Acórdão nº 026/21.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução20 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso por oposição de acórdãos Recorrente: “A…………, S.A.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada vem, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro (Aplicável às decisões proferidas após 1 de Outubro de 2019, nos termos dos arts. 1.º, alínea m), 17.º e 26.º, n.º 1, da referida Lei.), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 6 de Janeiro de 2021 no processo n.º 262/2020-T (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPage=2&id=5216.), invocando oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão proferida pelo CAAD em 2 de Fevereiro de 2015, no processo n.º 628/2014-T, já transitada em julgado (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=11&id=1128.).

1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «1.º Entende a Recorrente estar a decisão recorrida em oposição com a decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral constituído no processo n.º 628/2014-T; 2.º A decisão recorrida e a decisão fundamento estão em oposição quanto à seguinte questão fundamental de direito: o artigo 88.º, n.º 3, do CIRC consagra uma presunção legal que admite prova em contrário consistente na demonstração da natureza exclusivamente empresarial das despesas autonomamente tributadas? 3.º O presente recurso por oposição deve ser julgado admissível uma vez que se encontram preenchidos todos os pressupostos para o efeito; 4.º A decisão arbitral invocada como fundamento do recurso por oposição tem de corresponder a uma decisão transitada em julgado, sendo que, segundo pôde a Recorrente apurar, a decisão arbitral fundamento transitou em julgado (cfr. Doc. n.º 2); 5.º Na situação em presença, a decisão recorrida foi proferida por tribunal arbitral constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do processo n.º 262/2020-T, e a decisão arbitral fundamento foi proferida no âmbito do processo n.º 628/2014-T; 6.º Ademais, o cenário jurídico-normativo subjacente à decisão arbitral recorrida e à decisão arbitral fundamento é substancialmente idêntico, sendo que em ambos o sujeito passivo incorreu em despesas com motociclos para efeitos de desenvolvimento da sua actividade – de entrega de refeições ao domicílio – tendo tais despesas sido tributadas por via das tributações autónomas, nos termos do artigo 88.º, n.º 3, do CIRC; 7.º Por seu turno, quer a decisão arbitral recorrida quer a decisão arbitral fundamento discutem o regime ínsito nos artigos 88.º, n.º 3, do CIRC, 73.º da LGT e 350.º, n.º 2, do CC; 8.º Na situação em presença, a decisão arbitral recorrida concluiu não conter o artigo 88.º, n.º 3, do CIRC, uma presunção passível ilidível, independentemente da sua teleologia, encontrando-se o sujeito passivo impedido de demover a sujeição a tributações autónomas de despesas com motociclos ainda que demonstre que a utilização dos mesmos é de índole exclusivamente empresarial; 9.º Contrariamente, a decisão arbitral fundamento afasta tal interpretação nessas situações, ditando que o artigo 88.º, n.º 3, do CIRC, consagra uma presunção passível de ilisão, em função da sua teleologia, encontrando-se o sujeito passivo habilitado a demover a sujeição a tributações autónomas de despesas com motociclos conquanto demonstre que a utilização dos mesmos é de índole exclusivamente empresarial; 10.º Do exposto resulta serem as decisões jurisdicionais em presença opostas, na medida em que interpretam de modo distinto o regime ínsito no artigo 88.º, n.º 3, do CIRC, concluindo, por via disso, de modo igualmente distinto sobre os termos do carácter presuntivo ínsito à mesma; 11.º Com vista à admissão do presente recurso, exige-se que inexista um marcado e relevante acervo jurisprudencial consonante com o sentido decisório perfilhado na decisão recorrida, sendo que, na situação em presença, desconhece a Recorrente existir jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo consonante com o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo no âmbito da decisão arbitral recorrida; 12.º Por tudo quanto ficou exposto, conclui-se pelo pleno preenchimento de todos os pressupostos conducentes à admissão do presente recurso jurisdicional, requerendo-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue verificada a referida oposição entre as decisões jurisdicionais em apreço, com os inerentes efeitos legais; 13.º Discorda a Recorrente do sentido decisório propalado pelo Douto Tribunal a quo – sumariado supra – assente em manifesto erro de julgamento, merecedor de censura por parte desse Douto Tribunal ad quem, atento o disposto nos artigos 88.º, n.º 3, do CIRC, 73.º da LGT e 350.º, n.º 2, do CC; 14.º A figura legal da tributação autónoma surgiu com o Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 Junho, que determinou a sujeição de despesas confidenciais ou não documentadas a tributação autónoma de 10% em sede de IRS e IRC, acrescendo à não dedutibilidade fiscal das mesmas no lucro tributável; 15.º Com a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, as tributações autónomas passaram a abranger as despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas (cfr. artigo 75.º-A, n.º 2, alínea b), do CIRC, na redacção vigente à data); 16.º Ademais, consagrou o legislador uma excepção àquela regra, não sujeitando a tributação autónoma encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros afectas ao serviço público de transportes ou destinados a serem alugados no exercício da actividade do sujeito passivo, (cfr. artigo 75.º-A, n.º 3, do CIRC, na redacção vigente à data); 17.º Esta lei alterar instituiu a figura das tributações autónomas incidentes sobre despesas com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, a qual encontra reflexo no artigo 88.º n.º 3, do CIRC, cuja aplicação e interpretação se encontra ora em contenda; 18.º De acordo com o artigo 88.º n.º 3, do CIRC, as despesas incorridas com motociclos presumem-se não inteiramente incorrido no âmbito da actividade empresarial, encontrando-se por esse motivo sujeitas a tributação autónoma; 19.º Estas tributações autónomas visam obviar a que aqueles veículos do sujeito passivo possam ter uma utilização pessoal que extravase a utilização empresarial que lhes subjaz, fundando-se na presunção de estes correm o risco de ser simultaneamente utilizados para fins de carácter privado e empresarial; 20.º A tributação autónoma sobre motociclos configura um desincentivo a que os sujeitos passivos incorram em encargos que minorem a tributação em sede de IRC (mediante a dedução da totalidade dos gastos) e em sede de IRS (não sujeitando a tributação rendimentos de trabalho); 21.º Esse fito desincentivador encontra-se patente na exclusão prevista na alínea b) do n.º 6 do artigo 88.º do CIRC, que afasta a tributação autónoma quando sobrevenha a tributação correlativa em sede de IRS; 22.º Em suma, o artigo 88.º, n.º 3, do CIRC, sujeitando a tributação autónoma os encargos suportados com motociclos adquiridos pelo sujeito passivo, presume implicitamente que os referidos encargos são parcialmente afectos a fins de índole privada.

23.º Esta norma consiste numa disposição legal que se afasta, de modo excepcional, da regra geral basilar do IRC de dedução dos gastos conexos com a actividade empresarial; 24.º Sendo uma norma excepcional, deve o intérprete procurar salvaguardar o direito à dedução perscrutando na finalidade intrínseca da excepção os critérios interpretativos necessários a obviar a que a sua aplicação extravase situações não visadas pelo seu âmbito (cfr. artigo 9.º do CC, ex vi artigo 11.º, n.º 1, da LGT); 25.º O artigo 88.º, n.º 3, do CIRC deve ser interpretado à luz da sua literalidade, teleologia e da coerência do ordenamento (cfr. artigo 11.º, n.º 3, da LGT), tendo como fim último a protecção possível do direito-regra de dedução dos gastos incorridos no âmbito da actividade económica; 26.º A ponderação desses elementos leva a concluir que aquela norma visa evitar comportamentos abusivos, nos quais não se enquadra a situação sub judice; 27.º Enquanto mecanismo reflexo de tributação em sede de IRC, as tributações autónomas têm como propósito subjacente evitar que os sujeitos passivos obviem à tributação de determinadas realidades em IRC ou IRS, configurando uma forma de protecção da receita tributária por parte do Estado; 28.º Subjacente encontra-se a dificuldade de fiscalização e controlo das empresas e a necessidade de tributar as despesas que e não sejam exclusivamente aptas ou destinadas à realização dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora (cfr. artigo 23.º do CIRC), permitindo-se que o sujeito deduza os gastos mas sujeitando esses gastos a tributação em função da desconfiança que sobre eles pende; 29.º Conclui-se, portanto, que a teleologia do normativo radica no combate a abusos do sistema do IRC manifestados no risco de aquisição de bens e serviços que se furtam parcialmente aos propósitos empresariais, residindo aqui a sua justificação e fito último; 30.º Em suma: o artigo 88.º, n.º 3, do CIRC, sujeitando a tributação autónoma determinados encargos assumidos pelo sujeito passivo, presume implicitamente que os referidos encargos são parcialmente afectos a fins de índole não profissional; 31.º Visando tal...

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