Acórdão nº 939/16.1T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Outubro de 2021

Data28 Outubro 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

I - Relatório A Autora propôs ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo que os Réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 695.000,00, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 110.396,73, e vincendos, desde a data da propositura da ação até efetivo e integral pagamento.

Baseou este pedido na alegação dos seguintes factos: - Em 2.1.2013, a Autora, na qualidade de vendedora/cedente, e a R., na qualidade de compradora/cessionária, celebraram contrato de compra e venda de 34000 ações da Plateau – Engenharia do Ambiente, SGPS, AS, de que aquela era dona, e de cessão de crédito ao reembolso de suprimentos, pelo preço de € 1.445.000,00, tendo o Réu intervindo na qualidade de garante do cumprimento das obrigações pela Ré, e assumindo a posição de garantes do cumprimento das obrigações da Autora, BB e CC.

- Nos termos do contrato, o preço deveria ser pago em 6 prestações, que se venciam até 30.6.2013, o que a Ré não cumpriu, tendo sido celebrado, em 14.2.2014, um acordo de prorrogação de prazo de pagamento do preço, no qual a Ré se reconheceu devedora à A. de € 695.000,00, a pagar até 30.6.2014, devendo acrescer a esse valor juros de mora até efetivo e integral pagamento, o que a Ré não cumpriu, nada mais tendo pago até à data da propositura da ação, não obstante instada para o efeito.

Os Réus contestaram, concluindo pela sua absolvição do pedido e formulando os seguintes pedidos reconvencionais: a) o contrato celebrado entre a A. e os RR. ser declarado nulo; b) os Reconvindos Keycapital S.A., BB e CC, ser condenados solidariamente a restituírem à R. 811.146,47€, acrescidos de juros de mora calculados desde a notificação da reconvenção até efetivo e integral pagamento; ou c) os Reconvindos Keycapital S.A., BB e CC, serem condenados a entregar 34.000 ações nominativas representativas do capital social da sociedade Plateau – Engenharia do Ambiente correspondentes a 17% do capital social da referida sociedade, bem como a promoverem todos os atos de registo necessários ao exercício dos direitos sociais junto da sociedade, devendo igualmente abster-se de praticar quaisquer atos que afetem a propriedade dos RR. sobre as referidas ações; d) os Reconvindos Keycapital S.A., BB e CC, serem condenados solidariamente a pagar aos RR. o montante global de 2.819.606,40€ acrescidos de juros de mora calculados desde a notificação da reconvenção até efetivo e integral pagamento.

Deduziram ainda incidente de intervenção provocada de BB e CC para contestarem os pedidos reconvencionais contra eles formulados.

Os Réus alegaram na contestação apresentada, além do mais, a nulidade do contrato celebrado com a Autora, por inobservância da forma imposta por lei.

A Autora replicou, pugnando pela improcedência dos pedidos reconvencionais.

Foi deferido o incidente de intervenção principal deduzido pelos Réus e admitidos BB e CC a intervir na ação como reconvindos, os quais, citados, contestaram, invocando a sua ilegitimidade, a ineptidão parcial da PI de reconvenção, e terminam pedindo a procedência da exceção de ilegitimidade invocada, e a sua consequente absolvição da instância; caso assim não se entendesse, pediram a procedência da exceção de ineptidão parcial da reconvenção por falta de causa de pedir, e a sua consequente absolvição da instância nessa parte; e, em todo o caso, a improcedência dos pedidos reconvencionais.

Foi proferido despacho saneador que decidiu que, no que respeita ao pedido reconvencional de entrega das 34.000 ações da Plateau, havia uma contradição entre a causa de pedir e o pedido, e julgou improcedente a exceção de ilegitimidade invocada pelos intervenientes principais.

Realizou-se audiência de julgamento que tendo sido proferida sentença que julgou: - a ação parcialmente procedente e consequentemente condenou os Réus a pagar à Autora a quantia de € 695.000,00 a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos até 13 de Janeiro de 2016, no valor de € 96.091,84, bem como os vencidos e vincendos, à taxa de juros comerciais, desde essa data até efetivo e integral pagamento e absolveu os Réus do pagamento de € 14.304,89, a título de juros de mora vencidos.

- os pedidos reconvencionais improcedentes e, consequentemente, absolveu os Reconvindos dos pedidos contra si formulados.

Os Réus recorreram desta decisão, tendo o recurso sido julgado parcialmente procedente, pelo acórdão da Relação ...... de 23.02.2021, que condenou os Réus a pagarem à Autora apenas a quantia de € 665.000,00 a título de capital, acrescida de juros de mora, à taxa de juro comercial, sobre o montante de € 695.000,00, vencidos desde 1.2.2014 até 9.3.2015, inclusive, e sobre o montante de € 665.000,00, vencidos desde 10.3.2015 até integral pagamento, mantendo, no demais, a decisão recorrida.

Os Réus interpuseram para o Supremo Tribunal de Justiça recurso de revista excecional desta decisão, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo, relativamente à questão a decidir no presente recurso: I - S.m.o, tem relevância jurídica e carece de análise para uma melhor aplicação do Direito, a questão de se apurar se os requisitos referidos no CVM para a transmissão das ações nominativas, contrato de compra e venda, consubstanciam, ou não, requisitos de forma do contrato transmissivo, pelo que a sua falta determinará, conforme consagrado no artigo 220º do CC, a nulidade do contrato celebrado.

II - Entendimento que foi sufragado, nomeadamente, pelo Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.1058/05, de 06/10/2005, em que foi Relator o Senhor Conselheiro Abílio de Vasconcelos.

III - Entende a ora recorrente, conforme se defendeu naquele douto Arresto, que, nos termos do disposto nos artigos 101º e 102º do CVM e 220º do C. Civil, a transmissão de ações nominativas, fora do mercado bolsista, exige como requisito de validade do negócio, a declaração no título, registo na conta do adquirente ou Registo nos livros da sociedade.

IV - O Artigo 101º do CVM estipula claramente uma forma especial de transmissão: “declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário.” Estamos perante claras exigências “formais” de validade do contrato, formalidades ad substanciam, constitutivas, essenciais para que a transmissão da participação social ou das ações ocorra.

V - Os requisitos referidos no CVM para a transmissão de ações nominativas consubstanciam requisitos de forma do contrato transmissivo, pelo que a sua falta determina, conforme se encontra consagrado no artigo 220º do C. Civil, a nulidade do contrato celebrado.

VI - As normas constantes do CVM relativas à transmissão de valores mobiliários são normas especiais e, neste sentido, prevalecem sobre o regime consagrado no C. Civil, afastando o princípio da liberdade de forma consagrado no artigo 219º do C. Civil.

VII - Assim, e sempre com o devido respeito por opinião diversa, o Tribunal de 1ª instância e o Venerando Tribunal da Relação ..... ao decidirem como decidiram violaram os Artigos 101º, 102º e 104º do CVM, 219º, 220º do C. Civil.

...

A Autora e os Intervenientes apresentaram contra-alegações, pronunciando-se pela inadmissibilidade do recurso.

A Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, proferiu acórdão, em 22.06.2021, que admitiu o recurso de revista excecional, relativamente à questão da nulidade do contrato, por inobservância da forma exigida por lei.

* II – Objeto do recurso Tendo em consideração as conclusões das alegações de recurso, o conteúdo da decisão recorrida e a limitação da matéria a conhecer, efetuada pelo acórdão da Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a questão a apreciar é a da alegada nulidade do contrato celebrado entre a Autora e os Réus, por inobservância da forma exigida por lei.

III – Os factos: Neste processo encontram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão deste recurso: 1.

Em 2 de Janeiro de 2013, a Autora KEYCAPITAL, SGPS, LDA., na qualidade de Primeira Contratante ou Vendedora, BB, na qualidade de Primeiro Garante da Vendedora, CC, na qualidade de Segundo Garante da Vendedora, a 1ª Ré BRAINTHINK, SGPS, UNIPESSOAL, LDA., na qualidade de Segunda Contratante ou Compradora e o 2º Réu AA, na qualidade de GARANTE DA COMPRADORA subscreveram um escrito, denominado “CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ACÇÕES E DE CESSÃO DE CRÉDITO AO REEMBOLSO DE SUPRIMENTOS”, com o seguinte teor: “(...) Considerando que: a) Os Garantes da Vendedora são donos e legítimos possuidores das ações representativas de 100% (cem por cento) do capital social da sociedade Vendedora; A Vendedora é dona e legítima possuidora de 34.000 (trinta e quatro mil) ações (AÇÕES PLATEAU), cujos títulos representativos se acham discriminados no Anexo III ao presente contrato) com o valor nominal de €1,00 (um euro) cada, representativas de 17% (dezassete por cento) do capital da PLATEAU - ENGENHARIA DE AMBIENTE, SGPS S.A., com sede (...), com o capital social de €200.000,00 (duzentos mil euros), matriculada (...), de ora em diante também designada PLATEAU SGPS (anexo IV ao presente Contrato).; A Vendedora é titular do crédito ao reembolso do valor de €1.049.500,00 (um milhão quarenta nove mil e quinhentos euros) que prestou de suprimentos à PLATEAU SGPS, crédito este cujo valor e natureza se...

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