa um obstáculo ao acesso ao direito, consagrado no artigo 20º da CRP.

A reclamante não dispõe de meios económicos para efetuar o depósito no prazo legal, e muito menos de uma só vez, do montante de € 1.491,75, que equivale a quase 3 salários mínimos nacionais.

Acresce ainda e conforme resulta da sentença a B., S.A foi condenada a pagar à reclamante e demais demandantes o valor de € 5000, pelo que a finalidade dessa norma está devidamente salvaguardada, nos presentes autos (...)”.

Relativamente à questão de constitucionalidade, o tribunal a quo teve o seguinte entendimento:

“(...) Nos termos do artigo 26.o-A, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota”.

Constata-se que os Reclamantes não procederam ao depósito do valor da nota discriminativa de custas de parte apresentada pelas restantes partes.

Assim, entende-se que a reclamação não poderá ser apreciada, por não se mostrarem reunidas as condições de que depende a sua apreciação.

Não se descura que a Reclamante A. invocou a inconstitucionalidade da referida norma, porquanto alega litigar com apoio judiciário e não ter meios económicos para efetuar tal pagamento.

Ora, é certo que o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio de acesso ao direito, a todos é assegurando o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

Todavia, é pacifico que não há uma imperatividade constitucional de se assegurar a gratuitidade da justiça e ao direito subjetivo de acesso aos tribunais corresponde um dever correlativo do Estado de garantir condições para assegurar a efetividade da tutela jurisdicional.

Daqui decorre que a liberdade do legislador, na disciplina do regime das custas, goza de uma relativa margem, sendo limitada, porém pela demonstração de que os custos por ele fixados para a utilização da máquina judiciária não sejam de tal modo onerosos ou excessivos que funcionem como um travão ou inibição, por parte do cidadão comum, no acesso ao tribunal. Só quando tal demonstração for feita é que se pode afirmar que o regime fixado pelo legislador é desproporcional e quebra o “equilíbrio interno ao sistema” que é reclamado pelo citado princípio constitucional de tutela jurisdicional efetiva.

O que é determinante é saber se, em concreto, o montante que o reclamante tinha que depositar, a título de custas de parte, se pode considerar excessivamente oneroso, ou arbitrário e absolutamente injustificado, por forma a que se possa concluir que nesses termos haveria uma denegação do acesso à justiça, nomeadamente por insuficiência de meios económicos.

Ora, perante os elementos de facto, não cremos que tal juízo se possa formular.

Na verdade, considerando o valor em concreto a liquidar constante da nota, €1.491,75, que não pode ser qualificado de arbitrário não cremos que se possa afirmar estar violado o direito constitucional de acesso aos tribunais para defesa do direito de reclamar da nota de custas de parte.

Também o recente Acórdão do Tribunal Constitucional de 10-07-2020 se pronunciou no sentido de não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, aditada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, nos termos da qual a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.(...)”

Da leitura das peças processuais relevantes, resulta, no entanto, que a recorrente não cumpriu o ónus de suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade de cariz normativo, uma vez que se limitou a indicar que a aplicação do artigo 26.º-A, nº 2 do RCP é inconstitucional por violação dos artigos 20.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Importa referir que o Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC i) a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; ii) o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); iii) a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; iv) a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Assim, a falta de qualquer um destes requisitos impede a admissibilidade do recurso.

Acresce que, a recorrente interpôs o presente recurso também ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, g) da LTC, que se refere a recursos de decisões “que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional”, mas não indicou a decisão do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional ou ilegal a norma aplicada pela decisão recorrida.

No caso em apreço, os requisitos formais do requerimento de interposição de recurso previstos nos nºs 1 e 3 do artigo 75.º-A da LTC não foram cumpridos.

Sendo estes requisitos de natureza formal, via de regra, supríveis, através do convite ao aperfeiçoamento previsto no n.º 6 da mencionada norma legal, neste caso concreto, porém, não será de endereçar tal convite, por se constatar também, como antes se assinalou, a ausência de outros pressupostos essenciais ao conhecimento do mérito do recurso – pressupostos esses insupríveis e cuja falta acarreta, irremediavelmente, a impossibilidade de conhecer o objeto do recurso de constitucionalidade. O convite ao aperfeiçoamento seria, por isso, neste caso, inútil e, como tal, é vedado por lei.

Vejamos.

4. Nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, impunha-se que a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada nesta instância tivesse sido apresentada de uma forma expressa, direta e clara, criando para esse tribunal um dever de pronúncia sobre tal matéria. A recorrente deveria ter identificado o critério normativo cuja sindicância pretendia, reportando-o à conjugação de preceitos legais de que o mesmo seria extraível.

Com efeito, incumbe à parte o ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo, confrontando a instância recorrida com o problema, para que tenha um dever de o decidir. A suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade normativa não representa um pressuposto meramente formal. Trata-se, na verdade, de um elemento essencial.

Ora, a recorrente não enunciou, nem no requerimento de interposição do recurso, nem no requerimento de reclamação apresentado no tribunal a quo, uma questão de constitucionalidade reportada a uma norma ou dimensão normativa como objeto do pedido de fiscalização.

O objeto do recurso em apreço foi delimitado com base numa apreciação pessoal e dirigida ao caso concreto - o artigo 26.º-A, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) -, sendo entendimento da recorrente que “uma vez que, face à insuficiência económica comprovada nos autos, esse requisito representa um obstáculo ao acesso ao direito, consagrado no artigo 20º da CRP, e viola o princípio da proporcionalidade e da igualdade (13º CRP)”, acrescentando que “A inconstitucionalidade com base nestes princípios resulta da interpretação dada à norma no despacho recorrido.

Constata-se, assim, que a recorrente não identifica qualquer questão de...

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