Acórdão nº 01/19.5BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Novembro de 2021
Magistrado Responsável | ANABELA RUSSO |
Data da Resolução | 24 de Novembro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO 1.1.
REN – Redes Energéticas Nacionais, SGPS, S.A.
, inconformada com a decisão arbitral proferida a 4 de Dezembro de 2018 no processo n.º 471/2017-T, veio, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor Recurso de Uniformização de Jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, invocando que a referida decisão está em contradição com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo a 8 de Março de 2017 no processo nº 0227/16-30.
1.2.
Admitido o recurso, a Recorrente apresentou alegações formulando as seguintes conclusões: «
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Na decisão arbitral na parte ora recorrida entendeu-se, no quadro da aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF (norma entretanto revogada), que cabia ao contribuinte demonstrar quanto a 11% das partes de capital neste recurso em causa, se houve ou não reais encargos financeiros suportados com a sua aquisição (nos outros 89% a decisão arbitral concordou com o óbvio: resulta do próprio modo de aquisição – como entrada em espécie para realização de capital social - que não há por definição encargos financeiros com a aquisição).
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Não tendo cumprido com esse ónus de demonstração, no entender da decisão arbitral teria ficado legitimada a aplicação do método formulaico fixado pela AT na Circular n.º 7/2004, donde a manutenção do IRC adicional resultante da sua aplicação a esses 11% das partes de capital aqui em causa.
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Este entendimento está em oposição com o acórdão fundamento do STA (de 08.03.2017, proferido no processo n.º 0227/16) e jurisprudência unânime deste Tribunal, que coloca o ónus da prova do lado da AT e rejeita a tese de que ou bem que o contribuinte cumpre com um seu putativo ónus de convencer quem de direito mediante exibição de um método de afectação directa, ou fica sujeito à aplicação do método formulaico da Circular n.º 7/2004.
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Não há razão para o STA mudar a sua jurisprudência nesta matéria.
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A decisão arbitral nenhum motivo aliás invoca para a configuração do ónus da prova que decidiu adoptar.
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Acresce que a eventual invocação de que a inércia do contribuinte justificaria, supostamente ao abrigo do princípio do venire contra factum proprium, que lhe fosse imposto tal ónus, G) em primeiro lugar não anula o (nem responde ao) direito que o STA invoca no acórdão fundamento e restantes acórdãos sobre o tema (direito relativo ao ónus da prova nos métodos indirectos), H) em segundo lugar esquece que foi a própria AT quem motivou esta inércia dos contribuintes em geral (e não apenas deste em particular), que façam o que fizerem, a AT nada aceita senão a aplicação da sua Circular, I) em terceiro lugar invocar a inércia de uma dada parte como argumento para afastar as regras sobre distribuição do ónus da prova é à partida uma contradição nos próprios termos, J) em quarto lugar partir do princípio que há inércia do contribuinte neste tipo de casos é partir já de uma posição enviesada, de uma posição viciada por petição de princípio, K) e em quinto e último lugar a decisão arbitral recorrida não aponta uma única norma jurídica para fundamentar o resultado a que chegou, o que, ressalvado o devido respeito, é sintoma de ligeireza e facilitismo na sua adopção.» 1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da admissão do recurso veio defender a sua admissão enquanto recurso para uniformização de jurisprudência, concluindo as contra-alegações apresentadas nos seguintes termos: «1.ª A Recorrente vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 e n.º 3 do RJAT e do artigo 152.º do CPTA, invocando que o acórdão arbitral proferido no processo arbitral n.º 471/2017-T CAAD está em oposição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 08-03-2017, no processo n.º 0227/16, na parte em que a decisão recorrida julgou o pedido de pronúncia arbitral improcedente.
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Cumpre informar, para os devidos efeitos, que a ora Recorrida apresentou, em 02-01-2019, impugnação da decisão arbitral ao abrigo do artigo 27.º e da alínea c), do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, tendo por objeto o segmento decisório no qual se julgaram improcedentes as exceções dilatórias de incompetência material e quanto ao valor decorrentes de (a) o pedido ter sido formulado na sequência de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação; (b) o valor do pedido exceder o montante de €10.000.000,00, que corresponde ao limite máximo dos litígios arbitrais e ainda, (c) o pedido quantificar o valor exato a reembolsar à ali Requerente, correndo a referida impugnação atualmente os seus termos junto do Tribunal Central Administrativo Sul sob o número de processo 1/19.5BCLSB, tendo a aí impugnada sido notificada para contra-alegar. Prosseguindo, 3.ª Constitui entendimento reiterado pela jurisprudência desse douto STA que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos é necessário que (i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, (ii) haja identidade na questão fundamental de direito, (iii) se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e (iv) que a oposição decorra de decisões expressas e não implícitas, requisitos que, manifestamente, não se encontram reunidos no caso vertente.
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Não há qualquer identidade nas situações de facto apreciadas no Acórdão fundamento e no Acórdão recorrido.
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Efetivamente, embora a Recorrente invoque que a situação em causa nos dois arestos é fundamentalmente idêntica uma vez que está em causa a ilegalidade da autoliquidação de IRC «na medida em que aplica o método proporcional ou formulaico da Circular da DSIRC n.º 7/2004, para efeitos de segregar encargos financeiros não dedutíveis por alegadamente incorridos com a aquisição de partes de capital, indedutibilidade esta de encargos incorridos com a aquisição de partes de capital prevista no artigo 32.º, n.º 2, do EBF (anteriormente numerado como 31.º, e nos dias de hoje já revogado).», tal, com o devido respeito, não é verdade (assim como o por si invocado nos artigos 9.º 10.º das alegações de recurso).
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É que o acórdão arbitral nunca considerou na sua fundamentação e decisão ser legal a aplicação da fórmula da Circular n.º 7/2004, mas sim que, relativamente a 11% dos encargos financeiros aqui em causa, a Circular não tinha sequer aplicação, pois «esta não se aplica à entrada de ativos em que não há real aquisição e, portanto, não há encargos financeiros».
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Note-se que conforme a Recorrida assinalou na Resposta apresentada, relativamente a estes 11% dos encargos financeiros a Recorrente nunca provou que tenha existido sequer qualquer financiamento (seja direto ou indireto), não procurando sequer justificar a pretensa invalidade do acréscimo (cf. entre outros, os artigos 123.º, 168.º, 169.º e 173.º daquele articulado).
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Tendo o acórdão recorrido dado como não provado que, «A Requerente não provou como foram adquiridas as restantes participações sociais por ela detidas na REE, ENAGÁS, REN Atlântico, OMIP, RENTELECOM, REN TRADING e REN Serviços ou em Ações próprias, nem a existência ou não de "encargos financeiros" representativos de cerca de 11% do valor total dos encargos, ou seja, € 1.258.367,07. Da exposição da Requerente apenas se pode deduzir não terem resultado de entrada de ativos, desconhecendo-se, porém, se houve ou não reais encargos financeiros. A Requerente limitou-se contudo (sem avançar nenhuma prova específica) a declarar que não existiu qualquer financiamento contratualmente destinado à aquisição dessas participações sociais […]» 9.ª E afirmando, na fundamentação de direito que, «Em princípio, a aplicação (quanto a nós, indevida) da Circular não altera o montante global dos encargos financeiros declarados, apenas interferindo na forma como são distribuídos pelas diversas empresas que integram o grupo. A Requerente pretende aplicar aos 11% a mesma solução dos restantes 89%, invocando a Circular, mas, como se disse, esta não se aplica à entrada de ativos em que não há real aquisição e, portanto, não há encargos financeiros. Em relação a estes 11%, competiria assim à Requerente demonstrar se houve ou não aquisição com encargos financeiros e indicar se foi cumprida a regra relativa ao período de detenção. Demonstração que não deveria ser complicada, uma vez que defende a aplicação do método de afetação real, mas que manifestamente não fez […]»...
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