Acórdão nº 913/21 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Dezembro de 2021
Magistrado Responsável | Cons. Teles Pereira |
Data da Resolução | 09 de Dezembro de 2021 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 913/2021
Processo n.º 901/2021
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José António Teles Pereira
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. (o ora recorrente) veio interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), do acórdão proferido naquele tribunal em 13/08/2021, que não concedeu a recusa de juiz requerida pelo ora recorrente, «por manifestamente infundada». O recurso de constitucionalidade foi admitido por despacho do tribunal a quo de 01/09/2021.
1.2. No requerimento de interposição do recurso, o recorrente delimita o objeto respetivo do seguinte modo:
“[…]
INCONSTITUCIONALIDADE SURPRESA – na decisão inesperada de 13.08.2021
O artigo 45.°, n.°s 4 e 5 do Código Processo Penal, na interpretação segundo a qual o Tribunal Superior não analisa o conteúdo das decisões judiciais/atos praticados pelo Juiz Visado no incidente de recusa apresentado pelo arguido e identificados pelo requerente, quando esse incidente de recusa é motivado e alicerçado na (eventual e) flagrante injustiça e abuso de direito (atuação contra lei) que se encontra vertida nesses atos processuais/despachos judiciais é inconstitucional por violação dos princípios da legalidade criminal, acesso a uma tutela jurisdicional efetiva e todas as garantias de defesa em processo-crime, ínsitos nos artigos 1.°, 2.°, 3,°, 18.°, 20.°, 29.° e 32.° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
[…]
O arguido não indica a peça processual onde suscitou a inconstitucionalidade surpresa uma vez que, resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional que, estando-se perante uma decisão surpresa, demonstrando o arguido tal surpresa, está dispensado de cumprir o ónus de suscitação prévia e de indicar a peça processual.
Assim, prevendo a lei do Código Processo Penal que os atos judiciais do Sr. Juiz visado sejam passíveis de anulação nos termos do preceituado no art.º 43.° n.° 5 do C.P.P., era totalmente imprevisível e inesperado que o Supremo Tribunal de Justiça viesse agora interpretar, nos termos do art.º 45.° n.°s 4 e 5 do C.P.P. que no âmbito da decisão de um incidente de recusa o Tribunal Superior, nessa sua decisão de 13.08.2021, “não discute a bondade das decisões judiciais, ou analisar se as mesmas são corretas”.
Cremos demonstrado, de forma real e efetiva, o caráter surpresa da interpretação normativa efetuada pelo Supremo Tribunal de Justiça, pois, como se viu no citado acórdão do Tribunal da Relação (entre tantos outros), o Tribunal nunca pode deixar de fazer a ligação entre os factos suscitados, a lei e as decisões que já existissem nos autos.
[…]”.
1.3. No Tribunal Constitucional, foi proferida a Decisão Sumária n.º 622/2021, no sentido do não conhecimento do objeto do recurso. Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:
“[…]
3. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo da apreciação, o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), a aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida, a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Será à luz destes pressupostos que apreciaremos a admissibilidade do presente recurso.
4. O recorrente erige como objeto do recurso «o artigo 45.°, n.ºs 4 e 5 do Código Processo Penal, na interpretação segundo a qual o Tribunal Superior não analisa o conteúdo das decisões judiciais/atos praticados pelo Juiz Visado no incidente de recusa apresentado pelo arguido e identificados pelo requerente, quando esse incidente de recusa é motivado e alicerçado na (eventual e) flagrante injustiça e abuso de direito (atuação contra lei) que se encontra vertida nesses atos processuais/despachos judiciais».
Ora, desta formulação do objeto do recurso resulta manifesto que o recorrente não apresenta uma questão de constitucionalidade de natureza normativa. Com efeito, e independentemente de se considerar verificada qualquer exceção ao ónus de suscitação prévia e adequada consagrado no artigo 72.º, n.º 2, da LTC – o que notoriamente não ocorre no caso dos autos, ao contrário do que pretende o recorrente – decorre com clareza que o que subjaz ao impulso processual ora deduzido é a sindicância da decisão jurisdicional concreta, na vertente de subsunção jurídica, pretendendo que este Tribunal funcione como uma nova instância de recurso ordinário e que reexamine o juízo efetuado na decisão aqui recorrida, indagando a correção da aplicação do Direito infraconstitucional ao caso dos autos, que redundou, a final, na não concessão da recusa requerida. Dito de outro modo, o recurso deduzido pelo recorrente visa diretamente a decisão recorrida, procurando obter deste Tribunal pronúncia no sentido de que «o Tribunal nunca pode deixar de fazer a ligação entre os factos suscitados, a lei e as decisões que já existissem nos autos». No fundo, pretende que este Tribunal determine a interpretação que o tribunal a quo deveria ter feito das disposições em causa, na situação em análise.
Todavia, esta matéria, por respeitar ao mérito da decisão recorrida, integra-se numa dimensão que se encontra, legal e constitucionalmente, subtraída à esfera de competências do Tribunal Constitucional.
A este respeito, retomam-se as palavras da Decisão Sumária n.º 751/2019, confirmada pelo Acórdão n.º 64/2020, desta 1.ª Secção:
«[O] Tribunal Constitucional, no âmbito dos seus poderes cognitivos de fiscalização concreta, apenas se encontra habilitado a julgar questões de constitucionalidade relativas a normas ou interpretações normativas estando-lhe vedada a apreciação de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional, pelo que a admissibilidade do recurso de constitucionalidade depende da enunciação de uma verdadeira questão normativa».
Deste modo, sob pena de inidoneidade, impende sobre o recorrente o...
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