Acórdão nº 0362/20.3BEMDL-S1 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução04 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1.

A……………, SA. - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 18 de junho de 2021, que revogou a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Mirandela, de 14 de março de 2021, que, no âmbito de uma ação de contencioso pré-contratual proposta pela Recorrente contra a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL – SA, indeferiu o pedido formulado pela entidade demandada de levantamento do efeito suspensivo automático, tendo, em sua substituição, decidido julgar procedente aquele pedido.

  1. Nas suas alegações, a Recorrente formulou, com relevo para a presente decisão, as seguintes conclusões: «XI. O Acórdão recorrido revogou a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que ordenou a manutenção do efeito suspensivo automático dos Lotes aqui impugnados.

    1. No entanto, é nulo o referido Acórdão por quanto o mesmo não conhece – como deveria – todos os factos de que devesse conhecer, designadamente o alegado pela Recorrente em Resposta ao Parecer do Ministério Público, que aquele Tribunal não considerou.

    2. É que, naquela resposta, a Recorrente alegava a existência das duas decisões contraditórias ao sentido decisório deste aresto agora recorrido, e tais decisões não constam se quer ponderadas na decisão.

    3. Ora, nos termos do disposto no n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do artigo 1.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, é nula a sentença quando: «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

    4. E tal omissão originou a violação pelo Tribunal a quo de princípio essenciais, como o princípio do contraditório e o princípio da proibição da indefesa, previstos no artigo 3.º do Código de Processo Civil e no artigo 20.º número 4 da Constituição da República Portuguesa, respetivamente, o que prejudicou irremediavelmente a Recorrente.

    5. Na verdade, a garantia de acesso aos tribunais e a possibilidade de reação contra determinados vícios da decisão jurisdicional, são corolários do Estado de Direito, sendo constitucionalmente consagrada a plenitude de acesso à jurisdição e os princípios de juridicidade e da igualdade.

    6. E esta omissão resulta apenas da desconsideração dos fundamentos alegados pela Recorrente naquela Resposta, mas sim a denegação de uma pretensão processual ali formulada.

    7. E é por isso que, ao transpor para a sua decisão os fundamentos alegados no Parecer pelo Digníssimo Ministério Público sem considerar a defesa apresentada pela Recorrente e o peticionado na sua resposta, a decisão do TCAN está enfermada por um vício que conduz à sua nulidade.

      POR OUTRO LADO, XIX. Concluiu o Tribunal a quo que, a manter-se a suspensão dos atos, a Entidade Demandada/Recorrida se via impossibilitada de cumprir as suas obrigações de limpeza das faixas de gestão de combustível exigidas ao abrigo do SDFCI, e que tal impossibilidade era geradora de um risco gravemente prejudicial para o interesse público, o que sustentou a sua decisão de levantamento do efeito suspensivo automático daqueles atos.

    8. Sucede que, tal decisão viola frontalmente a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de Primeira Instância e que não foi alterada pelo Tribunal Recorrido.

    9. Porquanto, no ponto 5 dos factos provados resulta inequívoco que a Entidade Demandada/Recorrida executa as mencionadas tarefas ao abrigo de outros contratos em vigor e/ou cujos procedimentos se encontram em curso.

    10. É que, o que decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, foi exatamente que: «(…) através da junção de outros contratos celebrados e de anúncios de outros procedimentos igualmente lançados pela Entidade Demandada neste âmbito, dos quais resulta serem, de facto, contempladas, noutros instrumentos contratuais, alguns dos quais ainda vigentes, as atividades ambientais cuja execução se pretende salvaguardar através do levantamento do efeito suspensivo automático (cfr. ponto 5 do probatório).» XXIII. E adiantou aquele Tribunal na sua fundamentação que os contratos em questão se «encontram configurados, na própria fundamentação da decisão de contratar, como um complemento e um incremento [aumento/desenvolvimento] do modelo de gestão implementado e dos trabalhos já contratualizados e executados ou a executar pela Entidade Demandada e não como instrumento exclusivo de execução da atividade em questão (…)» XXIV. Pelo que, não alterando o TCAN a matéria de facto dada como provada, como não alterou, não podia nem pode concluir como concluiu.

    11. Designadamente, não pode entender o TCAN que a Recorrida não pode executar as atividades ambientais previstas no SDFCI por outros meios que não os deste Concurso, quando resulta provado, que está a executá-las e vai executá-las ao abrigo de outros contratos que se encontram especificados naquele ponto da matéria de facto.

    12. Dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil que é nula a decisão quando: «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.» XXVII. E como bem decidiu o Supremo Tribunal Administrativo: «A nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão, que é prevista na alínea c), do nº1, do artigo 615º do CPC, verifica-se quando há um vício na lógica-jurídica que presidiu à respetiva construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam, logicamente, num certo sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso;» XXVIII. E foi exatamente isso que ocorreu nos autos vertentes – por um lado, o TCAN não indica quais os factos provados que sustentam a sua decisão, e, por outro lado, os factos que estão provados nos autos levam-nos inelutável e logicamente, a uma decisão em sentido absolutamente contrário ao decidido.

    13. A contradição é latente e inegável, e por isso o Acórdão recorrido enferma de nulidade nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

      ACRESCE AINDA QUE, XXX. O Tribunal a quo incorreu ainda num grave erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação do Decreto-lei 124/2006 que institui o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios, na medida em que sustentou, entre o mais, que, após a entrada no dia 1 de julho, correspondente ao primeiro dia do «período crítico», não mais poderão ser realizados trabalhos nos termos do definido no Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, sistema este aprovado pelo Decreto-lei 124/2006.

    14. O que é falso, na medida em que estamos perante um procedimento tendente à celebração de um contrato plurianual, tal como o é o Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios.

    15. Conforme resulta do artigo 8.º do Decreto-lei 124/2006 de 28 de junho, nos seus números 1 e 2: «1 - O PNDFCI define os objetivos gerais de prevenção, pré-supressão, supressão e recuperação num enquadramento sistémico e transversal da defesa da floresta contra incêndios.

      2 - O PNDFCI é um plano plurianual, de cariz interministerial, submetido a avaliação bianual, e onde estão preconizadas a política e as medidas para a defesa da floresta contra incêndios, englobando planos de prevenção, sensibilização, vigilância, deteção, combate, supressão, recuperação de áreas ardidas, investigação e desenvolvimento, coordenação e formação dos meios e agentes envolvidos, bem como uma definição clara de objetivos e metas a atingir, calendarização das medidas e ações, orçamento, plano financeiro e indicadores de execução.» (negrito e sublinhado nossos).

    16. Todos os serviços contemplados neste procedimento prevêem uma abrangência trienal, e podem inclusivamente ser prestados durante o período crítico, porque durante este período, as entidades mencionadas no n.º 3 do artigo 2.º do mesmo Decreto-lei não estão impedidas e/ou proibidas de executar as mencionadas tarefas de ceifa e limpeza, corte seletivo de vegetação, poda e abate de árvores e arbustos, tratamentos fitossanitários e de controlo de plantas invasoras que refere o Digníssimo Ministério Público.

    17. Conforme resulta do artigo 3.º número 1 alínea bb), o «Período crítico», é o período durante o qual vigoram medidas e ações especiais de prevenção contra incêndios florestais, por força de circunstâncias meteorológicas excecionais, mas nessas medidas não está a proibição de execução das tarefas incluídas neste procedimento de contratação, designadamente as operações de limpeza a que se refere a decisão recorrida, mas sim a obrigação de tomar medidas de prevenção extraordinárias na execução das tarefas.

    18. Pelo que, alegar que a esta data já nada pode fazer a Recorrida por estarmos – na data da prolação da decisão recorrida – em meados de junho, é falso, e resulta de uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

      ALÉM DISSO, XXXVI. O TCAN fundamenta a sua decisão no facto de ser «facto notório não carecendo por isso de alegação e prova, que a manutenção do efeito suspensivo automático levará que apenas se poderá fazer essa limpeza nos 3 metros que marginam eixos rodoviários, o que, é insuficiente para acautelar os riscos de incêndio com as já enunciadas consequências para a vida, a saúde e o património da comunidade (…)» XXXVII. No entanto, e ainda que os Digníssimos Magistrados que proferiram o Acórdão Recorrido fossem dotados de conhecimentos técnicos extraprocessuais sobre a Defesa da Floresta contra Incêndios, sobre o perímetro que há-de ser limpo, ou sobre as normais impostas acima do comum, ainda assim, os factos alegados nunca poderiam ser factos públicos e notórios, porque resultam de conclusões formuladas pelo Tribunal perante os factos que foram...

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