Acórdão nº 830/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução27 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 830/2021

Processo n.º 937/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é reclamante A. e reclamada a B., S.A., a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal no dia 14 de julho de 2020, que julgou improcedente a apelação interposta pela recorrente, mantendo a decisão da 1.ª instância que julgou improcedente a sua oposição à execução por embargos e determinou o prosseguimento da execução para pagamento da quantia exequenda.

2. A ora reclamante recorreu daquela decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu o recurso. Interpôs então recurso de constitucionalidade, com o seguinte teor:

«(...)

As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie são, no sentido em que foram interpretadas e aplicadas no Processo, os artigos 703º, nº 1, alínea b, 707º, 734º), alínea d) do nº 1 do artigo 552º, alínea b) do artigo 572º, conjugados com o nº 1 do art. 423º, todos do Código de Processo Civil (CPC);

Considera-se que são violados o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o princípio constitucional do direito ao processo equitativo;

As peças processuais em que a Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade são o Recurso de Apelação (vide páginas 3 e 11, bem como Conclusão 11a na página 14 e Conclusão 37a nas páginas 18/19) e o Recurso de Revista (vide páginas 8 e 9/10, bem como Conclusões 23a a 25a nas páginas 13/14 e Conclusões 30a a 33a nas páginas 15/16).

Nos presentes autos está em causa o exercício pela Recorrente do direito de defesa, na medida em que a B. (B.), Exequente e aqui Recorrida, nunca lhe deu a conhecer os elementos a tal necessários.

Com efeito, desde que em 2009 a B. começou a dizer que havia dívidas em atraso, nunca lhe disse a que meses e prestações se reportavam tais (alegadas) dívidas - antes se limitava a indicar valores genéricos, até variáveis e mesmo contraditórios consoante as datas das comunicações.

Nem no Requerimento Executivo quando intentou em Tribunal a ação executiva, de que estes Embargos são apenso, a B. indicou esses elementos, antes continuou a indicar valores genéricos e prestações balizadas temporalmente em início e fim, mas sem a devida objetivação das prestações e quantias em concreto.

Tudo isso está demonstrado e comprovado nos autos.

Sucede, porém, que nos autos se vem considerando suficiente a indicação desses elementos dessa forma, e se entende desnecessária a indicação das prestações concretas alegadamente em atraso e dos valores em dívida de cada uma delas.

Desde início a Recorrente entende que o seu direito de defesa está, com isso, iniludivelmente prejudicado, o que já antes foi causa impeditiva de acordo pré-judicial e agora também foi motivo inviabilizador da sua defesa judicial.

Sucede ainda que, estando clausulado nos contratos de mútuo dos empréstimos que o extrato de conta é um dos elementos necessários para a exigência judicial dos créditos "em qualquer processo" (sendo assim expressamente integrante do título executivo), tal documento não integra o título executivo dado à execução nos presentes autos.

Por outro lado, a junção de documentos ao Requerimento Executivo não substitui a não alegação de factos, pelo que não pode essa junção suprir falta de alegação de matéria factual - o que aliás, nem sequer assim teria utilidade, já que esses documentos juntos também são insuficientes quanto aos elementos exigidos, por também aí faltar o extrato da conta.

A Recorrente considera que os preceitos legais atrás referidos, que regulam as matérias em causa, quando interpretadas no sentido em que o foram nestes autos, restringem de forma inadmissível o princípio da tutela efetiva, do processo equitativo, e o seu direito de defesa.

Assim, por via do presente Recurso pretende a Recorrente ver apreciada a (in)constitucionalidade das normas postuladas nos artigos 703º, nº 1. alínea b, 707º e 734º, todos do CPC, quando interpretadas no sentido de que a falta do extrato de conta do empréstimo, documento previsto no contrato de empréstimo, não acarreta a nulidade do título executivo,

e/ou no sentido de que a não informação à Recorrente das concretas prestações em atraso e/ou os incumprimentos em que alegadamente incorreu - o quê, quanto e quando não cumpriu, aliás elementos do extrato de conta - não constitui elemento essencial ao seu direito de defesa, que assim ficou impossibilitada de exercer,

por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, do direito de defesa, do direito ao processo equitativo, constantes em particular do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, e do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Bem como se pretende ver apreciada a (inconstitucionalidade da alínea d) do nº 1 do artigo 552º, alínea b) do artigo 572º, conjugados com o nº 1 do art. 423º, todos do CPC, igualmente por violação do direito ao processo equitativo constante do art. 20º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretadas no sentido de que a falta de alegação de factos essenciais no Requerimento Executivo e na Contestação pode ser suprida por documentos juntos, e/ou no sentido de que a falta de indicação dos elementos referentes às alegadas importâncias em atraso, a que prestações se referem, se são prestações totais ou parcelares, a que meses se referem, etc., não constitui elemento essencial ao seu direito de defesa, o qual assim ficou impossibilitada de exercer.

O presente Recurso tem efeito útil para a decisão da causa, já que a sua procedência determinará a anulação das decisões proferidas no Processo, em particular da douta sentença e do também douto Acórdão da Relação de Lisboa, com as devidas consequências.

Por ser essencial e se mostrarem reunidos todos os requisitos, deve o presente Recurso ser admitido para apreciação das questões de inconstitucionalidades suscitadas.

O que se requer.»

3. O recurso de constitucionalidade não foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça, com base na seguinte fundamentação:

«Notificada para esclarecer qual a decisão da qual interpunha recurso, a Recorrente informou que pretendia interpor recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e do último acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade é requisito essencial ao seu conhecimento que as normas impugnadas tenham integrado a ratio decidendi da decisão recorrida.

Ora, o último acórdão proferido em conferência no Supremo Tribunal de Justiça, em 13.04.2021, limitou-se a constatar que já existia uma decisão anterior que havia decidido que existia uma situação de dupla conforme que impedia a admissibilidade da revista comum, não tendo, por isso, admitido a revista interposta pela Executada. Na sua fundamentação não aplicou as interpretações normativas que a Recorrente vem arguir de inconstitucionais, pelo que não se mostra preenchido o referido requisito essencial ao acesso pela recorrente ao Tribunal Constitucional.

Assim, não integrando as interpretações normativas a ratio decidendi do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 13.04.2021, não pode o recurso desta...

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