Acórdão nº 450/16.0T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Outubro de 2021
Magistrado Responsável | ARMANDO AZEVEDO |
Data da Resolução | 11 de Outubro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1.
No processo comum singular nº 450/16.0T9BRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães - J2, em que são arguidos A. N. e S. M.
, ambos com os demais sinais nos autos, por sentença de 12.04.2021, depositada na mesma data, foi decidido o seguinte [transcrição]: Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido julgar a acusação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
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Condeno o arguido S. M.
, como autor material, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punível, pelos arts. 110.º, n.º1, al.b) e n.º 4 e 227.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.
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Absolvo a arguida A. N. da prática do crime de insolvência dolosa, p. e p. pelos artigos 100.º e 227.º, n.º 1, al a) e n.º 3 do Código Penal, de que vinha acusada.
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Condeno o arguido S. M.
no pagamento ao Estado do valor de €13.450,00 (treze mil, quatrocentos e cinquenta euros), nos termos dos artigos 110.º n.ºs 1, al. b) e 4, do Código Penal.
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Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido S. M.
, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: 51.º O presente recurso tem por objeto a impugnação da decisão do Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga que condenou o arguido no pagamento ao Estado do valor de 13. 450,00€ (treze mil quatrocentos e cinquenta euros), correspondente à vantagem criminosa, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do CP.
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O caso sub judice, pelas suas caraterísticas, quanto ao conceito de vantagem patrimonial imputável à atividade criminosa, no pretenso conceito de alargada abrangência da vantagem não se encontra tipificado objetiva e subjetivamente nas disposições legais invocadas, nem encontra respaldo na jurisprudência para fundamentar a perda a favor do Estado.
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Não foram compulsados na decisão elementos suficientes que configurem e fundamentem que a vantagem patrimonial objeto do presente recurso se consolidou como efetivo benefício para o arguido, ponderando, para o efeito, custos, perdas e vantagens a ponto de justificar a condenação no pagamento a favor do Estado.
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Outrossim, não estabelece a sentença recorrida qualquer correlação entre o “plano delineado”, a dissipação do património e a vantagem, alegadamente obtida pelo arguido, no montante 13. 450, 00 €.
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Decorre da sentença em crise a aparente confusão entre a pessoa coletiva e pessoa singular para efeitos de responsabilidade criminal que, não obstante a ordem jurídica, por via das disposições do artigo 12.º do CP e do artigo 12.º, n.º 2 da CRP, admita a extensão dos direitos e deveres, por certo não justifica a condenação do arguido, aqui recorrente, no pagamento da quantia em causa, a título de perda de vantagem da qual nunca beneficiou.
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O teor da sentença recorrida não apresenta a fundamentação legal, intuito personae, designadamente vantagens para o arguido, índole preventiva, perigosidade, necessidade incriminatória que legitime a condenação no pagamento ao Estado, ao abrigo do artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do CP.
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A desconformidade da acusação em termos da promoção do MP, ao abrigo do artigo 111.º, n.º 2 e 4 do CP, nos termos requeridos e a condenação do Tribunal a quo, ao abrigo do artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do CP, tem como consequência, a violação do princípio do contraditório, nos termos do artigo 32.º, n.º 5 da CRP, na medida em que, salvo melhor opinião, deu lugar a alteração dos factos, numa acusação cristalizada, sem que fosse facultado ao arguido exercício do direito do contraditório.
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A sentença emanada pelo Tribunal a quo, por via de uma fundamentação que se abstraiu da análise do caso concreto e dos elementos objetivos e subjetivos, para efeitos de apuramento da vantagem patrimonial, necessidades preventivas e incriminatórias, subsumindo a condenação da perda de vantagem a favor do Estado, às disposições dos artigos 110.º, n.º 1. alínea b) e n.º 4 do CP, violou o princípio da legalidade, nos termos dos artigos 1.º e 110.º, ambos do CP e artigo 29.º da CRP, devendo ser revogada a decisão recorrida.
TERMOS EM QUE, e nos melhores de Direito que Vªs Exªs doutamente suprirão:
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Deve o presente Recurso ser julgado totalmente procedente.
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Ser revogada a decisão do Tribunal a Quo e, consequentemente, c) Ser o arguido, S. M., absolvido da condenação no pagamento ao Estado do valor de 13.450,00€ (treze mil quatrocentos e cinquenta euros) nos termos invocados.
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O M.P. respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição):.
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Entende o recorrente que não deveria ter sido condenado a pagar ao Estado o valor correspondente à vantagem criminosa, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do Código Penal, uma vez que não chegou a receber qualquer benefício, porquanto a prática do crime em causa teve por base um contexto de crise.
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Porém, o instituto da perda de vantagem é, por um lado, independente da culpa do agente e, por outro, apresenta natureza preventiva, apenas visando demonstrar aos agentes do crime que o mesmo não pode compensar.
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Desta forma, o Tribunal a quo decidiu, e bem, por esta condenação, tomando em consideração todas as circunstâncias relevantes e úteis para a boa decisão da causa.
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O artigo 110.º, do Código Penal não exige que o agente, alguma vez, tenha estado na posse dessa “recompensa”, apenas exigindo a verificação do facto ilícito típico.
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No caso concreto, este facto ilícito típico verificou-se – o que não é contestado pelo recorrente -, e teve por base um plano que visou causar prejuízo a terceiros e obter vantagem ilegítima, com uma declaração de insolvência “provocada”, com dissipação e ocultação de património.
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Como tal, pelos factos dados como provados e consequente condenação do arguido, não restam dúvidas de que existiu uma vantagem para o mesmo – ainda que refletida na sociedade que administrava -, que gerou uma situação “fictícia” com o único propósito de lesar os credores.
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Quanto ao exercício do contraditório, também não assiste razão ao recorrente, por ser a sentença o “local” adequado para a declaração de perda em causa.
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Ademais, a perda de vantagens do facto ilícito típico a favor do Estado vinha já peticionada na acusação pública, da qual o arguido foi regulamente notificado e não contestou.
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Face ao exposto, deve ser negado provimento ao recurso e confirmada, integralmente, a sentença recorrida. Assim farão Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, como sempre, JUSTIÇA 4.
Nesta instância, a Exma. Senhora Procuradora - Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso.
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Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
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Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
II- FUNDAMENTAÇÃO 1- Objeto do recurso O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso (1) do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.
Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto no sentido acabado de referir, o objeto do presente recurso centra-se na questão de saber se existe fundamento legal para o arguido, aqui recorrente, ter sido condenado a pagar ao Estado o valor correspondente à vantagem económica decorrente da prática do crime de insolvência dolosa agravado pelo qual foi condenado.
2- A decisão recorrida 1. Na sentença recorrida foram considerados como provados e não provados os seguintes factos [transcrição]: 1- Factos provados Com relevância para a boa decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto: a) “P. L. – Confeções Unipessoal, Lda.”, NIPC ………, era uma sociedade por quotas, constituída em 4 de abril de 2008, com sede no Edifício …, n.º …, da Rua …, Guimarães.
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O objeto social consistia na confeção de artigos de vestuário a feitio.
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Não obstante a sua sede registral, a sociedade manteve o seu estabelecimento comercial, até pelo menos 04.08.2015, na Rua …, n.º …, ….
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A insolvente ocupava o rés-do-chão de uma moradia, propriedade de M. J., mãe da arguida A. N..
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O sócio gerente da sociedade era o arguido S. M., sendo este responsável pelo normal funcionamento da sociedade, decidindo todas as questões relativas à atividade económica da sociedade.
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Desempenhava funções como contactar clientes, proceder aos fornecimentos, dar instruções aos empregados, celebrar e/ou rescindir contratos de trabalho, fazer os contactos com fornecedores, decidir do pagamento das dividas da sociedade e da obtenção de crédito e ordenar o pagamento dos salários bem como fornecer a documentação e as informações necessárias à elaboração da contabilidade da sociedade, e ainda decidir da alienação ou aquisição de património da sociedade.
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A sociedade “P. L. – Confeções Unipessoal, Lda.” foi declarada insolvente por sentença de 18 de dezembro de 2015, transitado em julgado em 25 de janeiro de 2016, no âmbito do Proc. 7520/15.0T8GMR que correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Instância Central de Guimarães, 1.ª Seção de Comércio – J2.
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Foi nomeado Administrador de Insolvência J. R..
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A sociedade teve um volume de negócios de 337.819,31€ em 2011, 344.083,75€ em 2012, 229.443,77€ em 2013, 51.751,03€ em 2014 e 88.231,20€ em 2015.
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O volume de negócios teve uma quebra acentuada em 2013, na ordem dos 30% e, em 2014, na ordem dos 78%, mantendo os mesmos gastos nomeadamente com o pessoal.
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Toda esta situação económica bastante desfavorável influenciou naturalmente a...
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