Acórdão nº 00108/21.9BECBR-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução19 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1 .

O MINISTÉRIO PÚBLICO, agindo em nome próprio, como defensor da legalidade democrática - art.º 219.º, n.º1 da CRP e arts. 2.º e 4.º, n.º1, als. a) e j) do EMP – e como representante judiciário do Estado Português - art.º 219.º, n.º1 da CRP e arts. 2.º e 4.º, n.º1, al. b) do EMP –, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 30 de Junho de 2021, que, no âmbito da acção administrativa instaurada por E.

contra o Estado Português, indeferiu o requerimento do Ministério Público no âmbito do qual foi arguida a inconstitucionalidade material das normas constantes do segmento final do n.º 1 do art.º 11.º e do n.º 4 do art.º 25.º do CPTA, na redacção da Lei n.º 118/2019, de 17/09 e arguida a nulidade por falta de citação do réu Estado e foi requerida: a) A recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei nº 118/2019, de 17.09, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do nº 2 desta mesma disposição; e, b) A declaração de nulidade da falta de citação do réu Estado - arts. 188.º, n.º 1, al. a) e 187.º, al. a) do CPC, subsidiariamente aplicáveis -, com a consequente anulação de todo o processado posterior à Petição Inicial e que seja determinada a citação do Estado no Ministério Público.

* Nas suas alegações, o M.º P.º/recorrente formulou as seguintes conclusões: "1ª Vem a Autora, nos presentes autos intentar contra o Réu/ Estado Português uma ação de responsabilidade extracontratual no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos cometidos no exercício da sua função por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (art. 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas – RRCEE).

  1. Por via disso a Autora pede a condenação do Réu Estado Português numa indemnização a título dessa responsabilidade no âmbito no processo intentado no Centro de Arbitragem Administrativa, (CAAD) em 21.04.2011, sendo que, em 21 de março de 2021, ainda não se encontra decidida a questão, a qual foi declarada procedente, tendo, todavia, o Ministério da Justiça recorrido para o Tribunal Central Administrativo do Sul, e a Autora interposto também recurso subordinado, o qual ainda se encontra pendente sob o número de Processo 9789/13.6BCLSB.

  2. Foi remetido o ofício de citação, nos termos e para os efeitos dos art.os 81.º e 82.º do CPTA, para o Centro de Competências Jurídicas do Estado.

    Entretanto foi igualmente entregue cópia da petição inicial ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do art.º 85.º, n.º 1, do CPTA.

  3. O Ministério Público veio à ação pedir que fosse seguida a interpretação restritiva do art. 25º, nº 4, do CPTA, conforme com a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art. 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, não se aplicando, assim, à citação do Réu Estado Português, que deve ser citado através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da Constituição e da lei; 5ª E, embora sem conceder, caso assim não fosse entendido, fosse recusada a aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do n.º 1 do art. 11.º e do n.º 4 do art. 25º, do CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do n.º 1 do art. 219.º da Constituição e do n.º 2 desta mesma disposição.

  4. E, em qualquer dos casos, que fosse declarada a nulidade por falta de citação do Ministério Público, que deve intervir no processo como parte principal, em representação do Réu Estado Português [art.os 187.º, alínea b), e 188.º, n.º 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis, e art.os 219.º, n.º 1, da CRP, 51.º do ETAF e 4.º, n.º 1, alínea b), e 9.º, n.º 1, alínea a), do atual EMP], anulando-se o processado posterior à petição e determinando-se a citação do Réu Estado Português através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da CRP e da Lei.

  5. O objeto do presente recurso visa insurgir-se com a decisão proferida pela Mmª Juiz “a quo” que indeferiu todos os pedidos conforme despacho judicial que aqui reproduzimos para todos os efeitos legais.

  6. Assim, o disposto no art.187º, nº1, b) do CPC, prevê a anulação do processado posterior à petição, salvando-se apenas esta quando não tenha sido citado, logo no início do processo, o Ministério Público, nos caso em que deva intervir como parte principal.

  7. Assim e, quando o Ministério Público em representação do Estado intervém aqui como parte principal, (o que é o caso em análise) há que concluir que não foi seguida tal norma legal, que foi violada.

    Tal como se deve concluir que o acto de citação foi completamente omitido, pois que o Ministério Público, representante do Estado Português, não foi efetivamente citado, ao arrepio do a) do nº1 do art.188º do CPC, já que apenas lhe foi entregue uma cópia da petição inicial.

  8. Razão pela qual e, conforme pugnamos houve violação de tais normas legais subsidiariamente aplicáveis e, ao disposto nos arts. 219º, 1 da CRP, 51º do ETAF, e finalmente do art.4º,1 b) e 9º,1 a) do EMP, devendo ter sido anulado o processado posterior à petição inicial nos termos da Constituição da República Portuguesa, e da Lei ordinária, pedindo-se a revogação de tal despacho, nesta parte, e a sua substituição que vá de encontro à Lei Fundamental e à Lei ordinária.

  9. No que diz respeito à inconstitucionalidade material das normas do art. 11º, 1 a final, e do nº 4 do art.25º do CPTA, (sublinhado nosso) na redação dada pela Lei nº 118/2019, por violação do nº 1 (primeira proposição) e nº 2 do art.219º da Constituição da República Portuguesa foi decidido no despacho judicial recorrido pela não ocorrência de tal inconstitucionalidade.

  10. Considera-se no despacho recorrido que não há qualquer inconstitucionalidade no teor do art. 11º, 1 do CPTA, dado pela nova redação da Lei acima mencionada, - posição que não acolhemos, - pois que nela vem acrescentado que as entidades públicas podem fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria de apoio jurídico, “sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”.

  11. O que quanto a nós, vai contra o estabelecido na primeira proposição do nº 1 do art. 219º da CRP, pois que o Ministério Público foi e é sempre visto e, em primeira linha, e, não esquecendo que a sua função essencial nos tribunais Administrativos é como legítimo representante do Estado Português, não podendo ser considerado, como se quer fazer crer e estabelecer ao arrepio da Lei Fundamental, uma mera possibilidade, entre outras, na representação do Estado.

  12. Tanto o legislador constituinte originário como o derivado ponderaram os atributos do Ministério Público como magistratura dotada de “autonomia” (Constituição, art. 219.º/2), com a sua atuação sempre vinculada a “critérios de legalidade e objetividade” (EMP, art. 3.º/2) e, em razão desses atributos, confiaram-lhe a tarefa representativa do Estado juízo, justamente a título de representação e não como advogado, patrono ou mandatário judicial.

    Por isso, a representação do Estado nos tribunais por parte do Ministério Público é configurável como um verdadeiro princípio judiciário constitucional, com alcance material.

  13. Porém, em flagrante contradição sistémica e teleológica, a parte final do n.º 1 do art. 11.º do CPTA, na redação conferida pelo art. 6.º da Lei n.º 118/2019, vem reduzir a representação do Estado por parte do Ministério Público a uma pura eventualidade: A nova redação limita-se a acrescentar o substantivo “possibilidade”, mas desse modo transforma a regra da “representação do Estado pelo Ministério Público” em exceção, pois o possível tanto é o que pode ser como, o que pode não ser vez alguma.

  14. Do confronto da fórmula usada no CPTA (parte final do n.º 1 do art.º 11.º: “sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”) com a acolhida no CPC (n.º 1 do art. 24.º: “O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio…”), resulta segura a conclusão de que, no âmbito do primeiro diploma, a representação do Estado por parte do Ministério Público tem carácter eventual e subsidiário, ao passo que no segundo constitui a regra, só passível de afastamento por lei concreta.

  15. A nova redação conferida à parte final do n.º 1 do art. 11.º CPTA torna puramente eventual e subsidiária a intervenção do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo, em oposição ao exarado na grande revisão do CPTA de 2015, operada pelo D.L. n.º 214-G/2015, onde o respetivo projeto previa a introdução, no art. 11.º, sobre “patrocínio judiciário e representação processual”, de uma redação que, à semelhança do CPC, acentuava a representação-regra do Estado pelo Ministério Público: “3 — Nas ações propostas contra o Estado em que o pedido principal tenha por objeto relações contratuais ou de responsabilidade, o Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo da possibilidade de patrocínio por mandatário judicial próprio nos termos do número anterior, cessando a intervenção principal do Ministério Público logo que aquele esteja constituído”.

  16. Por isso, mesmo numa apreciação isolada, dificilmente a norma se compatibilizaria com o princípio judiciário constitucional da representação do Estado nos tribunais através do...

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