Acórdão nº 825/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução27 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 825/2021

Processo n.º 299/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Juízo do Trabalho da Covilhã, Comarca de Castelo Branco, em que é recorrente A. (Portugal), S.A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante «LTC»), da sentença proferida por aquele Tribunal, em 22 de novembro de 2019, que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pela ora recorrente, confirmando assim a respetiva condenação na coima única de € 2.000, pela prática de uma contraordenação prevista no artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, e de outra prevista no artigo 7.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, no primeiro caso por não ter procedido à verificação periódica de uma rebarbadora elétrica manual e, no segundo, por não ter apresentado qualquer documento comprovativo, quer da verificação periódica de tal equipamento, quer da verificação extraordinária a que o mesmo foi sujeito na sequência de acidente de trabalho ocorrido no contexto da respetiva utilização, cujo resultado permitiu concluir pela ausência de qualquer anomalia ou mau funcionamento.

2. Inconformada, a recorrente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra, invocando o disposto no n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.

Por despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância em 10 de fevereiro de 2020, o recurso não foi admitido.

3. A recorrente interpôs, então, recurso para este Tribunal através de requerimento com o seguinte teor:

«A. (Portugal), S.A., Arguida nos autos à margem referenciados, notificada do despacho que se pronuncia pela não–admissão do recurso por si interposto da sentença proferida, por considerar não se justificar a aplicação do disposto no artigo 49.º, n.º 2, do Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social, vem, pelo presente, nos termos dos artigos 280.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, 70.º, n.º 1 e n.º 2, 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 2, 75.º e 78.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, em especial no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), deste diploma legal, interpor recurso da aludida sentença para o Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo (por se encontrar prestada caução) e subida imediata nos próprios autos, por aplicação, por parte do douto Tribunal, da norma prevista no n.º 2, do artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de janeiro, conjugada com o n.º 2, do artigo 43.º, do mesmo diploma legal, cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela Arguida no decurso do processo, quer em sede de impugnação judicial, quer em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, por se tratar de disposição generalista, vaga, imprecisa, pouco clara e indeterminada, que recorre a conceitos também ele genéricos e não concretizados e não tipifica os comportamentos contraordenacionais puníveis, comportando a sua aplicação a violação do princípio do Estado de Direito Democrático, aqui concretizado no princípio da segurança jurídica, consagrado nos artigos 2.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa».

4. Admitido o recurso e determinado neste Tribunal o seu prosseguimento, a recorrente produziu alegou conforme se segue:

«Objeto do Recurso:

Advém o presente recurso da aplicação, por parte do douto Tribunal “a quo”, da norma prevista no n.º 2, do artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, conjugada com o n.º 2, do artigo 43.º, do mesmo diploma legal, cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela Arguida, ora Recorrente, no decurso do processo, por se tratar de disposição generalista, vaga, imprecisa, pouco clara e indeterminada, que recorre a conceitos também eles genéricos e não concretizados e não tipifica os comportamentos contraordenacionais puníveis, comportando a sua aplicação a violação do princípio do Estado de Direito Democrático, aqui concretizado no princípio da segurança jurídica, consagrado nos artigos 2.º e 29. da Constituição da República Portuguesa.

Consequentemente, o Tribunal “a quo” julgou improcedente o recurso de impugnação judicial apresentado pela Recorrente, mantendo a decisão da ACT, embora reduzindo o valor da coima e que a condenou “pela prática das contraordenações previstas e puníveis pelo nº 2, do artigo 6º, conjugado com o nº1, nº 3 e nº 4, e pelo nº 1, do artº 7º, conjugado com o nº 2, todos do Decreto Lei nº 50/2005, de 25 de fevereiro, no pagamento de coima única no valor de €2.000,00.”

Da inconstitucionalidade do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, quando conjugado com o artigo 43.º, n.º 2 do mesmo diploma legal e interpretado no sentido de que a falta de verificação periódica (quando nenhum outro diploma ou as instruções do equipamento a isso obriga) constitui uma contraordenação

Desde já se refira que a disposição legal prevista no artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, é uma disposição de carácter generalista, vaga, imprecisa, indeterminada e pouco clara, recorrendo a conceitos também eles indeterminados e indefinidos, não estando concretizados os pressupostos da punição, nem tipificados, de forma clara e concreta, os comportamentos contraordenacionais puníveis nos termos do artigo 43.º do mesmo diploma.

Com efeito, trata-se de uma norma cujo tipo objetivo não se encontra suficientemente especificado, mesmo no âmbito do processo contraordenacional.

Trata-se, aliás, de uma norma cuja tipificação é formulada de forma semelhante, por exemplo, do artº 257º, da Lei 35/2004 (antigo regulamento do Código do Trabalho), que já foi entendido pelo Tribunal Constitucional como revelando “um tal grau de indeterminação na definição da conduta contraordenacional que não satisfaz as exigências dos princípios do Estado de direito democrático, da segurança jurídica e da confiança, pelo que é inconstitucional, por violação do artº 2º, da Constituição.” - Ac. TC nº 76/2016, Proc. Nº 30/14.

1

De facto, no caso do nº 2, do artº. 6º, em apreço, o próprio legislador entendeu tratar-se de uma norma genérica ao colocá-la no Capítulo I destinado às disposições gerais.

E porque de normas gerais se tratem, não achou, e bem, necessário, colocar a mesma previsão que se encontra nos artigos 10.º e 30.º do diploma em apreço, referentes aos Capítulos II e III, isto é, que “as regras de utilização (…) são aplicáveis na medida em que o correspondente risco exista no equipamento de trabalho considerado”.

Pois, repita-se, o capítulo em que se insere o artigo 6.º é o capítulo das considerações gerais, ou seja, normas generalistas e não dispositivas ou pragmáticas.

Pelo que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, regendo-se o regime das contraordenações, subsidiariamente, pelos princípios reguladores do regime do processo criminal (cfr. artigo 41º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro), não permitirá esta norma a imputação à Recorrente de qualquer comportamento sancionável, sob pena de inconstitucionalidade (artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa).

Não será alheia a esta “confusão” de se tentar punir através de uma norma genérica e que integra as disposições gerais, o facto de ao legislador Português por diversas vezes faltar cuidado e mesmo conhecimento jurídico na redação das normas.

A que acresce, ainda, especialmente na legislação laboral, a tentativa de se conciliar posições opostas, neste caso de representantes de trabalhadores e empregadores que, traduzidas num ato legislativo resulta, em boa verdade, numa manta de retalhos de difícil interpretação ou mesmo com normas contraditórias.

Ora, o Dec. Lei 50/2005, de 25 de fevereiro, foi aprovado na sequência da necessidade de transposição para a ordem jurídica nacional da Diretiva Comunitária nº 2001/45/CE (que revia a Diretiva 89/655/CEE), conforme é referido no próprio preambulo do diploma nacional.

E decorre, ainda, da tentativa de acolher os comentários expressos pelas organizações representativas de empregadores e de trabalhadores na fase de audição pública.

Logo, num diploma que não previa sanções e que apenas continha normas genéricas para uma melhor proteção dos trabalhadores na utilização de máquinas, como eram as diretivas, em causa, o legislador nacional, transpõe para o direito nacional, aditando uma disposição punitiva, mas não tendo o cuidado de tipificar os comportamentos que implicariam a aplicação da punição, mantendo na Lei nacional os conceitos vagos e genéricos previstos na referida diretiva.

Assim, face à redação do referido artigo 6.º, n.º 2, questiona-se desde logo e em relação ao seu teor: em que consistem as verificações periódicas (para além de exames detalhados – artigo 2.º, al. g)?

E quem é a “pessoa competente” para a realização dessa verificação?

E é essa pessoa quem determina a cadência dos períodos para as verificações?

Quando é que têm de ser realizadas?

O facto de ser tratar de um equipamento de utilização frequente, várias vezes ao dia, tem de se verificar sempre que seja utilizado, através de um técnico especializado?

Ou o próprio trabalhador que opera com esse equipamento diariamente é considerado como apto e capaz – “pessoa competente” – para fazer essa verificação?

Assim, salvo se existir algum diploma legal que exija essas verificações periódicas, ou, quanto muito, o próprio manual de instruções do equipamento, não se poderá considerar que o empregador terá de adivinhar quando é que terão de ser realizadas as verificações periódicas.

Sendo certo, como ficou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT