Acórdão nº 387/19.1GBABF-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelBERGUETE COELHO
Data da Resolução12 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora * 1.

RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo abreviado, correndo termos no Juízo Local Criminal de Albufeira, Comarca de Faro, proferiu-se o seguinte despacho: «Pese embora o arguido tenha de facto prestado Termo de Identidade e Residência a fls. 9, como bem assinala o Ministério Público, e reiterado a morada quando foi ouvido a fls. 92, a verdade é que, tentada a notificação da data de julgamento do arguido nessa morada, acabou por se frustrar a sua localização, sendo até impossível o depósito da convocatória “por endereço insuficiente/desconhecido” (fls. 112 e 126).

Assim sendo, o Tribunal não encetará novos esforços para localizar o arguido nesta morada ou, sequer, designar nova data para realização de julgamento.

Desta forma, resultando também goradas as tentativas de localização do arguido em moradas alternativas, determina-se a notificação do arguido, através de editais com a sua identificação, indicação do crime de que vem acusado e das respectivas normas legais, para no prazo de 30 dias se apresentar em juízo, sob pena de ser declarado contumaz, nos termos do disposto no artigo 335.º n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal.».

Inconformado com tal despacho, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo as conclusões: 1. Por despacho judicial de 06.01.2021, o Tribunal a quo, decidiu não designar nova data para a realização de julgamento e notificar o arguido, através de editais, para no prazo de 30 dias se apresentar em juízo, sob pena de ser declarado contumaz, uma vez que já se tinha tentado efectuar a notificação na morada do TIR, mas esta foi devolvida com menção de “endereço insuficiente/desconhecido”, e das diligências realizadas não se logrou apurar novo paradeiro do arguido.

2. Por não se conformar com esta decisão, vem o Ministério Público interpor recurso, o qual versa sobre matéria de direito, mais concretamente sobre a questão de saber se pode ser designada nova data para audiência de julgamento, notificando o arguido na morada do TIR que prestou e, consequentemente, se foi indevidamente utilizada a notificação através de editais, nos termos do disposto no artigo 335.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

3. Nos presentes autos o arguido prestou TIR, aí constando as advertências previstas no artigo 196.º, do Código de Processo Penal, entre as quais, de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada que indicou, excepto se comunicasse outra.

4. A redacção actual do artigo 113.º, do Código de Processo Penal, resulta da Lei n.º 59/98, de 25/08, e do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15/12. As alterações introduzidas neste artigo desde a versão originária – em particular os n.ºs 3 e 4 - tiveram como escopo obviar a que o arguido impedisse a regular notificação da acusação, bem como o julgamento, pois, para tal, bastava que indicasse uma rua ou um número de polícia inexistente ou sem receptáculo.

5. Contudo, “se um arguido que ao prestar TIR indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há de ter como notificado o arguido que logo na prestação do TIR indica como morada uma rua e número de polícia inexistente ou sem recetáculo onde o distribuidor possa colocar a correspondência”, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14.05.2014, processo 346/10.0GBLSA.C1. No mesmo sentido, veja-se, ainda, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05.07.2017, processo 706/12.1TAACB-A.C1, e de 24.04.2018, processo 313/15.7GCACB-A.C1, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 05.06.2018, processo 60/16.2PALGS-A.E1, e de 04.12.2018, processo 24/14.0ZRFAR.E1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.06.2015, processo 3/03.3IELSB.L1-9.

6. No caso sub judice, o arguido prestou TIR, sabia que os presentes autos se encontravam pendentes e que já tinha sido designada data para audiência de julgamento, sendo que, como bem se refere no despacho recorrido, quando foi ouvido - o que sucedeu em audiência de julgamento, a qual foi dada sem efeito por se encontrar excedido o prazo de 20 dias para o processo sumário -, reiterou a morada do TIR.

7. Tendo o arguido prestado TIR, a notificação para audiência de julgamento, é feita mediante via postal simples, nos termos do disposto nos artigos 313.º, n.ºs 2 e 3, e 113.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código de Processo Penal, independentemente da respectiva existência física ou não do endereço.

8. Pelo que, a notificação através de editais, para no prazo de 30 dias se apresentar em juízo, com a cominação de ser declarado contumaz, nos termos do disposto no artigo 335.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, é inadmissível, uma vez que não se verificam os respectivos pressupostos legais.

9. A notificação do arguido através de editais, nos termos determinados pelo Tribunal a quo, ao invés de ser designada nova data para julgamento, notificando-se o arguido por via postal simples, para a morada do TIR, viola o preceituado nos artigos 313.º, n.ºs 2 e 3, 196.º, n.º 3, al. c), 113.º, n.º 1, al. c) e n.ºs 3 e 4 e 335.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Penal.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que designe nova data para audiência de julgamento, notificando o arguido na morada do TIR, por via postal simples, com prova de depósito.

O recurso foi admitido.

O arguido não apresentou resposta.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, fundamentado, no sentido da improcedência do recurso.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada disse.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

* 2.

FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. Série I-A de 28.12.1995, e Acórdãos do STJ: de 13.05.98, in BMJ n.º 477, pág. 263; de 25.06.98, in BMJ n.º 478, pág. 242; de 03.02.99, in BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt; Simas Santos/Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48; e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320 e seg.

Assim, reside em apreciar da indevida utilização da notificação do arguido nos termos do art. 335.º, n.º 1, do CPP e, ao invés, da sua notificação na morada constante do termo de identidade e residência (TIR) que prestou nos autos.

*Apreciando: Da consulta dos autos, a que o recorrente, mormente, se reporta, resulta: O arguido prestou TIR, em 10.03.2019, indicando a sua residência e tendo sido advertido do conteúdo do art. 196.º, n.º 3, do CPP, não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT