Acórdão nº 861/21 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 861/2021

Processo n.º 828/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho da Vice-Presidente daquele Tribunal, de 13 de julho de 2021.

2. Pela Decisão Sumária n.º 636/2021 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não julgar inconstitucional a norma a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, interpretada no sentido de que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que se limitem a revogar a suspensão da execução da pena de prisão não superior a cinco anos em que o arguido não recorrente foi condenado em primeira instância.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

5. O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade da norma reportada ao artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, interpretada no sentido de que «será de rejeitar o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça quando o tribunal da relação, sem alterar a qualificação jurídica dos factos nem a medida das penas de prisão que lhes foram aplicadas, apenas revogou a decisão do Tribunal a quo na parte em que havia suspendido a respetiva execução».

Numa formulação que se afigura mais precisa, está em causa a norma extraída do citado preceito legal segundo a qual não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que se limitem a revogar a suspensão da execução da pena de prisão não superior a cinco anos em que o arguido não recorrente foi condenado em primeira instância.

6. A Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, no quadro de uma vasta reforma do Código de Processo Penal, deu nova redação à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, que passou então a ter o seguinte teor: «[n]ão é admissível recurso: (…) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade».

No âmbito da apontada redação, este Tribunal, através do Acórdão n.º 324/2013, tirado em Plenário, veio a julgar «inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade.».

Fê-lo, todavia, exclusivamente com fundamento na violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição), por entender que o inciso «que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos», quando o tribunal de 1.ª instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, ultrapassa manifestamente o sentido possível da letra da lei, nomeadamente da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, situando-se «fora do âmbito da interpretação» desse preceito, e consubstanciando, por essa razão, uma decisão por analogia, em matéria em que tal é constitucionalmente inadmissível.

Desta forma, o juízo de inconstitucionalidade então alcançado ficou restrito à redação dada à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, na medida em que a Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, veio conferir a atual redação a esse preceito, prevendo agora precisamente a irrecorribilidade dos acórdãos das Relações que, em recurso, venham a aplicar pena de prisão não superior a cinco anos.

7. Porém, importa notar que o referido aresto não deixou de se pronunciar sobre a norma em questão – e que corresponde àquela que constitui objeto do presente recurso –, agora na perspetiva da sua conformidade constitucional no confronto com as garantias de defesa em processo penal e o direito ao recurso, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

Escreveu-se em tal decisão:

«A norma que tem sido aplicada, como razão de decidir, no sentido de que é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, em recurso de decisão de primeira instância que tenha aplicado pena não privativa da liberdade, já foi apreciada por este Tribunal, que a não julgou inconstitucional face ao disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP (Acórdãos n.ºs 424/2009, 419/2010 e 589/2011, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). O julgamento de não inconstitucionalidade funda-se no entendimento de que o acórdão da Relação consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, tendo em conta que perante ela o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa, entroncando os fundamentos do direito ao recurso verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição. Ou seja, o direito ao recurso constitucionalmente consagrado satisfaz-se, atento o seu âmbito de proteção, com a garantia de um duplo grau de jurisdição.

Com efeito, este Tribunal tem vindo a entender, de forma reiterada, que não é constitucionalmente imposto o duplo grau de recurso em processo penal, sustentando-se que “mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente assegurado um triplo grau de jurisdição”, existindo, consequentemente, “alguma liberdade de conformação do legislador na limitação dos graus de recurso” (cf. Acórdão do ...

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