Acórdão nº 53/16.0T9GDL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução23 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum singular que correm termos no Juízo Local Criminal de (...), do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, com o n.º 53/16.0T9GDL, foi o arguido (...), condenado pela prática de 3 (três) crimes de perseguição previstos e punidos no artigo 154.º-A, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada tal suspensão ao pagamento, pelo arguido aos ofendidos, no prazo 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, dos valores arbitrados a título de indemnização civil, valores que perfazem a quantia global de € 22.500,00.

*Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “Conclusões.

Com a devida vénia, e salvo melhor entendimento, A. São diversos os vícios apontados à Douta Sentença recorrida.

Designadamente, - Ausência de fundamentação e de exame crítico da prova e consequente nulidade; - Utilização de Conceitos vagos e imprecisos e os factos genéricos e conclusivos, e consequente violação do direito de defesa do arguido e nulidade; - Omissão de pronúncia, ausência de fundamentação da decisão sobre a escolha da pena, violação dos princípios da legalidade e adequação, e consequente nulidade; - Nulidade da decisão sobre a medida concreta da pena por violação dos princípios da legalidade e da proporcionalidade e da falta de fundamentação quanto à decisão de subordinação da suspensão da pena ao pagamento dos pedidos cíveis.

Resumidamente (como se exige): B. Com o merecido respeito, impunha-se ao tribunal uma correlação direta e imediata entre a prova e cada um dos episódios relatados na matéria de facto.

  1. Desconhecendo-se os elementos de prova que elucidaram o julgador e sustentaram a sua convicção para dar como provados e não provados os factos.

    De igual modo, D. Atento o caso, desconhece-se o processo lógico e racional que levou o tribunal “a quo” a dar como provados os factos 3, 5/2.ªparte, 7, 8 a 10, 11 e 12, 13, 14, 15 a 21, 22 e 23, 25 a 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, como ainda 40 a 55, 59 a 74, 78 a 97, 110 e 111, ou dar como não provados os factos da contestação de i) a ggg).

  2. O tribunal não faz a ponderação entre os factos da acusação, da contestação e da prova, em consonância com a lógica, a razão e com as regras da experiência, do sentido comum e do acontecimento dos factos, correlacionando todos os aspetos, essenciais e circunstanciais, que se revelem relevantes, com vista ao fim último, a descoberta da verdade, que se pretende objetiva.

  3. O tribunal não exterioriza a formação da sua convicção através do exame crítico da prova, não permitindo ao arguido e ao tribunal “ad quem” conhecer em toda a sua plenitude o percurso que permitiu ao julgador dar como provados e não provados os factos acima destacados e porque uma versão é merecedora e outra não.

    Em suma, G. As apontadas deficiências violam o estatuído no art.º 374.º/2 do CPP, implicando em consequência a nulidade da Douta Sentença, de acordo com o disposto no art.º 379.º/1-a do mesmo Código.

    De igual parte, H. O tribunal “a quo” sequer individualiza, especifica e/ou distingue os factos que no seu entendimento subsumem cada um dos crimes, quer no espaço, quer no tempo, quer no objeto. Resultando a exposição vaga, imprecisa e meramente conclusiva.

    I. É de notar que o tribunal situa os factos no período de tempo compreendido entre o ano de 2015 e o ano de 2017 – vd. os factos provados em 7, 22, 41, 59 ou 78. No entanto, atentos os autos, em concreto apenas são referidos os dias 18, 19 e 25 de setembro, 10 de dezembro, e os artigos na Rádio (…) entre 27 de outubro e 26 de dezembro de 2015, e o dia 6 de agosto de 2016. Resultando tal conclusão temporal genérica, imprecisa e órfã de factos.

  4. O mesmo se poderá dizer quanto aos factos 5, 2.ª parte, 7, 8 e 9, 12, 13 e 14, 16, 22 e 23, 24, 25 a 29, 30, 31 a 37 como todos os factos referentes aos pedidos cíveis: vagos, genéricos, imprecisos, abstratos e meramente conclusivos.

  5. Como é sabido, ninguém pode contestar, eficazmente, a imputação de uma situação abstrata ou vaga, muito menos validamente contraditar a prova de uma tal situação.

    L. Pelo que, por um lado, estes factos não podem ser considerados ou valorados para efeitos da condenação do arguido, e, por outro lado, ao mantê-los, o tribunal “a quo” violou o direito de defesa do arguido, resultando, deste modo, a sua decisão ferida pelo vício da nulidade.

    De igual modo, M. A decisão sobre a escolha da pena fica aquém do exigido quanto à materialização e concretização dos factos, bastando-se com imputações genéricas e conclusivas.

  6. A Douta Sentença, não só não toma em consideração o posicionamento legal e, por essa via, vinculativo de preferência pela pena de multa em detrimento da pena de prisão, como não dá fundamento ou, pelo menos, suficientemente, à sua decisão, com a ponderação dos fins de prevenção à data do julgamento.

  7. Com efeito, os factos imputados ao arguido ocorreram em 2015 e 2016, portanto, há cerca de 5 anos (prazo de prescrição), o arguido (...) tem, na presente data, 67 anos, é casado, tem dois filhos maiores, reformado, reside em permanência em (…) pelo menos desde 2016, sendo que não se lhe conhece a prática de qualquer outro crime do mesmo tipo ou mesma natureza contra as mesmas pessoas ou outras, para além de que há mais de 3 anos que vendeu a sua propriedade, há mais de 4 anos que os demandantes não veem o arguido por ali, e confessam não mais terem contactado com ele.

  8. Não se evidenciando, pois, em que medida há necessidade de reintegração social do arguido ou há necessidade de evitar no futuro novos crimes – ou seja, os fins de prevenção especial não se justificam. Além de que este crime que lhe é imputado é recente e contemporâneo da prática dos factos, não se vislumbrando, pois, uma necessidade particular de proteção das expectativas da comunidade em relação ao mesmo.

    Do exposto, Q. A decisão viola o princípio da adequação e proporcionalidade, resultando totalmente desajustada às necessidades preventivas, sendo a pena de prisão aplicada uma reação severa, desproporcional e desadequada, totalmente ausente de sustentação, comprometendo, decisivamente, a hierarquia das penas.

    Em suma, R. A escolha da pena de prisão (ainda que suspensa na sua execução) é nula, quer por total ausência de fundamentação (art.º 379.º/1-a do CPP), quer por violação de disposição legal (art.º 70.º do CP), quer por violação do princípio da adequação.

  9. Pelo que, caso se mantenha a decisão de condenação do arguido (...) – o que não se pode de modo algum aceitar ou conceder e tão-só se equaciona como hipótese e por mero dever de cautela e de patrocínio – outra não deverá ser a pena que não seja a de multa, aliás, tal como prescreve o art.º 70.º do CP.

    De igual modo, T. As regras da lógica e da razão, da experiência, do sentido comum e da normalidade dos acontecimentos impõe a ponderação de todos os factos na determinação da medida da pena – designadamente os factos 4, 5 e 6, 98 a 108, 116 a 124.

  10. Haverá que ponderar, como evidenciado, se tais “reflexos relevantes na vida e no quotidiano dos ofendidos” e “os sentimentos duradouros de medo e inquietação” não foram causados pelo proc.-crime dos incêndios e medidas de coação aplicadas; ou, pelo menos, ponderar em que medida contribuíram. Segundo a lógica, a razão e a experiência comum, dificilmente se ficará indiferente diante de tais acontecimentos – dos quais o arguido é totalmente alheio. Não pode o arguido servir à expiação dos ressentimentos e angústias que naturalmente possam ter sentido os demandantes por via daqueloutro proc.-crime e das medidas de coação aplicadas, que coartaram efetivamente a liberdade dos demandantes e promoveram um sentimento social e generalizado de desconfiança para consigo (pelas medidas aplicadas e em face do mediatismo dos acontecimentos).

    V. Importa ainda considerar as demais circunstâncias, designadamente, o arguido não é um indivíduo, na sua essência, com personalidade delituosa, não tem tendência inata para o crime, tem registado um único crime, no caso, de injúria a militar da GNR, praticado no período e no contexto dos incêndios, não se conhece a prática de qualquer outro crime da mesma natureza do crime pelo qual vem condenado ou de qualquer outro tipo de crime, os factos ocorreram há 5 anos, a sua conduta revela a plena conformidade com o ordenamento jurídico e com as ordens sociais, é casado, pai, trabalhador, cumpridor das suas obrigações, conhecido como “bom homem” na comunidade em que se insere, entre amigos como pessoa preocupada, leal e respeitadora, envolvido e comprometido na dinâmica familiar e social.

    Temos em que, W. O tribunal recorrido, ao condenar o arguido naquelas penas parcelares e na pena única de prisão de 3 anos – ainda que suspensa na sua execução e subordinada ao pagamento das indemnizações – violou o disposto nos artigos 40.º, 71.º e 153.º-A todos do Código Penal.

    Além de que, X. A ser condenado, o que não se concede e apenas se equaciona como hipótese, a condenação não poderia ir além da pena de multa e muito próxima do mínimo legal.

  11. Por último, não se poderá deixar de realçar a decisão atinente à suspensão da pena. Com efeito, o tribunal “a quo” faz depender a suspensão da pena de prisão ao pagamento dos pedidos cíveis, num total de €22.500, acrescido de juros moratórios desde a data da notificação para contestar os pedidos de indemnização e até efetivo e integral pagamento.

  12. Não se preocupa, porém, o tribunal “a quo” em aferir e evidenciar a capacidade do arguido (...) para cumprir esta decisão, descorando, por completo, a sua situação socioeconómica, bem como da sua família.

    AA. Não podendo de igual modo esta decisão de subordinação persistir – não se pondo em questão a suspensão da pena escolhida, claro está.

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