Acórdão nº 2399/19.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCHAMBEL MOURISCO
Data da Resolução13 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA, intentou a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, no dia 1/2/2019 e com pedido de citação urgente, nos termos do artigo 561.º do NCPC contra a R.

Meo - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., pedindo ao tribunal que, julgando pela sua procedência, decidisse: «1 - Condenar a Ré a pagar ao Autor a título de atualizações das prestações devidas desde 01.01.2006 até 08.02.2010, e apuradas com base nos valores percentuais em termos médios às alterações salariais para as tabelas salariais dos trabalhadores da Ré, o valor global de € 23.588,08, e ainda naquelas que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, e que resultem dos anos de 2011 até 08.02.2018; 2 - Condenar a Ré a pagar ao Autor juros à taxa legal de € 9.962,59, referente à atualização das prestações devidas desde 01.01.2006 até 08.02.2010, e ainda os juros que se vierem a apurar em função dos valores devidos entre o ano de 2011 até 08.02.2018.» Para o efeito, alegou: - Na sequência do acordo de suspensão do contrato de trabalho/pré-reforma, ficou a Ré obrigada a atualizar anualmente a pensão acordada; - Porém, a Ré não o fez entre janeiro de 2006 e fevereiro de 2010, nem nos anos seguintes; - Violou, assim, o acordo de pré-reforma, pelo que assiste direito do Autor àquelas quantias.

  1. Por sentença de 18 de fevereiro de 2020, foi a ação julgada improcedente e a R. absolvida de todos os pedidos.

  2. O Autor interpôs recurso de apelação, tendo impugnado a matéria de facto, bem como a decisão de Direito, porquanto considerou que lhe eram devidos os créditos peticionados, em função do acordo de pré-reforma que havia celebrado com a R.

  3. Por decisão sumária de 6 de dezembro de 2020 do Tribunal da Relação, foi decidido:

    1. Em julgar parcialmente procedente o presente recurso de Apelação interposto por AA na sua vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, eliminando-se, os Pontos 1) a 5) da factualidade dada como não provada; b) Em ordenar, oficiosamente e nos termos do número 1 do artigo 662.º do NCPC, a eliminação do Ponto N) da factualidade dada como assente; c) Apesar de tal modificação da decisão sobre a matéria de facto, em julgar procedente o presente recurso de Apelação interposto por AA na sua vertente jurídica, nessa medida se revogando a sentença recorrida e se decidindo pela total procedência da ação e condenação da Ré nos pedidos deduzidos pelo Autor, nos moldes pelo mesmo formulados.

  4. Na sequência de reclamação para a conferência, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação, em 24 de março de 2021, que decidiu: “O coletivo de juízes, reunido em conferência e após analisar os elementos relevantes constantes dos autos, não encontra fundamento, quer de natureza fáctica como jurídica, para alterar a Decisão Sumária acima transcrita e proferida pelo relator em 6/12/2020, no que concerne às questões suscitadas no recurso de Apelação do Autor e já apreciadas e decididas na aludida Decisão Sumária.

    A posição sustentada no Aresto deste mesmo Tribunal da Relação ….. que é mencionado pela Ré na sua Reclamação, bem como nas suas alegações recursórias, acha-se contrariada e rebatida pela diversa jurisprudência identificada na Decisão Sumária reclamada.

    Sendo assim, confirma-se a Decisão Singular proferida pelo relator, com base nos fundamentos aí explanados com vista a justificar, fáctica e juridicamente, a procedência do recurso de Apelação e inerente revogação da sentença judicialmente impugnada pelo mesmo, com a condenação desta última nos moldes que constam da parte decisória da referida Decisão Sumária.” 6. A Ré interpôs recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1. O Douto Acórdão em crise, sempre com o devido respeito, além de não ser totalmente conforme à lei e ao direito, subverte princípios elementares estruturantes do pensamento jurídico.

  5. Com efeito, procede à eliminação de Ponto facto provado N e aos Pontos 1 a 5 dos factos não provados, com base na sua suposta, mas inexistente, conclusividade.

  6. É certo que tal decisão teve em vista o sentido da Decisão que se pretendia proferir, porém, tal não constitui argumento juridicamente relevante.

  7. Na verdade, não se descortina, como e de que forma, o que foi consignado nesse ponto N e nos pontos 1 a 5, encerre opiniões ou juízos de valor.

  8. Antes e ao invés, ali se alude a concretas ocorrências da vida real, nomeadamente a circunstância de a Ré, até 2005, ter aplicado a mesma percentagem de aumento salarial a todos os trabalhadores e o valor percentual médio de atualização da tabela salarial, que o Autor alegou se ter verificado, mas não logrou provar.

  9. E não é pelo facto de não se ter produzido prova sobre essa matéria, que se poderá sustentar que se trata de matéria conclusiva.

  10. Impõe-se, por isso, que sejam repostos, que o Ponto N, dos Factos Provados, quer os Pontos 1 a 5 dos Factos Não Provados.

  11. De qualquer modo e sempre com o devido respeito, jamais poderá ser acolhida a interpretação da cláusula 4.ª do APR, sufragada pelo Tribunal.

  12. Dado não ser possível que um homem medianamente informado e esclarecido, como certamente é o Autor (com uma remuneração tão elevada como é sublinhado) que até 2005 teve sempre conhecimento de que a percentagem de atualização da remuneração (dos trabalhadores no ativo) e da compensação ou da prestação de pré-reforma (dos trabalhadores em regime de suspensão do contrato de trabalho ou de pré-reforma) foi sempre a mesma para todos eles (facto DD) pudesse ter “pensado” em acordar um regime de atualização que não fosse aquele que era aplicado há décadas.

  13. Além de não ser compreensível que a atualização fosse fixada em termos médios, quando até essa data e também durante décadas, a percentagem de aumento salarial foi única e igual para todos os trabalhadores da Ré (facto N).

  14. Ou seja, a informação de que o Autor – declaratário concreto – era conhecedor, para perceber o sentido da declaração negocial inserta na cláusula 4.ª, era que nos seus SEIS anos de antiguidade da Empresa, a percentagem de aumento salarial tinha sido sempre igual para todos os trabalhadores.

  15. Donde, a referência à atualização em termos médios só pode equivaler à atualização que o Autor teria caso estivesse no ativo e não a qualquer valor “médio”, mas ao valor percentual concretamente fixado para aumento da tabela salarial dos trabalhadores do ativo, nunca a um valor percentual “médio” da percentagem de aumento da tabela salarial.

  16. Aliás, o Autor aceita o critério de atualização da prestação nos termos que lhe seriam devidos como se estivesse no ativo, uma vez que não reclama a atualização da sua prestação nos anos de 2010, 2011, 2012, 2014, 2015, 2016 e 2017, períodos em que a Ré não atualizou a remuneração de nenhum seu trabalhador no ativo.

  17. É este o único sentido interpretativo que resulta da aplicação das regras da interpretação da declaração negocial, constantes do artigo 236.º, do Cód. Civil, que apela ao sentido obtido do ponto de vista do destinatário concreto.

  18. Dado que, como se infere do Acórdão da Relação de Lisboa de 7/11/2018, proferido sobre esta questão e relatado pela (atual) Senhora Conselheira Maria Paula Sá Fernandes, a proceder a interpretação acolhida pela Decisão em apreço, os trabalhadores em pré-reforma, em geral e o Autor em particular, beneficiariam de um regime duplamente mais favorável do que aquele do que beneficiaria caso estivessem no ativo e do que os trabalhadores no ativo.

  19. Uma vez que o Autor não só beneficiaria de atualização da sua prestação, quando não teria atualização caso estivesse no ativo, como até de uma percentagem de atualização superior aquela de que beneficiariam os trabalhadores no ativo.

  20. Dado que, auferindo o valor mensal de 8.284,48 € (facto G) e não tendo a Ré, após o ano de 2006, voltado a atualizar a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.873 € (factos O a Z) o vencimento do Autor não seria passível de ser atualizado.

  21. Com a agravante de, nos anos de 2011, 2012, 2014, 2015, 2016 e 2017, a Ré não ter atualizado a remuneração de nenhum seu trabalhador; 19. De qualquer modo, ainda que assim se não entenda, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, não existe fundamento legal para que a Ré fosse condenada a pagar ao Autor as diferenças pecuniárias que o mesmo peticionou.

  22. Na verdade, é absurdo que a Decisão em crise tenha reconhecido o direito reclamado pelo Autor, sem que tenha sido feito prova da percentagem média de atualização da tabela salarial, seja lá o que isso for, em cada um dos anos do período entre 2006 e 2010.

  23. De facto, do cotejo dos factos provados não se vislumbra, mesmo de forma implícita ou imperfeitamente expressa, onde constam tais percentagens.

  24. A menos que o Tribunal tenha entendido, de forma inaudita e contra os mais elementares princípios da hermenêutica jurídica, que a eliminação de factos não provados, acarreta a prova do seu oposto.

  25. Acresce, que sem a menção ou prova da percentagem média de atualização, este Supremo não pode exercitar a sua competência de Tribunal de recurso, no sentido de confirmar ou infirmar se essa percentagem média corresponde ou não à atualização que é contratualmente devida.

  26. Com a particularidade, de se tratar de facto constitutivo da pretensão do Autor e que a não ser demonstrado, uma vez que a prova impendia exclusivamente sobre si, fará soçobrar a ação.

  27. De resto, também não se compreende que sejam relegadas em liquidação, as (supostas) atualizações da prestação de pré-reforma referentes ao ano de 2013, só porque o Autor assim requereu.

  28. Dado que, como é sublinhado na jurisprudência citada, a liquidação em execução de sentença só é legalmente admissível quando não existam elementos que permitam determinar o quantum devido, jamais quando a prova desses elementos não seja demonstrada.

  29. É o que se...

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