Acórdão nº 078/21.3BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução21 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO: 1.

A……………… vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, nos termos do art. 150º CPTA, do acórdão do TCAS, de 2.6.2021, que negou provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença, de 17.04.2021, do TAF do Funchal - que julgara procedente a ação intentada pelo Ministério Público para declaração de perda de mandato da ora recorrente, como ..... da Assembleia de Freguesia …………, declarando a sua perda de mandato.

  1. Para tanto, alegou em conclusão: “1. Nos presentes autos é convocada uma questão jurídica delicada e complexa que se prende com a aplicação do artigo 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa, aos casos em que a ação de perda de mandato é intentada pelo Ministério Público, e da conjugação deste prazo com o previsto no artigo 11.º, n.º 4, da Lei da Tutela Administrativa, mormente, no que respeita às consequências práticas da inobservância do prazo previsto no artigo 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa.

  2. Por outras palavras, levanta-se a questão de saber se a (in)observância do prazo de 7 dias previsto no artigo 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa, implica a (im)tempestividade da prática do ato processual, quando este seja praticado pelo Ministério Público.

  3. Trata-se de uma questão jurídica de importância fundamental, suscetível de se repetir com frequência noutros casos, que, além disso, não foi ainda objeto de análise e decisão por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo.

  4. Em segundo lugar, o Acórdão recorrido plasma uma interpretação do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei de Tutela Administrativa, de acordo com a qual a aplicação desta norma sancionatória se basta com elementos objetivos e não subjetivos de modo a aferir a culpa grave.

  5. Mais deixa expresso o entendimento de que carece de razão alegar que ao Ministério Público cabia alegar factos concretos em conformidade com o artigo 5.º do Código de Processo Civil e artigo 342.º do Código Civil, donde resultasse a culpa e gravidade do comportamento da Recorrente.

  6. De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de maio de 2020, proferido no processo n.º 069/19.4 BEMDL, disponível em www.dgsi.pt, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal, e o Acórdão recorrido contradiz esse entendimento, aludindo a que a aplicação do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei de Tutela Administrativa se basta com os elementos objetivos.

  7. A intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de Revista, é imprescindível, de modo a emitir as orientações necessárias a uma interpretação segura e coerente das normas legais.

  8. Trata-se de questões que, pela sua relevância jurídica, se revestem de importância fundamental, devendo ter-se por preenchido o pressuposto previsto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, admitindo-se o presente recurso de revista.

  9. O tribunal a quo referiu que a extinção do direito de acionar opera pelo decurso do prazo de 5 anos, quando havia sido alegada a intempestividade para a prática do ato processual, atendendo à aplicação do artigo 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa, pelo que incorreu em erro de julgamento, violando o disposto no artigo 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa, desconsiderando que prazo previsto no artigo 11.º, n.º 4, da Lei da Tutela Administrativa não exclui a aplicação do artigo 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa.

  10. O entendimento de que a aplicação da norma sancionatória prevista no artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Tutela Administrativa se basta com elementos objectivos (inscrição em novo partido político) e não subjectivos (volitivos) de modo a aferir da culpa grave como nos casos do artigo 8º da LTA é inconstitucional por violação do direito de defesa em processo sancionatório, do direito à tutela jurisdicional efetiva e do princípio da presunção da inocência, constantes dos artigos 2.º 32.º, n.º 2 e 10, 2.º, n.º 1 e 4, e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

  11. Esse entendimento viola, também, o Princípio da Proporcionalidade da medida sancionatória e, como tal, os artigos 18.º, n.º 2, e 3, e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

  12. Não existe nos autos, qualquer elemento que permita concretizar, tendo por referência a concreta situação dos autos, um forte juízo de censura à conduta da Recorrente, em termos de culpa grave ou negligência grosseira.

  13. O acórdão recorrido declarou a perda de mandato da Recorrente, com o que incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa, 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei de Tutela Administrativa e 2.º 32.º, n.º 2 e 10, 20.º, n.º 1 e 4, e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

  14. O Acórdão recorrido deve ser revogado.

    Termos em que deverá o presente recurso de revista ser admitido e julgado procedente e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, julgando-se a ação improcedente. Como é de Direito e de Justiça!” 3.

    O Ministério Público veio apresentar as suas contra-alegações, concluindo: “1- Por sentença do TAF do Funchal, datada de 17 de Abril de 2021, a Ação foi julgada procedente e, em consequência, declarada a perda de mandato da ora Recorrente, como ………. da Assembleia de Freguesia …….

    2- A Recorrente interpõe, agora, Recurso Excecional de Revista do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo, proferido a 2 de Junho de 2021, nos autos à margem supra identificados e aqui dado por inteiramente reproduzido quanto ao seu teor pelo qual não lhe concedeu provimento ao recurso, tendo mantido/confirmado a sentença da 1ª Instância (TAF do Funchal), nos termos e com os fundamentos dali constantes e aqui dados por reproduzidos.

    3- Alega a Recorrente, no essencial, ter existido erro de julgamento de direito: 4- Quanto aos pressupostos de facto e de direito, por errada interpretação dos artigos 8º, nº1, al. c) e 10º do Regime Jurídico da Tutela Administrativa (LTA), aprovado pela Lei nº 27/96, de 1 de Agosto, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro.

    5- Sobre o ónus da prova cabendo ao MP provar a existência de culpa grave ou negligência grosseira da Recorrente (violação do artigo 342º, do Código Civil e do artigo 90º, nº3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

    6- Ao não julgar verificada a excepção de caducidade do direito de acção, por desrespeito do artigo 98º, nº2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

    7- Contrariamente ao defendido pela Recorrente, as questões em análise (alegadamente controvertidas) não possuem a virtualidade que justifique a admissão e o conhecimento deste Recurso Extraordinário de Revista.

    8- Salvo sempre o devido respeito e melhor opinião, não deverá ser admitido o presente Recurso (Excepcional) de Revista.

    9- Tendo presentes as razões e fundamentos invocados, tudo aqui dado por integralmente reproduzido por uma questão de economia processual, o Acórdão do TCAS deve ser mantido, por ter feito correcta interpretação dos factos e aplicação do direito.

    10- Na verdade, 11- A presente Acção é uma Acção Administrativa não sendo aqui lícita a aplicação subsidiária de conceitos penalísticos.

    12- Não tendo, assim, o MP de alegar e provar a culpa da Recorrente.

    13- Alegação esta que lhe incumbiria, segundo as regras legais sobre ónus da prova.

    14- No que respeita a prazos, o regime da Lei da Tutela Administrativa é especial relativamente às regras do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

    15- Acresce, que a Acção foi instaurada dentro do prazo constante do artigo 10º, nº3 desta Lei, pelo que é tempestiva.

    16- Por todo o exposto, e sem mais delongas, o douto Acórdão Recorrido (cujos fundamentos acompanhamos de perto e sufragamos) apenas podia concluir e ajuizar como o fez, não merecendo reparo.

    17- Não tendo sido violados os preceitos legais destacados pelo Ré/Recorrente nas alegações/conclusões do recurso por si interposto, ou quaisquer outros que cumpra conhecer, deverá ser considerado improcedente o Recurso de Revista mantendo-se, consequentemente, o douto Acórdão recorrido.

    Assim decidindo, farão Vossas Excelências, Senhores Conselheiros, a costumada, Justiça!” 4.

    O recurso de revista foi admitido pela formação deste STA por acórdão de 08.04.2021.

  15. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo (art. 36º, nºs 1, al. a) e 2 CPTA), cumpre decidir.

    * FUNDAMENTAÇÃO MATÉRIA DE FACTO fixada pelas instâncias: “A) Em 27 de janeiro de 2015 foi proferido pelo Tribunal Constitucional o Acórdão n.º 51/2015, de cujo decisório consta o seguinte: “8. Decisão Nestes termos, o Tribunal Constitucional considera verificada a legalidade da constituição e decide deferir o pedido de inscrição, no registo próprio existente no Tribunal, do partido político com a denominação “Juntos pelo Povo”, a sigla “JPP” e o símbolo que consta de fls. 7 e se publica em anexo.” – cf. informação disponibilizada no site do tribunal constitucional com o seguinte endereço: https://www.tribunalconstitucional.pt., que nesta data se acedeu; B) Em 1 de outubro de 2017 o partido político Juntos Pelo Povo, juntamente com o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o Nós Cidadãos e o PDR, integraram uma...

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