Acórdão nº 914/21 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução09 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 914/2021

Processo n.º 907/2021

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., Lda. (a ora recorrente) foi declarada insolvente por sentença de 12/09/2020, do Juízo de Comércio de Santo Tirso.

1.1. Após a prolação da sentença, a sociedade requerida arguiu a falta e a nulidade da citação e a nulidade de todo o processo posterior à citação, pretensões que viu indeferidas por despacho de 27/01/2021.

1.1.1. Desta última decisão apelou a requerida para o Tribunal da Relação do Porto, invocando, inter alia, a inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 246.º, n.º 4, 229.º, n.º 5, e 230.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), interpretados no sentido segundo o qual se considera devidamente citada a pessoa coletiva que encerrou as suas instalações e as entregou ao senhorio, sem que efetivasse o registo da alteração da sede, e para a qual foram remetidas as cartas registadas.

1.1.2. Por acórdão de 08/06/2021, o Tribunal da Relação do Porto julgou a apelação improcedente.

1.2. A requerida interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo em vista um juízo de inconstitucionalidade da norma indicada em 1.1.1., supra.

1.2.1. O recurso foi admitido no Tribunal da Relação do Porto, com efeito devolutivo.

1.2.2. No Tribunal Constitucional, foi proferida pelo relator a Decisão Sumária n.º 616/2021, no sentido de não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 246.º, n.º 4, 229.º, n.º 5, e 230.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, interpretados no sentido segundo o qual se considera válida a citação de pessoa coletiva por carta registada remetida para a sede que consta do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, ainda que a mesma corresponda a instalações encerradas, sem que a destinatária da citação tenha comunicado ao referido ficheiro central a alteração da sua sede. Assentou esta decisão nos fundamentos seguintes:

“[…]

2. Está em causa, nos presentes autos, uma questão de inconstitucionalidade que a recorrente refere aos artigos 246.º, n.º 4, 229.º, n.º 5, e 230.º, n.º 2, do CPC, na interpretação segundo a qual “[…] se considera devidamente citada a pessoa coletiva que encerrou as suas instalações e as entregou ao senhorio, sem que efetivasse o registo da alteração da sede, e para a qual foram remetidas as cartas registadas”.

Considerando os fundamentos da decisão recorrida, mostra-se irrelevante o segmento atinente à entrega do local arrendado ao senhorio.

Procedendo a um ajustamento meramente formal do enunciado da recorrente, respeitando o sentido substancial da questão de inconstitucionalidade, temos, pois, como objeto do recurso, a norma contida nos artigos 246.º, n.º 4, 229.º, n.º 5, e 230.º, n.º 2, do CPC, interpretados no sentido segundo o qual se considera válida a citação de pessoa coletiva por carta registada remetida para a sede que consta do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, ainda que a mesma corresponda a instalações encerradas, sem que a destinatária da citação tenha comunicado ao referido ficheiro central a alteração da sua sede.

2.1. A questão que molda o presente recurso não é inédita na jurisprudência constitucional. Na verdade, como justamente se assinalou no despacho de 27/01/2021 e na decisão recorrida, no Acórdão n.º 476/2020, decidiu-se – apreciando norma substancialmente equivalente à que está em causa nestes autos – “[n]ão julgar inconstitucional a norma extraída dos n.ºs 2 e 4 do artigo 246.º e do n.º 5 do artigo 229.º, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado no sentido de que é válida a citação efetuada por depósito do respetivo expediente na morada da sociedade comercial citanda, constante do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, apesar de a carta de citação prévia, expedida para a mesma morada, ter sido devolvida com a indicação «Mudou-se»”.

Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:

“[…]

10. A questão suscitada no âmbito do presente recurso consiste em saber se a Constituição veda ao legislador ordinário a possibilidade de, ao conformar o regime de citação das sociedades comerciais, admitir que a mesma se efetive através do mero depósito do expediente na caixa postal da morada correspondente à sede da citanda, constante do ficheiro central de pessoas coletivas do respetivo Registo Nacional, caso a carta registada previamente expedida tenha sido devolvida com a menção “Mudou-se”.

A resposta a tal questão não dispensa uma análise, ainda que breve, do atual regime de citação das pessoas coletivas inscritas no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.

No seu n.º 1, o artigo 219.º do CPC (salvo indicação em contrário, todos os artigos doravante mencionados referem-se ao CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), define a citação como «o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender», empregando-se ainda «para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa».

À citação encontram-se ainda associados outros importantes efeitos, como seja a cessação da boa fé do possuidor, a estabilização dos elementos essenciais da causa e a inibição do réu propor contra o autor ação destinada à apreciação da mesma questão jurídica (alíneas a) a c) do artigo 564.º), bem como a interrupção da prescrição e a constituição do devedor em mora, nos termos previstos, respetivamente, nos artigos 323.º e 805.º, do Código Civil.

Tendo por principal função integrar o demandado na relação processual, a citação constitui, nas palavras de José Lebre de Freitas, «um ato fundamental de comunicação entre o tribunal e o réu, misto de declaração de ciência e de ato jurídico constitutivo, com a tripla função de transmissão de conhecimento, de convite à defesa e de constituição do réu como parte». Na medida em que «[s]em ela não é assegurado o direito de defesa, consagrado como fundamental, ao lado do direito de ação, no art. 20 da Constituição da República», a «lei ordinária cuida, com minúcia, de a regular de modo que possibilite ao réu o conhecimento efetivo do processo instaurado» (cf. Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 139).

Uma vez que o ato de citação constitui o principal instrumento de realização do princípio da proibição da indefesa, percebe-se que o mesmo se encontre obrigatoriamente sujeito a um conjunto de formalidades e requisitos procedimentais próprios, necessariamente dotados de garantias de segurança e fiabilidade .

A observância de tais formalidades, essenciais ou não, é assegurada pelo tribunal, ao qual incumbe ordenar a repetição do ato sempre que detete nele quaisquer irregularidades (artigo 566.º), em todos os casos em que o demandado não intervenha por qualquer forma no processo.

A preterição das formalidades prescritas na lei determina a nulidade do ato de citação (artigo 191.º, n.º 1), assim como a anulação de todos os atos subsequentes que dele dependam absolutamente (artigo 195.º, n.º 2).

11. No que diz respeito à citação das pessoas coletivas, o conjunto das formalidades previstas na lei processual civil conheceu significativas variações desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, que procedeu à revisão do anterior CPC.

De acordo com o regime constante deste Código, na versão resultante do referido Decreto-Lei, a citação de pessoa coletiva ou de sociedade era realizada através do envio de carta registada com aviso de receção para a respetiva sede ou para o local em que funcionasse normalmente a sua administração, devendo conter todos os elementos a transmitir obrigatoriamente ao citando (artigo 235.º), incluindo ainda, depois das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de agosto, a advertência, dirigida ao terceiro que a viesse a recebê-la, de que a não entrega do expediente ao citando o faria incorrer em responsabilidade em termos equiparados aos da litigância de má fé (artigo 236.º, n.º 1). Frustrando-se a possibilidade de efetuar a citação postal em um desses locais, por aí se não encontrar o legal representante da pessoa coletiva ou sociedade ou qualquer empregado ao seu serviço (artigo 231.º, n.ºs 1 e 3), o ato era praticado através do envio de carta registada com aviso de receção remetida para a residência ou local de trabalho do representante da citanda (artigo 237.º). Na impossibilidade de realizar a citação postal da pessoa coletiva nos termos referidos, tinha lugar a citação edital, prevista nos artigos 244.º e 248.º do referido Código para os casos de ausência do citando em parte incerta.

Relativamente ao regime resultante do Decreto-Lei n.º 329-A/95, a entrada em vigor do novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, trouxe várias novidades.

A primeira novidade - que constitui, na verdade, a génese de todas as outras consistiu na previsão de um regime de citação diferenciado para as pessoas coletivas inscritas no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.

Quanto a estas, o novo CPC associou-se à tendência para a atribuição de relevância processual ao chamado domicílio ou endereço oficial seguida já em ordenamentos jurídicos congéneres (vide infra ponto 14.) e, retomando o modelo de citação postal da pessoa coletiva na respetiva sede, fê-la coincidir com a sede constante do ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, eliminando simultaneamente a alternativa constituída pela citação postal na sede de facto (a...

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