Acórdão nº 1041/11.8TABRG.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução11 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.

Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I.

No processo comum com intervenção de tribunal singular que, com o número 1041/11.8TABRG, corre termos pelo juízo local criminal de Braga foi decidido (transcrição): 1. Parte Crime

  1. Condenar o arguido F. O. pela prática de um crime de fraude fiscal p. e p. pelos arts 103º nº1 als a) e b) do RGIT na pena de 1 (um) ano de prisão, substituída pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade durante 365 (trezentas e sessenta e cinco) horas.

  2. Custas pelo arguido F. O., fixando-se em 3 Ucs a taxa de justiça.

    1. Parte Cível a) Julgar o pedido cível deduzido pelo Estado parcialmente procedente e, em consequência, condenar o demandado F. O. a pagar ao demandante a quantia de €87 275,87 (oitenta e sete mil, duzentos e setenta e cinco euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, nomeadamente a decorrente do artº 3º/1 do DL nº 73/99 de 16/03, desde a data da não entrega da prestação tributária até integral e efectivo pagamento.

  3. Custas por demandante e demandado na proporção do decaimento.

    (…) *Inconformado com a condenação recorreu o arguido para este Tribunal da Relação concluindo o recurso do seguinte modo (transcrição): I.O Arguido não se conforma com sentença proferida mediante a qual veio condenado pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103.º, nº1, alíneas a) e b), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), na pena de 1 (um) ano de prisão, substituída pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade durante 365 (trezentas e sessenta e cinco) horas e no pagamento da quantia de €87.275,87 (oitenta e sete mil, duzentos e setenta e cinco euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, nomeadamente a decorrente do artigo 3º, nº 1, do DL nº 73/99 de 16/03, desde a data da não entrega da prestação tributária até integral e efectivo pagamento, por julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Estado.

    II.Desde logo, a sentença proferida padece do vício de nulidade, por fundamentada em prova proibida e ilicitamente obtida.

    III.Em sede de decisão sobre a matéria de excepção invocada pelo Arguido, entendeu o Tribunal “a quo” pela sua improcedência, ali fazendo constar que o recurso à informação bancária do Arguido foi efectuado de forma licita, atenta a legalidade da quebra do sigilo bancário, que implica a validade dos elementos de prova obtidos com base na análise daquelas contas.

    IV.Legalidade da quebra do sigilo bancário que sustenta na prolação de decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em observância do disposto no artigo 135.º, do Código 29 de Processo Penal, juntas aos presentes autos a fls. 525 a 545.

    V.Sucede que tal não corresponde totalmente à verdade, porquanto, as decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Coimbra respeitam apenas a parte das contas bancárias do Arguido e das quais foram obtidos elementos de prova nos quais veio fundamentada a decisão de condenação.

    VI.Na verdade, as aludidas decisões do Tribunal da Relação de Coimbra de derrogação do sigilo bancário proferidas no processo de inquérito nº 20/08.7IDAVR respeitam às contas tituladas pelo Arguido na Caixa ..., S.A. e Banco …, S.A (Processo nº 20/08.7IDAVR-A.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.06.2009), no Banco …, S.A. (Processo nº 20/08.7IDAVR-A.C2, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16/09/2009), no Banco ..., S.A. (Processo nº 20/08.7IDAVR-A.C3, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01/07/2009) e no Banco ..., S.A. (Processo nº 20/08.7IDAVR-A.C4, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14/10/2009).

    VII.Não existindo qualquer decisão judicial de derrogação do sigilo bancário no que respeita às instituições bancárias Banco ..., S.A. e do BANCO ..., e nem autorização do Arguido nesse sentido.

    VIII.Apesar de tal inexistência, na sentença recorrida foram considerados elementos bancários respeitantes a estas contas, mais concretamente operações de depósitos, em numerário e em cheque, conforme tabelas/quadros a que alude a Acusação Pública, constantes no auto de notícia, a fls. 107 verso a 110 verso dos autos, num montante total de €403.006,22 (quatrocentos e três mil e seis euros e vinte e dois cêntimos), correspondente a 57,47% do montante total que se julgou depositado nas constas tituladas pelo Arguido (€701.622,52).

    IX.Ora, estatuindo o artigo 78.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (adiante RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31/12, na sua redacção aplicável, uma obrigação de sigilo, e prevendo o artigo 79.º, nº 1 e 2, alínea d), reitere-se, na redacção aplicável, que, na ausência de consentimento do Arguido, teria que ser observado o procedimento previsto no artigo 135.º, nº 3, do Código de Processo Penal, e, deste modo, 30 obtida decisão judicial de derrogação do sigilo bancário, como se verificou para as outras contas bancárias, e não se tendo verificado no caso dos presentes autos; X.Estava vedada ao Tribunal “a quo” o acesso e a utilização de informação respeitante a tais contas bancários, sob pena de grave violação do direito do Arguido à reserva da sua vida privada, e do princípio fundamental vertido no artigo 32.º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa, mas assim não entendeu o Tribunal “a quo”.

    XI.Como tal, não existindo autorização do Arguido, nem autorização judicial de derrogação do sigilo bancário no que respeita às contas bancárias tituladas no Banco ..., S.A. e no BANCO ..., foi violado o direito do Arguido do segredo à reserva da sua vida privada e, em consequência dessa violação, foram obtidos documentos nos quais o Tribunal “a quo” sustenta a sua decisão de condenação do Arguido, concluindo que naquelas contas entraram valores que perfazem o montante total de €403.006,22 (quatrocentos e três mil e seis euros e vinte e dois cêntimos) e foram efectuados levantamentos no montante total de €195.535,69 (cento e noventa e cinco mil, quinhentos e trinta e cinco euros e sessenta e nove cêntimos).

    XII.Valores estes que constam nos “documentos anexos e quadro resumo a fls. 107 verso e 110 verso dos autos”, para o qual a Acusação Pública remeteu e considerou ali por reproduzido e considerados na sentença, levados à matéria de facto provada ali vertida, mais concretamente nos pontos 15. e 16., da parte 2.1, Matéria de facto provada, II. Fundamentação de Facto.

    XIII.Pelo que, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 126.º, nº 3, do Código de Processo Penal, estamos perante uma prova proibida que não podia ter sido considerada e muito menos valorada pelo Tribunal “a quo”, por a mesma, como dispõe o artigo 32.º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa, consubstanciar prova nula.

    XIV.Nulidade que afecta o auto de noticia, o relatório de inspecção elaborado e junto aos autos a fls. 204 a 495, uma vez que as conclusões vertidas no mesmo assentam em prova ilicitamente obtida e, por consequência, os pareceres de fls. 602 a 617 e de fls. 796 a 809, o parecer fundamentado de fls. 602 a 617 e Parecer Complementar de fls. 796 a 809, dos presentes autos e todos os elementos bancários, como sejam documentos de depósito bancário, cheques bancários e extractos bancários e todos os elementos de prova juntos que respeitam a movimentos das contas bancárias tituladas pelo aqui Arguido no Banco ..., S.A. e no BANCO ..., que consistem em meio de prova que não podem ser usados.

    XV.Nulidade que afecta também a sentença recorrida, na medida em que se fundamenta em tais elementos probatórios, como estatui o artigo 122.º, nº1, do Código de Processo Penal, e a qual se peticiona verificada e declarada, com as devidas consequências, como seja, a prolação de decisão sem ter em consideração tais elementos de prova ilicitamente obtidos.

    Ainda apontando e arguindo a nulidade da sentença recorrida, sempre sem prescindir: XVI.Sempre se dirá que, ainda que se enverede por entendimento contrário à declaração das nulidades supra arguidas, o que, repita-se, não se concebe e muito menos se concede, a decisão proferida padece do vício de nulidade por grave violação dos princípios fundamentais da investigação e da presunção da inocência e por omissão de diligências essenciais à busca da verdade material e à justa e boa decisão da causa.

    XVII.Isto porque, perante a alegação do Arguido no sentido que os factos vertidos nos artigos 10., 11 e 12., da Acusação Pública estavam a ser investigados nos autos de inquérito nº 20/08.7IDAVR, da 1ª Secção do DIAP da Comarca do Baixo Vouga, o que, aliás, veio julgado como provado na sentença – ponto 13., da matéria de facto provada -, o Tribunal “a quo” entendeu que não, apesar de reconhecer uma conexão entre os factos em apreciação nestes e naqueles autos.

    XVIII.Ora, sendo o tema do presente processo apurar se o Arguido ocultou e não declarou rendimentos em sede de declaração de IRS, respeitante ao ano de 2005, por se ter constatado que, por força de vendas omissas que estão a ser investigadas naquele processo de inquérito nº 20/08.7IDAVR, terem sido canalizadas quantias alegadamente provenientes de tais vendas, para contas bancárias particulares do Arguido, com o devido respeito, que é muito, a relação que existe entre os processos não é ténue mas absolutamente essencial.

    XIX. Na verdade, estando nos autos de processo nº 20/08.7IDAVR a ser investigada a factualidade que, nestes autos, é julgada como provada, nos pontos 10., 11. e 12, da matéria de facto provada - apesar de, em absoluta contradição, julgar provado, no ponto 13., que tais factos estão a ser investigados -, e estando estes suspensos em face das impugnações judiciais das liquidações nos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos quais vai ser apurada a existência ou não de vendas omitidas e da existência, importava que os presentes autos aguardassem...

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