Acórdão nº 2608/19.1T8OAZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULA SÁ FERNANDES
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 2608/19. ………..

Recurso de Revista Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.

I.Relatório O Ministério Público intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra: Santa Casa da Misericórdia de…………, pedindo o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a ré e a trabalhadora AA por tempo indeterminado, fixando-se a data do seu início em novembro de 2018.

Alegou para o efeito que a referida trabalhadora exerce a sua atividade de enfermeira, em condições idênticas às de uma trabalhadora vinculada por contrato de trabalho, nas instalações da ré, com equipamentos e instrumentos desta, sujeita a horário de trabalho previamente determinado pela ré, sob as ordens, orientações e instruções da diretora técnica e da enfermeira-chefe desta, recebendo como contrapartida uma remuneração horária fixa, paga com periodicidade mensal.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: Pelo exposto, julgo procedente a ação e, em consequência, reconheço a existência de um contrato de trabalho entre a ré e a trabalhadora AA, por tempo indeterminado, fixando-se a data do seu início em novembro de 2018.

A Ré, inconformada, interpôs recurso de apelação.

O Tribunal da Relação, por acórdão de 22.6.2020, proferido com um voto de vencido, decidiu nos seguintes termos: Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, absolvendo-se a Ré, Santa Casa da Misericórdia de ………… do pedido formulado pela A., Ministério Público. O MP, inconformado, interpôs recurso de revista, com as seguintes Conclusões: 1) Conforme se constata da 1ª. página do acórdão recorrido, no lugar que lhes são devidas, constam apenas duas assinaturas digitais avançadas relativamente à Exma. Sra. Juíza Desembargadora Relatora e ao Exmo. Sr. Juiz Desembargador 1º. Adjunto.

2) O modo de assinar tal peça processual, concretamente, está previsto nos termos do Artigo 663.º do CPC., cujo mecanismo legal não foi observado pela formação de juízes que nele interveio.

3) Nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. a), é cominada com nulidade a sentença que não contenha a assinatura do juiz, conforme os art.668.º-1-a), 666.º-3 e 157.º-1, todos do CPC.

4) Trata-se da omissão de um requisito externo, de forma da decisão como expressamente consta da qualificação acolhida pelo último dos referidos preceitos.

5) A omissão de assinatura pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento das partes, enquanto for possível colher a assinatura em falta - n.º 2 do art.668.º.

6) Daí que a falta da assinatura em causa, quanto ao Exmo. Desembargador que votou vencido, consubstancia uma nulidade suprível, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 2 do CPC e a qual se argui para os devidos e legais efeitos.

7) Deve, pois, este ilustre Magistrado ser convidado a suprir a nulidade de falta de aposição da sua assinatura, no lugar que se mostrar como devido e nos sobreditos termos.

8) No caso em apreço, o acórdão de 23.06.2020 desrespeitou o carácter colegial da decisão que foi prolatada.

9) Após assinaturas eletrónicas da Exma. Sra. Juíza Desembargadora Relatora e do Exmo. Sr. Juiz Desembargador 1º. Adjunto e da datação do acórdão “sub iudice”, constata-se que o Exmo. Sr. Juiz Desembargador 2º. Adjunto, que votou vencido, exarou a sua declaração de discordância em “conclusão” autónoma e em ato posterior anexo ao acórdão, ou seja, fora da peça processual principal a que se ora alude.

10) O Mmo. Juiz Desembargador que votou vencido divergiu da Exma. Relatora e seu 1º. Adjunto, não tendo podido prosseguir com a orientação por si perfilada, o que veio a fazer na mencionada “conclusão” “a posteriori”, por ter ocorrido fora do acórdão que fora prolatado e com violação da intervenção na formação do coletivo de Juízes.

11) Trata-se da não conformação do princípio da colegialidade das decisões dos tribunais, o qual se concretiza através do julgamento por um grupo de magistrados que expressam suas opiniões por meio do “acórdão”, ou seja, de uma tomada de decisão por meio de “acordo”.

12) O voto de vencido é parte integrante do acórdão, para apreciação da matéria de facto e de direito e o que influi na decisão da causa, enquanto seu elemento essencial, sob pena de ocorrer grave violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que circunscrevem o respetivo conteúdo e limites, sob pena de ocorrer a sua nulidade, nos termos do art. 615.º nº. 1 al. c) do CPC.

13) Consequentemente, o dito “voto de vencido” não integra, nem formal, nem materialmente, o acórdão ora recorrido é causa de nulidade insanável do julgado por não ter sido observado o mecanismo, previsto no artigo 663º. Nº. 1.

14) Esta nulidade é insuprível por via de recurso de acordo com o disposto no artigo 684º. nº 2 e que se invoca nos sobreditos termos e para os devidos efeitos.

15) O Tribunal da Relação analisou e apreciou o recurso sobre a matéria de quanto ao ponto 4 (da matéria provada na 1ª. instância), sendo passível de correção oficiosa, temos que foi excedido o proposto pela recorrente, que desse modo se conformaria com o que consta dos pontos 20 e 21 (este na redação inicial), dos factos dados como provados e não impugnados pela recorrente.

16) O ponto 18 (idem) mostra-se corretamente julgado e sem que haja motivo para alteração de sua redação, conforme o que se depreende das considerações que sobre ele e a seu respeito foram tecidas no aresto, para desse modo ser compatível com o antecedente ponto 4.

17) O ponto 5 da matéria não provada em 1ª. instância, também, foi corretamente julgado, sem que contrarie os antecedentes pontos 4 e 5 dados como provados, pelo que, não tem sustentação o aditado ponto 28.

18) O ponto 6, a par do eliminado ponto 7 (ambos não provados, idem), foi corretamente ponderado, tal como se evidencia do que a seu respeito se mencionou, sendo que o sugerido ponto 29 tem carácter “ex novo”, por não haver sido alegada factualidade adequada, em sede de contestação, não sendo atendível nos termos do artigo 72.º do CPT, na redação dada pela Lei n.º 107/2019, de 09.09, por não discutido em audiência de julgamento.

19) Quanto ao ponto 12 (idem), não há motivo para proceder à impugnação pretendida pela recorrida, com aditamento do facto 30, que se mostra conclusivo e ao arrepio do que vem proposto.

20) Os pontos aditados – 28 a 30 – que nada acrescentam com interesse para a matéria factual, estão correlacionados com antecedentes pontos nº.s 8, 18 (alterado), 21 e 22, os quais espelham a realidade laboral estabelecida entre a aqui recorrida e a representada do Mº. Pº. e sem que haja sido solicitada proclamação no sentido ora decidido no acórdão “sub iudice”.

21) Os factos alegados na contestação não permitiam a este Tribunal uma pronúncia como a que foi emitida, sendo que a decisão proferida em matéria de facto alargou o âmbito da relação contratual e sem que haja sido formulado pedido nesse sentido.

22) Este Tribunal excedeu os seus poderes de cognição, procedendo como que a um novo julgamento da matéria de facto, ao ter conhecido de matéria sobre a qual não foi chamado a decidir e o que patenteia um erro jurídico.

23) Do exposto resulta que que este Tribunal “a quo” violou a lei substantiva e a lei de processo ao emitir pronúncia sobre questões que lhe estava vedado apreciar e o que causa de nulidade do acórdão - cf. artº.s 609.º n.º 1 e 615.º nº 1 al. e), ambos do CPC.

24) A situação de facto da aqui trabalhadora representada pelo MºPº. (sempre como autor nesta e noutras ações) foi tratada nos acórdãos proferidos nos processos Nºs. 2600/19.6T80AZ.P1 e 2604/19.3T80AZ.P1, com confirmação das sentenças recorridas que transitaram em julgado, sob pena de violação do artº. 8º. Nº, 3 do Código Civil, caso venha a ser confirmado o acórdão destes autos.

25) O MPº., nos termos do artº. 342º. Nº.1 do Código Civil, logrou provar factos que, analisados no seu conjunto, se enquadram nas al.s a), b) (aceites na tese do acórdão recorrido), c) (parcialmente aceite) e d), do art. 12°. do Código do Trabalho, os quais se mostram bastantes para qualificar a relação contratual nos termos por si pretendidos.

26) Tendo em consideração as alíneas a) a d) do artº12º. do Código do Trabalho em vigor, para o caso em apreço, resulta que as presunções nele contidas são meramente exemplificativas, em ordem a ser suposta a existência de um contrato de trabalho autónomo, bastando a comprovação de duas delas para que o contrato seja configurado como de trabalho e sem que a recorrida tenha afastado a presunção juris tantum que sobre si recai, nos termos do art. 350.º, n.º 2, do Código Civil.

27) Da factualidade apurada, o serviço da trabalhadora nas valências das instalações próprias da recorrida é prestado mediante sua subordinação jurídica, traduzida no poder do empregador conformar, através de diretivas e instruções, a prestação a que se obrigou, em organização integrada e à qual pertencem todos os instrumentos e equipamentos de trabalho por si utilizados, no âmbito de um acordo de cooperação para prestação direta de serviços de enfermagem aos utentes da recorrida.

28) Está sujeita a horário de trabalho definido em sistema de turnos rotativos, com a...

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