Acórdão nº 043/19.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução25 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.

O “Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR)”, inconformado, veio interpor, para o Pleno da Secção, o presente recurso do Acórdão, proferido em 9/6/2021, pela Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (cfr. fls. 655 e segs. SITAF), o qual julgou improcedente a ação administrativa pelo mesmo intentada contra o “Conselho de Ministros” e o “Ministério da Saúde”, em que peticionou a declaração da nulidade, ou a anulação, dos atos impugnados, constantes da Resolução do Conselho de Ministros nº 27-A/2019 (decreta a requisição civil dos enfermeiros de determinadas unidades hospitalares) e da Portaria nº 48-A/2019 (define o regime de execução dessa requisição civil), ambas de 7/2/2019, por alegada falta de fundamentação (art. 268º nº 3 da CRP), violação do direito à greve, violação do disposto nos arts. 114º nºs 1 b) e c) e 2 a) do CPA, bem como nos arts. 530º nºs 1 e 2, 537º nº 2 e 541º nº 3 do Código do Trabalho.

  1. O Recorrente “SINDEPOR” terminou as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 678 e segs. SITAF): «1. Não houve, na greve aqui em causa, incumprimento, muito menos grave e reiterado, dos serviços mínimos a que o Sindicato ora A. e os seus associados no exercício do direito à greve estivessem obrigados por força de Acórdão do Tribunal Arbitral.

  2. Menos ainda a Resolução do Conselho de Ministros, que decretou a greve com esse fundamento, concretiza minimamente – e de forma expressa e acessível que pudesse não só ser exactamente conhecida como também ser impugnada e sindicada – a situação fáctica que a fundaria, como lhe impõe, imperativamente, o artº 268º, nº 3 da CRP, antes se limitando a uma declaração tão abstracta e conclusiva quanto absolutamente desconforme com a verdade dos factos. Ora, 3. Uma requisição civil decretada nestes termos não só é de todo ilícita como ofende, de forma grave e constitucionalmente inadmissível, um direito fundamental como o direito à greve.

  3. Todas as tentativas feitas a posteriori pelas Entidades RR. para procurarem construir e emprestar à dita Resolução a (pretensa) fundamentação de que ela notoriamente carecia são não só juridicamente irrelevantes (a fundamentação do acto deve dele constar e não ser-lhe fornecida ex post) como (no que respeita à imputação da não realização de actos cirúrgicos ao pretenso não cumprimento de serviços mínimos por parte de enfermeiros grevistas) de todo inverídicas, tal como o ora A. invocou e pretendia ter produzido prova disso foi impedido.

  4. Quanto à questão (evidente) da falta de fundamentação dos actos administrativos em causa e muito em particular da Resolução do Conselho de Ministros, o mínimo que se pode dizer é que tudo quanto a posteriori as Entidades RR. vieram pretender alegar, o que demonstra e confirma é precisamente a apontada falta de fundamentação, 6. Registando-se e sublinhando-se que as mesmas Entidades RR. e agora também o Acórdão ora recorrido, pareçam querer esquecer o fundamental dispositivo do art.º 268.º, n.º 3, 2.ª parte, da Constituição, o qual estrita e impositivamente dispõe que todos, sem excepção, os actos administrativos que afectem de alguma forma direitos ou interesses legalmente protegidos têm de estar fundamentados, e de forma expressa (e também acessível), 7. Bem como que tal fundamentação consiste não apenas na indicação das razões que estão na base da escolha pela Administração, como também na sua justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada, 8. Sendo tal fundamentação um princípio fundamental da administração do Estado de direito e também uma garantia do próprio direito de recurso contencioso, consagrado no n.º 4 do mesmo art.º 268.º bem como no art.º 20 da CRP.

  5. Tendo faltado – como efectivamente faltou – a fundamentação do acto como ela deve ser legal e constitucionalmente entendida, ela não pode ser corrigida a posteriori, como as Entidades RR. manifesta, tardia e confessadamente tentaram fazer, o 1º acto – e, logo, consequentemente, também o 2º - está ferido de incontornável vício de violação de lei, 10. O mesmo decorrendo da absoluta desconformidade do juízo valorativo e conclusivo com que pretendem fundamentar o 1º acto com a verdade material dos factos.

  6. Acrescendo que, para além deste duplo vício de violação de lei, os actos impugnados estão ainda inquinados pelo vício de desvio de poder, sendo patente que as Entidades Rés trataram de usar formal e abstractamente da faculdade que (apenas) lhe está atribuída pela Ordem Jurídica para uma dada finalidade (a de salvaguardar o respeito e impedir o sacrifício de outros direitos fundamentais para além do direito à greve) para uma outra finalidade totalmente desviada e distinta desta, e absolutamente ilegítima e contrária à Lei Fundamental (a de inutilizarem o exercício do direito à greve no concreto processo grevista e passar a mensagem do que acontecerá a todos os trabalhadores, enfermeiros e de outras categorias profissionais que se “metam com o Governo” e ousem levar a cabo greves que não sejam meramente simbólicas e totalmente inócuas), 12. Ofendendo assim, e de forma absolutamente intolerável, o núcleo essencial do direito à greve, com a consequente nulidade ex vi do art.º 161.º, n.º 2, al. d) do Código do Procedimentos Administrativo, 13. Ou, pelo menos, estando multiplamente afectados por múltiplo vício de anulabilidade por força do disposto no art.º 163.º, n.º 1 do mesmo CPA, 14. Errou, pois, e flagrantemente a decisão recorrida ao não declarar a nulidade, ou, pelo menos, ou não determinar a anulação dos dois actos impugnados, 15. Também é juridicamente inaceitável, face designadamente ao preceituado no art.º 88.º, n.º 2 do CPTA, tal como se faz no Acórdão recorrido, e para julgar improcedente a acção, que o julgador venha, apenas a final, invocar alegadas insuficiências ou irregularidades no articulado do A. sem que antes haja proferido despacho de aperfeiçoamento convidando a mesma parte a corrigi-las.

  7. E ainda menos o é, face ao disposto nos art.º 87.º, n.º 1, al. c) e 90.º, n.º 2, ambos do CPTA, que o mesmo julgador não permita – como os autores do Acórdão não permitiram – a produção da prova arrolada pela parte autora, nomeadamente para demonstrar a falsidade da fundamentação invocada no acto impugnado e depois dê por assente como verdadeiro aquilo que a entidade recorrida invocou (e que não pôde assim sindicado e contraditório).

  8. A tese de que basta que no acto impugnado a entidade administrativa faça uma invocação tabular, genérica e não concretizada de pretensas circunstâncias de facto para que o acto possa ser considerado devidamente fundamentado e de que é possível impedir a realização da prova requerida e arrolada pela parte autora para pôr em crise aquela mesma invocação contraria a exigência constitucional (art.º 268.º, n.º 3 do CRP) da fundamentação de todos os actos administrativos que afectem – como é o caso – direitos ou interesses legalmente protegidos, 18. Como conduz à completa inutilização do direito (consagrado nos art.º 20.º, n.º 1 e 268, n.º 4, ambos da CRP) à tutela jurisdicional efectiva, em especial contra actos administrativos que lesem tais direitos ou interesses, 19. Ao mesmo tempo que viabiliza uma inadmissível e constitucionalmente intolerável restrição e até inutilização, ainda por cima verdadeiramente insindicável, de um direito fundamental, como é o direito à greve (art.º 57.º da CRP).

  9. Assim, os art.º 1.º e 4.º do Dec. Lei 637/74, de 20/11, bem como o art.º 538.º do Código do Trabalho – que prevêem a possibilidade de decretamento da requisição civil em caso de greve, actual e devidamente comprovado incumprimento dos serviços mínimos (e apenas desses) por parte dos trabalhadores requisitados (e somente destes) – interpretados e aplicados como o foram pelo Acórdão recorrido violam claramente o estabelecido nos art.º 17.º, 18.º, n.º 2 e 3 e 57.º da CRP.

  10. E os art.º 87.º, n.º 1 al. b) e c) e 90.º, n.º 1 da CPTA na vertente normativa consagrada no...

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