Acórdão nº 394/18.1T8HRT.L2-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULA SANTOS
Data da Resolução24 de Novembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa I - Relatório AAA instaurou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra BBB opondo-se ao despedimento promovido pela Ré.

*** Teve lugar a audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.

*** A Ré apresentou articulado de motivação do despedimento, alegando que o Autor foi seu funcionário com a categoria profissional de marinheiro. No dia 25-06-2018, ao regressarem de uma viagem Madalena/Horta, no navio Cruzeiro do Canal, e tendo como mestre da embarcação, (…), ao atracarem no porto da Horta, o mestre deu instruções ao Autor para mudar de cabeço no cais, já que o cabo da proa do navio tinha sido incorrectamente lançado por (…). O Autor, no entanto, depois de ter mudado o cabeço do cais, rodou, a bordo do navio, o cabo ao máximo (apesar do cabo ter uma marca que define o comprimento correto), o que não permitiu a realização da manobra de atracagem do navio.

O mestre da embarcação saiu da ponte e chamou à atenção o requerente para aliviar o cabo (ou seja, aumentar o comprimento). Perante aquele impasse, a manobra teve de ser novamente abortada, tendo o mestre proferido a seguinte expressão "custa a crer, já aos anos que trabalhas aqui e não sabes qual o cabeço de terra onde amarrar e que esse cabo tem uma marca". O Autor reagiu, e, de forma exaltada, disse ao mestre: "então o mestre que ligue para o chefe (…) para vir outro com mais experiência para o meu lugar", tendo o mestre retorquido "és um tolo".

Depois do mestre voltar para dentro da ponte da embarcação, o Autor foi ali tirar satisfações, e, encostando-se ao mestre, proferiu: "o que é que me chamaste caralho?", tendo o mestre dito que "com essa atitude de dizeres que vais te embora só por ter-te chamado à atenção por teres amarrado mal o navio, não é de uma pessoa inteligente." O Autor encostou-se ainda mais ao mestre, com as caras já praticamente a tocarem-se, e disse por duas vezes "vai para caralho”. O mestre ordenou ao Autor que saísse da ponte, tendo o mesmo recusado e dito "não mandas em mim".

Mais uma vez, o mestre insistiu para o Autor sair da ponte, tendo o mesmo retorquido novamente "vai para o caralho".

A saída do Autor da ponte era imprescindível para concluir a manobra, uma vez que o mesmo estava a bloquear a visibilidade da janela da Ré (zona do navio), e o cabo não estava muito "calçado".

Quando finalmente abandonou a ponte, o Autor continuou a mandar o mestre para o "caralho" e "vai para a puta que te pariu" e "tolo foi quem te pariu".

O Autor, conscientemente, quis desobedecer às ordens legítimas do mestre - seu superior - em plena operação de manobra de atracagem da embarcação.

O Autor, ao não abandonar a ponte, conforme lhe foi ordenado, colocou em causa a segurança da operação da atracagem do navio, dos passageiros e tripulantes.

O Autor recusou-se, continuadamente e em diversas ocasiões, a reconhecer o seu dever de obediência, a que está legalmente obrigado.

Com as expressões proferidas, bem como a forma exaltada, agressiva e rude como as proferiu, o Autor quis e conseguiu ofender a honra e consideração do seu superior, bem como intimidá-lo.

Conclui pela improcedência da acção, devendo o tribunal reconhecer que à Ré, como entidade empregadora, assistia e assiste justa causa para despedir o Autor.

*** O Autor contestou, impugnando os factos alegados pela Ré e arguindo a excepção de caducidade do direito de aplicação da sanção disciplinar.

Deduz pedido reconvencional, peticionando créditos emergentes da relação laboral.

Conclui nos seguintes termos: “a) Deve a presente acção de impugnação ser julgada procedente, por não provada a justa causa de despedimento em que a Ré fundou a cessação do contrato de trabalho que a vinculou ao Autor; b) Deve em consequência a Ré ser condenada a reintegrar o Autor ao seu serviço, nos termos do disposto na alínea b) do no 1 do art. 389º do Código do Trabalho, bem assim ao pagamento das retribuições devidas nos termos do artigo 390º do mesmo Código; c) deve em qualquer caso a Ré ser condenada a pagar ao Autor o valor do subsídio de Natal de 2018.” *** A Ré respondeu à contestação, concluindo pela improcedência da excepção invocada, e, quanto à reconvenção, confessando-se devedora da quantia bruta de 716,62€.

*** Foi dispensada a realização de audiência prévia e a enunciação dos temas da prova.

*** Foi proferido despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância.

*** A sentença julgou a acção “parcialmente procedente, nos seguintes termos: a) declara lícito o despedimento do Autor, AAA, realizado pela Ré, BBB; b) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 716,62, a título de subsídio de Natal vencido no ano de 2018; c) absolve a Ré do que mais foi peticionado.” *** Inconformada, a Ré interpôs recurso.

*** Este Tribunal da Relação decidiu: “ 1.Ordenar a notificação da Ré para juntar aos autos o registo do e-mail onde foi enviado o documento “deliberação/processo disciplinar/decisão final” pelo Presidente do seu Conselho de Administração.

  1. Anular a sentença recorrida, e determinar que seja devidamente fundamentado o facto descrito sob o nº32, após a junção aos autos do documento referido em 1.” *** Na primeira instância foi dado cumprimento ao ordenado pelo Tribunal da Relação.

    *** Foi proferida sentença que “Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos: a) declara lícito o despedimento do Autor AAA, realizado pela Ré, BBB; b) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 716,62, a título de subsídio de Natal vencido no ano de 2018; c) absolve a Ré do que mais foi peticionado.” *** Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que (…) O Exmo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação, apôs visto no processo.

    *** Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos Cumpre apreciar e decidir *** II – Objecto Considerando as conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, cumpre decidir - acerca da impugnação da matéria de facto; - da caducidade do direito a aplicar sanção disciplinar; caso se entenda que não se verifica a referida caducidade - se ocorre justa causa para o despedimento do Autor.

    *** III – Fundamentação de Facto São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância 1.

    Com antiguidade contada desde 14 de Março de 2014, AAA foi admitido ao serviço de BBB para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta última, desempenhar as funções de ‘marinheiro de tráfego local’, a bordo das embarcações denominadas “(…)”, “(…)” e “(…)”.

  2. (…), com a categoria profissional de ‘mestre de tráfego local’, comanda as embarcações e respectivas tripulações, nas viagens comerciais efectuadas pela BBB 3.

    Sendo superior hierárquico do Autor.

  3. No dia 25 de Junho de 2018, o Autor e (…)desempenhavam funções na embarcação “(…)”.

  4. Nessa data, às 16:30 horas, este navio dirigia-se ao Porto da Horta, na viagem Madalena /Horta.

  5. Ao atracar no Porto da Horta, (…) ordenou ao Autor que mudasse o cabeço do cais onde o cabo da proa havia sido lançado por um outro funcionário.

  6. Pois estava a impedir a realização da manobra de atracagem.

  7. De seguida, (...) ordenou ao Autor que ‘aliviasse’ o cabo, aumentando o seu comprimento, uma vez que o mesmo havia sido rodado ‘ao máximo’.

  8. Nesse momento...

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