Acórdão nº 1835/12.7BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 03.10.2014, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por J. R. P.

    (doravante Recorrido ou Oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 3492200901006126 e apensos, que o Serviço de Finanças (SF) de Loures 4 lhe moveu, por reversão de dívidas de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) – retenções, dos anos de 2008 a 2010, e coimas, da devedora originária C. e M. A. O., Lda.

    O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos, após aperfeiçoamento: “1. In casu, sempre com o devido respeito, bastaria que fosse dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos artigos 24.°, al. b), art. 15.° e 29.° todos da LGT; artigos 38.°, 54.°, 55°, 57.°, 59.°, 81.°, 141.°, 146.°, 155.° e 234 . todos do CIRE: artigos 9.°. al. l) e 11.° do CRComercial: artigos 141.°, 146.°, n.° 1 e n.° 2,160.° e 161.°, todos do CSComerciais, entre outros, 2. assim como ao teor do documento n.° 5 dos autos de execução fiscal conjugadamente com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais superiores para que, perfunctoriamente, se pudesse aquilatar pela improcedência da Oposição aduzida pelo Recorrido/Oponente, maxime, para que melhor se pudesse aferir pela improcedência da pretensão do Oponente no que tange ao Processo de Execução Fiscal n.° 3492200901006126.

    1. Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, o acervo probatório desconsiderado (doc. n.° 5 supra referido), a matéria de facto que foi elencada como não provada, com os demais elementos comprovantes constantes dos autos, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

    2. A predita vicissitude, foi mutatis mutandis, causa adequada, para que fosse alvitrada pelo areópago recorrido, uma errada valoração do acervo probatório documental constante dos autos, a sua falta de valoração e consequentemente, a errada interpretação e aplicação do direito aos factos do caso vertente, mormente do preceituado nos artigos 24.°, al. b), art. 15.° e 29.° todos da LGT; artigos 38.°, 54.°, 55.°, 57.°, 59.°, 81.°, 141.°, 146.°, 155.° e 234, todos do CIRE; artigos 9.°, al. I) e 11.° do CRComercial; artigos 141.°, 146.°, n.° 1 e n.° 2, 160.° e 161.°, todos do CSComerciais, entre outros.

    3. Ora, um administrador de insolvência, quando é nomeado perante um processo de insolvência, vem assumir-se como um representante legal da sociedade, até à sua efectiva extinção.

    4. Consequentemente, o Administrador de Insolvência, no âmbito daquela nomeação, na qualidade de representante legal da sociedade, assume e aceita que no exercício das funções processuais que lhe estão inerentes, actue com a natural diligência de um gestor criterioso, conforme o plasmado no art. 59.° do CIRE.

    5. Aliás, ressalta do vertido no art. 146, n.° 2 do CSC, a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e continuam-lhe a ser aplicáveis os dispostos que regem as sociedades não dissolvidas com a continuidade de sujeito passivo de IRC e de IVA, até à sua extinção por liquidação e dissolução.

    6. Pelo que, sendo consabido que a sociedade mantém a sua personalidade jurídica, e o administrador de insolvência assume o papel de representante da sociedade até à sua efectiva extinção, entre as competências legais que lhe estão adstritas, estão as obrigações declarativas e o apuramento e pagamento da prestação tributária.

    7. Deste modo, resulta à evidência que é de imputar ao administrador de insolvência as responsabilidades pelo incumprimento dessas obrigações durante aquele período (de representação da sociedade), o que no caso sub judice ocorre desde a data da nomeação do Oponente, nos termos do consignado no art. 24.°, n.° 1, al. b), como responsável subsidiário, em conjugação com o art. 59.° do CIRE.

    8. Em bom rigor, o administrador da insolvência, durante o período do exercício do cargo, é titular dos poderes de gestão e disposição, da mesma forma que os normais gerentes, com a agravante de receberem a responsabilidade de gerir um património em situação particularmente vulnerável e cujo estado geral de incumprimento é mais apto a causar prejuízos aos credores.

    9. O art. 81.° do CIRE é claro ao determinar que os poderes de administração e disposição passam para o administrador da Insolvência. Aliás, os deveres cometidos por lei ao administrador, mormente nos arts. 55.° e 59.° do CIRE, vão no sentido de actuar com a diligência de um administrador criterioso e ordenado.

    10. Acresce ainda que, a administração da massa insolvente, tal como configurada na lei, parece-nos ser subsumível à gerência de direito, sendo inclusivamente sujeita a registo comercial em termos idênticos ao desta, conforme decorre dos arts. 38.° e 57.° do CIRE e art. 9.°, al. I) do Código do Registo Comercial.

    11. Pelo que, a entender-se assim, a actividade do Administrador de Insolvência entra no campo de aplicação do n.° 1 do art. 24.° da LGT - administradores.

    12. Em relação a alguém que exerce administração de direito, como é o caso do administrador de insolvência, há uma correlação muito mais estreita com a efectiva detenção de poderes, in casu, melhor será dito de “poderes-deveres”, de disposição e administração.

    13. Ao exercício de funções de administração, a lei faz corresponder a presunção de culpa pelo incumprimento daquelas obrigações cujo termo do prazo de pagamento ocorra dentro do período do exercício do cargo.

    14. O ora oponente/recorrido, em sede de audição prévia, veio juntar ao processo, como doc. 5..

      um relatório elaborado nos termos do art. 155.° do CIRE, do qual consta a informação de não terem sido apreendidos os documentos contabilísticos da insolvente porque, mantendo-se a empresa em actividade, torna-se necessário ter a contabilidade actualizada e cumprir as obrigações declarativas fiscais.

    15. Pelo que, se o ora oponente/recorrido tinha consciência de que era necessário cumprir obrigações fiscais, deveria ter, pelo menos, tentado obter uma identificação mais cabal da TOC para poder verificar se as mesmas estavam efectivamente a ser cumpridas.

    16. Seria a atitude expectável por parte de um administrador criterioso e ordenado (art. 59.° do CIRE).

    17. Efectivamente, assumir a responsabilidade e diligência de um administrador de insolvência, dando cumprimento às suas legis artis, seria, nomeadamente, informar-se junto dos serviços da Administração Fiscal sobre a situação tributária da insolvente.

    18. Pois que, daquela forma, poderia o oponente/recorrido tomar conhecimento da acumulação de dívidas fiscais pela insolvente e da comissão, por omissão de infracções ficais.

    19. Nesta senda, quase que emerge de tal constatação factual, um “certo conformismo” por parte do oponente com o incumprimento daquelas obrigações tributárias, estando ele na veste de responsável legal pela sociedade insolvente.

    20. Outrossim aquele arremedo de juízo sobre a negligência evidenciada pelo ora oponente/recorrido é necessário para saber se teria sido ilidida a presunção de culpa feita na al. b) do n.° 1 do art. 24.° da LGT, uma vez que a lei presume que é imputável aos administradores o incumprimento das dívidas tributárias, cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado durante o período do exercício do seu cargo.

    21. E, se essa presunção é ilidível, afigura-se-nos que os elementos de prova carreados pelo recorrido não vão no sentido de dar cumprimento àquela ilisão e consequentemente, naufraga o ensejo do mesmo no sentido de afastar a responsabilidade subsidiária plasmada na lei com presunção de culpa.

    22. Como é sabido, a insolvência de uma sociedade comercial não é sinónimo da sua extinção a qual ocorre somente aquando do registo do encerramento da liquidação (cfr. art. 160.°, n.° 2 do CSC) 25.

      É certo que a declaração de insolvência é causa de dissolução imediata (cfr. art. 141.° do CSC) todavia a sociedade dissolvida entra em liquidação de acordo com o plasmado no art. 146.°, n.° 1 do CSC.

    23. A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e continua a ser-lhe aplicável, mutatis mutandis, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas (n.° 2 do citado art. 146.° do CSC).

    24. Nesta senda, o art. 161.° do CSComerciais prevê expressamente a possibilidade de regresso à actividade da sociedade em liquidação.

    25. Neste sentido, também a melhor doutrina fiscal defende que a sociedade em liquidação não está extinta e pode retomar pela vigência (vide Lei Geral Tributária, comentada e anotada, Diogo Leite Campos, pág. 169) 29.

      De referir que o próprio CIRE estabelece taxativamente que a sociedade considera-se extinta somente com o registo do encerramento do processo após rateio ou no termo do procedimento administrativo de dissolução e liquidação, podendo o plano de insolvência prever a continuidade da sociedade (cfr.

      art. 234.° do CIRE).

    26. Assim, a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e mantém a personalidade tributária, uma vez que esta consiste na susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias (art. 15° da LGT).

    27. Atente-se ao sufragado no teor do art. 65.° do CIRE, na redacção dada pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, para o qual remetemos na íntegra.

    28. Pelo que, é a própria lei e não somente a doutrina administrativa que parece ser clarividente no sentido de se manterem as obrigações fiscais da insolvente após a declaração de insolvência e a responsabilidade do administrador pelas mesmas, em caso de incumprimento.

    29. Em face do supra exposto, parece ser de rejeitar por completo o entendimento de que a declaração de insolvência equivale à...

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