Acórdão nº 00655/15.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução19 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO B., devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, em 03.11.2020, julgou verificada a exceção de caducidade do direito de propor a presente ação [intempestividade da prática de ato processual], e, consequentemente, absolveu o R. da instância.

Em alegações, o Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) 1- O procedimento administrativo teve inicio em 08/07/2011, quando o Recorrente foi notificado para exercer o direito de audiência de interessados relativamente à proposta de decisão de 19/08/2010, de anulação das declarações de remunerações, com a consequente anulação total dos registos de remunerações que constam do sistema de segurança social.

2- Em de 21/12/2011, o Recorrido notificou o Recorrente do despacho de 30/11/2011 do Exmo. Sr. Diretor Adjunto do Centro Distrital do Porto do ISS, IP e em 05/03/2012, o Recorrente remeteu ao ISS, IP, Recurso Hierárquico.

3- Por oficio de 15/03/2012, o ISS, IP. notificou o Mandatário do Recorrente de que o Recurso hierárquico por aquele apresentado havia sido remetido ao Presidente do Conselho Diretivo - superior hierárquico - “vide gratiae" fls. 62 dos autos. 4- A presente ação foi apresentada nos serviços do Réu em 02 de maio de 2012 e por esta remetida a este Tribunal em 17/02/2015, ou seja, passados quase três (3) anos!!! 5- Quando a ação foi remetida ao Tribunal pelo I.S.S., I.P., o Recorrente foi então alertado pelo Senhor Escrivão da respectiva Secção, que teria de retificar a espécie processual para Ação Administrativa Especial prevista no art. 46° do C.P.T.A. na altura em vigor - que correspondia ao anterior recurso contencioso -.

6- Em 06/03/2015, foi o Recorrente notificado, nos termos do previsto no art. 68° do CPA - ao tempo em vigor - DL n.° 442/91, de 15 de novembro - da decisão que negou provimento ao Recurso Hierárquico, conforme dos autos igualmente tudo melhor se alcança - o qual foi junto aos autos em 19/03/2015 -.

7- Este mesmo procedimento foi adotado na reclamação da nota de reposição em 20.05.2011, a qual acabou por ser indeferida e o mesmo apresentou junto do ISS, IP Recurso contencioso - depois, convolado em Ação Administrativa especial - que sob o n.° 636/15.5BEPRT foi distribuída à Unidade Orgânica 1 do TAF do Porto.

8- Ou seja, o A/Recorrente, tendo sido notificado seja de um, seja de outro, dos atos administrativos que decidiram sobre a questão respeitante à anulação das declarações de remunerações e registos de remunerações do A. que constam no seu sistema deduziu, cautelarmente, duas Ações Administrativas que têm por objeto os dois atos administrativos proferidos a respeito da assinalada questão.

9- No âmbito do processo. ° 636/15.5BEPRT adotou o mesmo procedimento, tendo já, inclusivamente, sido proferida douta Sentença, com a qual o A. não se conformou tendo interposto recurso para este Venerando Tribunal - onde ainda se encontra pendente - .

10- Porque, efectivamente, os recursos contenciosos de impugnação de atos administrativos eram interpostos mediante petição dirigida ao tribunal competente e apresentada perante a autoridade que os tinha praticado, o Recorrente remeteu o recurso (ação) ao ISS, I.P.

11- O legislador, nas recentes reformas dos diferentes códigos processuais, tem vindo a privilegiar a prevalência do fundo sobre a forma e, por isso, a admitir uma cada vez maior intervenção dos órgãos judiciais no sentido da correção das irregularidades processuais em que as partes tenham incorrido de modo a que a questão de mérito não deixe de ser conhecida em virtude desses erros ou vícios de processamento.

12- Impõe-se, todavia, salvo o devido respeito, face às circunstâncias concretas do caso sub judice, uma ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso - e não na aplicação de critérios normativos - que justificam, limitar ou suavizar os efeitos da decisão, envolvendo uma aplicação integral da lei positiva: o sistema jurídico confere à equidade um papel flexibilizador do rigor do Direito positivo, habilitando a derrogação aplicativa das suas soluções normativas, substituindo-as por decisões mais conformes à justiça do caso concreto.

13- A remessa da petição e, ou, recurso à entidade demandada tem sido a prática corrente há já vários anos - sem prejuízo das recentes decisões dos Tribunais Superiores que declararam que a entrega nos serviços administrativos da entidade demandada não é uma das formas de remessa previstas na lei - e vinha-se justificando, entre outros motivos, pelo principio da igualdade entre sujeitos processuais.

14- Tal é o que sucede, a titulo de exemplo, no âmbito do C.P.P.T. ou da Lei do Apoio Judiciário, entre outros, e foi o que sucedeu no assinalado processo que sob o n.° 636/15.5BEPRT corre termos pela Unidade Orgânica 1 do TAF do Porto.

15- Na data em o Recorrente enviou o Recurso Contencioso - Ação Administrativa - ao ISS, IP encontrava-se em vigor o Código do Procedimento Administrativo - DL n.° 442/91, de 15 de novembro - que no seu art. 34° estipulava o que quando o particular, por erro desculpável e dentro do prazo fixado, dirigir 29 requerimento, petição, reclamação ou recurso a órgão incompetente, ser-lhe-á oficiosamente remetido, de tal se notificando o particular.

16- Esta obrigação de proceder consubstancia-se, em primeiro lugar, no facto de, perante uma petição que lhe seja dirigida, qualquer órgão estar constituído na obrigação de se "certificar" sobre a sua competência, como se estabeleceu no art. 33° do CPA.

17- E, mesmo que constate ser incompetente, não cessa necessariamente aí a sua obrigação de proceder, pois neste segundo caso, notifica-se o interessado, dando-lhe conhecimento de se ter concluído pela incompetência e do teor resumido das razões dessa decisão - devolvendo-se-lhe os documentos que acompanharam o requerimento.

18- O juízo administrativo sobre a desculpabilidade do erro do requerente — para o qual a lei não estabelece quaisquer parâmetros - deve pautar-se por um princípio de favor do administrado, que contrabalance a teia cada vez mais complexa e desdobrada de serviços da Administração Pública.

19- Devem considerar-se como desculpáveis, pelo menos, todos os erros de direito que não sejam notórios e grosseiros, bem como todos aqueles erros de facto que não resultem da despreocupação ou ligeireza com que o interessado encarou a questão da competência para o procedimento - “vide gratiae" Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2.° Edição, pág. 208 - 20- Pelo exposto, sempre teria o ISS, IP de, pelo menos, e como “pessoa de bem”, devolver o recurso/acção ao Recorrente, no prazo de 48 horas, de modo a que o mesmo o pudesse remeter ao Tribunal competente.

21- Não consubstancia, salvo o devido respeito, gravidade indesculpável que o Recorrente possa ter pensado que, tal como nos outros e citados processos, que deveria e poderia enviar o Recurso Contencioso para a entidade demandada.

22- É notória a preocupação do legislador em assegurar que as pretensões dos interessados não faleçam por irregularidades que possam ser corrigidas, privilegiando o fundo em detrimento da forma, defendendo, designadamente, que deve prevalecer a interpretação que melhor garanta a tutela efetiva do direito e a concretização da justiça material, devendo repudiar-se as interpretações meramente formais que obstaculizem o exercício do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

23- É neste contexto que se justifica plenamente o apelo ao disposto no artigo 34° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), não obstante o mesmo estar inserido num diploma que regula a atividade administrativa.

24- Analisando o caso “sub judice” verifica-se que a atuação do Recorrente não resulta de negligência grosseira e, como tal, indesculpável, em remeter, dentro do prazo legal, a sua petição de impugnação judicial ao ISS.IP.

25- Na verdade, no caso sub judice, há que concluir, adotando uma interpretação da lei mais favorável ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, que o erro cometido pelo Recorrente deve ser considerado desculpável - “vide gratiae” Acórdão deste Venerando Tribunal Administrativo do Norte, no proc. n.° 00304/04.3BECBR de 09-02-2012, in www.dgsi.pt - 26-No sentido de se privilegiar as interpretações mais favoráveis ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagradas, transcrevemos supra, com a devida vénia, parte do voto do Senhor Juiz Conselheiro Costa Reis lavrado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/12/06, proc. n.° 0473/06, in www.dgsi.pt e o qual, aqui, por brevidade e economia processual se deve ter por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

Por outro lado 27 - Apesar de tal articulado - na altura enviado e apelidado como “recurso contencioso” - ter sido rececionado no ISS, IP/Porto, o mesmo nunca foi devolvido ao mandatário do ora recorrente.

28- Não foi sequer submetido a despacho de admissão ou rejeição, nestes quase três anos...não tendo aqueles serviços prestado qualquer informação nem ao ora recorrente, nem ao seu mandatário, nem, repete-se, tendo devolvido o expediente ao apresentante - pelo contrário, remeteram tal “expediente” ao Tribunal passados quase 3 anos!!! - .

29 - O prazo para o recorrente apresentar o recurso terminava a 5 de julho de 2012, pelo, se o Conselho Diretivo do ISS, IP, tivesse procedido à imediata devolução do expediente de recurso ao mandatário do aqui recorrente, o recurso/acção administrativa especial imediatamente teria dado entrada no Tribunal competente.

30- Em alternativa, o recurso foi retido por cerca de 3 anos, sem qualquer aviso ou...

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