Acórdão nº 813/21 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 813/2021

Processo n.º 546/21

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A. e B., notificados da Decisão Sumária n.º 574/2021, que não conheceu do objeto do recurso de constitucionalidade por si interposto, com fundamento na inidoneidade do objeto, vêm reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”).

Os reclamantes, recorrentes nos presentes autos, em que é recorrido o Ministério Público, interpuseram recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada, ao abrigo do disposto no artigo 446.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Penal (CPP), alegando que o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido a 30 de setembro de 2019, está em oposição com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 3/2020 (publicado no DR, 1.ª série, n.º 96, de 18 de maio de 2020).

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 2 de junho de 2021, decidiu rejeitar o recurso.

Deste acórdão foi então interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC).

2. É a seguinte a fundamentação da decisão sumária ora reclamada:

«4. Como vimos, os recorrentes erigem como objeto do recurso o «artigo 446.º n.º 1 do Código de Processo Penal, quando interpretad[o] e aplicad[o] no sentido de que não é admissível recurso extraordinário contra a jurisprudência fixada, [de] uma decisão proferida pelo tribunal da relação pelo facto da data de tal acórdão [recorrido] ser anterior à publicação em Diário da República do referido acórdão de fixação de jurisprudência, ainda que o acórdão recorrido tenha transitado em julgado em data posterior ao AUJ».

De tal formulação, resulta, com pertinência imediata, a ausência do pressuposto correspondente à natureza obrigatoriamente normativa do objeto do recurso de constitucionalidade. Rigorosamente, os recorrentes expõem um enunciado que mais não é do que uma construção interpretativa que respalda a sua visão subjetiva quer da atividade hermenêutica e de subsunção jurídica levada a cabo pelo tribunal a quo quer do resultado da aplicação do Direito infraconstitucional ao caso concreto dos autos. É na verdade, contra este resultado, que se materializou numa solução do pleito não pretendida pelos recorrentes – irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, nos termos do artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal –, que os mesmos se insurgem.

In casu, tendo a decisão recorrida – proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 30 de setembro de 2019 – transitado em julgado no dia 6 de julho de 2020, posteriormente à publicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2020, ocorrida em 15 de maio de 2020, em rigor, os recorrentes insurgem-se contra a circunstância de o Supremo Tribunal de Justiça ter entendido que a decisão não era recorrível ao abrigo do regime do artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, pelo facto de, à data da prolação desse acórdão (isto é, 30 de setembro de 2019), ainda não ter sido publicado o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2020 (facto que se verificou apenas a 15 de maio de 2020), mesmo tendo o acórdão recorrido transitado em julgado em 6 de julho de 2020, momento ulterior à publicação de tal jurisprudência uniformizada. É, na verdade, a pretensão de que este Tribunal reexamine o puro ato de julgamento, na sua vertente hermenêutica e subsuntiva que subjaz ao presente recurso.

Em concreto, procuram os recorrentes que da literalidade do artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal se retire a possibilidade de lançar mão deste recurso extraordinário, mesmo quando à data da decisão recorrida não exista jurisprudência fixada, desde que tal fixação ocorra antes do trânsito em julgado dessa decisão. O juízo de inconstitucionalidade que os recorrentes formulam não se dirige, pois, a uma norma ou dimensão normativa extraída do artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mas à atividade subsuntiva das instâncias, sendo o enunciado apresentado uma manifestação do inconformismo dos recorrentes quanto ao facto de o preceito enunciado não impor o específico sentido que satisfaria a sua pretensão. Porém, tal pretensão não pode ser satisfeita pois é absolutamente estranha ao âmbito de competências do Tribunal Constitucional, porquanto se dirige a matéria exclusivamente reservada aos tribunais comuns. Vale neste âmbito retomar, o que se reiterou na Decisão Sumária n.º 751/2019, posteriormente confirmada pelo Acórdão n.º 64/2020, desta 1.ª Secção:

«Como é sabido, o Tribunal Constitucional, no âmbito dos seus poderes cognitivos de fiscalização concreta, apenas se encontra habilitado a julgar questões de constitucionalidade relativas a normas ou interpretações normativas estando-lhe vedada a apreciação de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional, pelo que a admissibilidade do recurso de constitucionalidade depende da enunciação de uma verdadeira questão normativa».

Deste modo, sob pena de inidoneidade, impende sobre o recorrente o ónus de delimitar como objeto material do recurso de constitucionalidade o critério normativo que presidiu ao juízo decisório do caso concreto, ou seja, uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, reportando-a, de forma certeira, a uma concreta disposição ou conjugação de disposições legais, em cuja literalidade encontre um mínimo de conexão, autonomizando-a claramente da pura atividade subsuntiva, intrinsecamente relacionada com as particularidades específicas do caso concreto. (…)

É aqui pertinente recordar o que, a este propósito, se refere no Acórdão n.º 633/08. Aí se notou o seguinte:

“(…) cumpre acentuar que, sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).

Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida (…)”»

Com efeito, como se pode ler no Acórdão n.º 633/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), «sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça...

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