Acórdão nº 02410/14.7BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2410/14.7BELRS Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) Recorrida: “ A………………, S.A.” 1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza daquele Tribunal julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a “liquidação adicional” ( Na verdade, não houve liquidação adicional, sendo o acto tributário impugnado o que operou a correcção da liquidação anteriormente efectuada, por diminuição do montante de prejuízos, reflectida na diminuição do valor a reembolsar.

) de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que a esta foi efectuada com referência ao ano de 2010, na sequência da correcção efectuada após inspecção tributária e relativa a desvalorizações, de acordo com o critério do justo valor, de acções detidas pela ora Recorrida, quer por referência à data de aquisição, no ajustamento de transição para o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), quer as do próprio exercício de 2010.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, com conclusões do seguinte teor: «i. Em causa nos presentes autos está a aplicação ou não do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC aos ajustamentos decorrentes da aplicação do método do justo valor a instrumentos financeiros reconhecidos através de resultados, mais concretamente, se aquelas perdas deveriam ser consideradas pela totalidade ou em apenas em metade do seu valor por aplicação do disposto no n.º 3, do art. 45.º, do CIRC.

ii. Em face do preceituado no elemento literal do art. 45.º, n.º 3 do CIRC, as perdas ou variações patrimoniais negativas concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

iii. Note-se que o legislador e, acima de tudo, a própria lei, fizeram uma clara opção no n.º 3 do art. 45.º do CIRC e, pese embora as sucessivas alterações legislativas levadas a cabo ao CIRC, o legislador não estabeleceu em tal preceito qualquer excepção relativa tanto às perdas apuradas pelos ajustamentos de transição decorrentes da alteração do normativo contabilístico, como às perdas aceites fiscalmente decorrentes da redução do justo valor através de resultados.

iv. Pelo contrário, tal normativo continuou a aplicar-se a todas as perdas, com relevância fiscal, verificadas em partes de capital, nomeadamente perdas potenciais, como será o caso das variações no justo valor em metade do seu valor.

  1. Se fosse intenção do legislador excluir as perdas em questão do âmbito da aplicação do art. 45.º, n.º 3 do CIRC, certamente tê-lo-ia deixado claro na lei, promovendo, para o efeito, a devida alteração à norma em presença.

    vi. Conforme refere André A. Vasconcelos, “pela leitura daquele preceito, e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os activos financeiros ora em análise, apenas relevarão para efeitos fiscais em metade do seu valor”.

    Acresce ainda que, vii.

    Gasto, para os efeitos do art. 18.º, n.º 9, corresponde à totalidade das rubricas contabilísticas (que poderão ter ou não relevância fiscal) consideradas como afectando negativamente o resultado líquido de uma sociedade, nas quais se incluem, designadamente, as perdas, as menos-valias, as depreciações, os gastos operacionais, entre outros.

    viii. Ora, afirmar que gasto e perda são conceitos estanques e distintos é falacioso. Com efeito, a perda é uma tipologia de gasto.

    ix. Ana Maria Rodrigues dá conta das tentativas de superação dessas imprecisões e de hesitações quanto às soluções por receio de aumentar a perturbação no ordenamento jurídico. Como exemplo, cita as epígrafes dos artigos 20.º e 23.º do CIRC. Quanto à primeira, actualmente “rendimentos e ganhos”, considera que deveria ser apenas intitulada “rendimentos”, conceito que envolve réditos e ganhos e quanto à segunda, “gastos e perdas”, observa que gastos é um conceito que, em contabilidade, já inclui as perdas.

  2. Em face do exposto, fica claro que a dedutibilidade daquela perda, que é, naturalmente, um gasto, deverá ser analisada à luz do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, com vista a apurar até que ponto poderá cair no escopo daquela norma.

    xi. A norma em discussão prevê que “a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (…) concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor” (sublinhado nosso).

    xii. Ora, da simples interpretação dos textos normativos relevantes, na sua redacção à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital, e, bem assim, as perdas associadas à alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor (as quais, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, não são consideradas como mais-valias) cabem no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor (no período de tributação em análise).

    xiii. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de interpretação de lei e viola o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC.

    Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida».

    1.3 A Recorrida apresentou contra-alegação, pugnando pela manutenção da sentença, com conclusões do seguinte teor: «1.ª A douta sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o acto tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2014 8500033059 e na demonstração de acerto de contas n.º 2014 00005908360, relativo ao exercício de 2010; 2.ª Inconformada, a Fazenda Pública recorreu; 3.ª Em causa nos presentes autos estava a questão de aferir da aplicabilidade do artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC aos ajustamentos decorrentes do critério do justo valor. Na origem da lide estão, mais concretamente, as desvalorizações, de acordo com o critério do justo valor, de determinados títulos negociáveis detidos pela Recorrida, concretamente, as desvalorizações de 7.075.414 acções do Banco B...................... S.A., quer as por referência à data de aquisição, no ajustamento de transição, quer as do próprio exercício de 2010.

    4.ª A este propósito, o Tribunal Recorrido concluiu que o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, não abarca os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do mesmo código; 5.ª A Fazenda Pública, ora Recorrente, não se conforma com o decidido e considera que o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC não excepciona estas perdas, pelo que se aplica a todos os tipos de perdas; 6.ª Salvo o devido respeito, não assiste razão à Recorrente.

    7.ª O artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC não abarca os ajustamentos de justo valor nos instrumentos visados pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do mesmo código, como bem concluiu a sentença recorrida; 8.ª Se atendermos ao elemento literal e histórico de interpretação das normas relevantes, concluímos isso, desde logo: 9.ª O artigo 20.º do Código do IRC sempre previu, e prevê, a tributação das mais-valias realizadas; 10.ª Por sua vez, o artigo 21.º, n.º 1, alínea b), e o artigo 24.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código do IRC, estipulam que as mais-valias e as menos-valias latentes não concorrem para a formação do lucro tributável; 11.ª O artigo 46.º (Regime das mais-valias e das menos-valias) refere-se também às mais e menos-valias realizadas, mediante transmissão onerosa; 12.ª Todos estes normativos seguem o princípio da realização; 13.ª A Lei n.º 33-B/2002, de 30 de Dezembro e a Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro introduziram a norma com um carácter assumidamente anti abusivo; 14.ª Depois de 2006, o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, não sofreu quaisquer alterações, nem mesmo com a entrada em vigor do SNC, pelo que a adopção (limitada) do modelo do justo valor não introduziu qualquer novidade naquele artigo 45.º, n.º 3, o qual continua a pressupor uma perda efectiva, e não latente, ao abrigo do princípio da realização; 15.ª O Decreto-Lei n.º 159/2009 veio proceder a diversas alterações ao Código do IRC, designadamente, ao criar um regime especial de relevância fiscal dos ganhos e perdas apuradas em resultado da aplicação do modelo de justo valor [cf. artigo 20.º, n.º 1, alínea f) e artigo 23.º, n.º 2, alínea i)]. Assim sucedeu, como realça a sentença recorrida, “(…) pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.

    ” (cf. página 9 da sentença recorrida). Assim, no Código do IRC, o princípio da realização deixou de vigorar em exclusivo, para coexistir com o modelo do justo valor (adoptado, porém, de forma limitada).

    16.ª Em particular, o artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do Código do IRC, refere-se a instrumentos financeiros em mercado regulamentado, os únicos que constituem excepção ao princípio da realização; 17.ª Clarificou-se também que a esses instrumentos financeiros não se aplica o artigo 46.º do Código do IRC – regime das mais-valias e menos-valias; 18.ª O artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC pressupõe a remoção do activo do balanço e com os ajustamentos de justo valor tal não sucede; 19.ª Tal como se determina, a título...

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