Acórdão nº 01427/19.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução07 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO B…………., A………………. e C………………..

, melhor identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TAC) acção administrativa contra o ESTADO PORTUGUÊS, peticionando a condenação deste a pagar a cada um dos autores, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante de 10.000,00€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral e efectivo pagamento.

*Por saneador/sentença, de 14 de Fevereiro de 2020, o TAC de Lisboa julgou a presente acção parcialmente procedente, e, nesta procedência, condenou o Estado Português a pagar a cada um dos Autores a quantia de 5.750.00€ (cinco mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento, a título de responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados no exercício da função jurisdicional e atraso na realização de justiça.

*O Réu e os Autores apelaram para o TCA Sul, e este, por acórdão proferido a 07 de Janeiro de 2021, com um voto de vencido, decidiu: “1. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Réu, Estado Português, revogar a sentença recorrida e em substituí-la por outra, de condenação do Réu, Estado Português ao pagamento da indemnização no valor de 12.000,00€ a repartir por cada um dos Autores, no valor de 4.000,00€ acrescida de juros legais, desde a citação, em consequência da violação do direito a uma decisão em prazo razoável.

2. Negar provimento ao recurso interposto pelos Autores, por não provado.”*Os Autores, inconformados, vieram interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1.ª A condenação e a absolvição parciais do réu do pedido ficaram a dever-se ao facto de no acórdão impugnado se ter entendido que o tempo decorrido entre o trânsito em julgado da decisão definitiva da causa e a notificação da conta final de custas, elaborada após a decisão da reclamação, não deve ser contabilizado como sendo tempo de duração total do processo e que a indemnização só deve ser calculada com base nos anos considerados de excesso do prazo razoável de decisão.

  1. Por sua vez, a redução da indemnização atribuída pela 1ª instância, que o acórdão fez operar, foi motivada pelo erro cometido de se ter considerado que os autores alegadamente não foram diligentes e cooperantes com o tribunal, tendo feito uso indevido de uma reclamação e omitido um pedido de aceleração processual, pelo que tiveram alguma culpa, e, por isso, também seriam responsáveis pelo excesso na duração do processo.

  2. Porém, é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência do TE que o art.º 6º, § 1º, da Convenção deve ser interpretado e aplicado no sentido de o tempo decorrente entre o trânsito em julgado da decisão que julgou definitivamente a causa e a notificação da conta final de custas, elaborada após esgotamento dos meios de impugnação no caso existentes, também se deve contar para a determinação da duração total do processo e para o cálculo da indemnização a atribuir ao lesado.

  3. De facto, trata-se de uma fase em que se praticam actos no processo, podendo estender-se por vários meses e até anos, se houver recurso, e se executa uma parte da sentença, pelo que é parte da determinação dos direitos e obrigações de carácter civil, sendo certo que tem sido entendido que as fases declarativa e de execução são incindíveis, ainda que, nalguns casos, os processos sejam autónomos, contando-se como se de uma só fase se tratasse.

  4. É igualmente entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência estrasburguesa que o verdadeiro sentido e alcance do citado art.º 6º, § 1º, impõe que a indemnização por danos não patrimoniais seja determinada com base no tempo de duração total do processo, e não só por cada ano considerado de atraso, à razão de uma quantia compreendida entre 1000,00 e 1500,00 por cada ano de pendência total.

  5. Já se aceita em todos os quadrantes que é o TE que interpreta e determina o verdadeiro sentido e alcance das normas da Convenção, densificando os conceitos de prazo razoável, indemnização razoável e danos não patrimoniais ressarcíveis e que a sua jurisprudência, como que interpretação autêntica, desempenha um papel de relevo, pelo que deve ser seguida pelos tribunais nacionais.

  6. Na fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais que os autores sofreram em consequência da violação do prazo razoável de decisão, o tribunal recorrido, em vez de uma indemnização razoável, atribuiu uma compensação insuficiente, tendo reduzido a já por si insuficiente que fora atribuída na sentença, muito abaixo do que seria justo e razoável, não tendo tido em conta os critérios constantemente seguidos pela jurisprudência de Estrasburgo e também pelos tribunais nacionais.

  7. Os autores foram notificados já em cima das férias judiciais para juntarem documento comprovativo de notificação da réplica do réu, reclamaram a 1 de Agosto e, após indeferimento, deram entrada ao documento a 9 de Setembro, na mesma data em que o fariam se não tivessem reclamado, além de que não se tratou de nenhum incidente, antes sendo um acto processual normal, pelo que nem o uso da reclamação foi indevido nem houve qualquer atraso no processo.

  8. No CPC não se prevê qualquer incidente de aceleração processual que pudesse ter sido accionado e aquele que está previsto nos artºs 108º e 109º do CPP não pode aqui ser aplicado por analogia, atenta a natureza dos valores envolvidos, pelo que não foi cometida qualquer omissão nem houve atraso do processo imputável aos autores, tendo, por isso, sido indevida a atribuição de culpa no atraso e a redução da indemnização, do que resultou violado art.º 4º do RRCEDEP.

  9. Na fixação da indemnização o tribunal recorrido não teve em conta, nomeadamente, que o art.º 41º da Convenção manda atribuir uma reparação razoável às vítimas da violação do prazo razoável e que o TE, nesta parte seguido pelos tribunais nacionais, tem entendimento que a indemnização deve ser fixada entre 1000,00 e 1500,00 euros por cada ano de duração total do processo (e não só por cada ano de atraso).

  10. Na elaboração do acórdão devia ter-se aplicado o citado art.º 41º e interpretar-se os art.ºs 494º e 496º, nºs 1 e 3, ambos do CC, no sentido de afastar a aplicação do segundo normativo, simplesmente porque não se trata de uma situação em que a responsabilidade se funde em mera culpa para a indemnização poder reduzida, devendo ter-se sempre em consideração os valores indemnizatórios revelados pela prática jurisprudencial.

  11. O acórdão olvidou ou simplesmente desconheceu a tendência jurisprudencial que se vem verificado, desde há vários, no sentido de se abandonar a atribuição de indemnizações insuficientes e não razoáveis, referindo-se em vários arestos que se trata de entendimento praticamente unânime.

  12. Cada um dos autores merece a atribuição de uma reparação razoável, de valor igual ao da que pediu, porque também é razoável o quantitativo desta, no sentido de que o mesmo não peca por excesso, sobretudo se comparado com os que é corrente ver-se serem pedidos e atribuídos em processos em tudo idênticos a este, só podendo pecar por defeito, nunca por excesso.

  13. Além dos normativos já citados, mostram-se violados os artºs 2º, 20º, nº 4, 22º, todos da Constituição, 6º, § 1º, da Convenção, 2º, nº 1, do CPC, 1º, nºs 1 e 2, 3º, 7º, nºs 3 e 4, 9.º, 10º, nº 1, e 12.º, todos do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pelo art.º 1º Da Lei nº 6/07, de 31 de Dezembro, e 70º, nº 1, 483º, nº 1, 496º, nº 1, e 563º, todos do CC.»*O recorrido contra-alegou, concluindo: «A - DA NÃO ADMISSÃO DO PRESENTE RECURSO DE REVISTA POR FALTA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 150º, Nº 1 DO CPTA 1.

De acordo com o preceituado no artigo 150º, nº 1, do CPTA, é entendimento pacífico que o recurso jurisdicional de revista tem natureza marcadamente excecional e, portanto, a sua admissibilidade está circunscrita a elenco limitado e muito concreto de casos.

2.

Tal significa que não é de admitir o recurso de revista quando as questões suscitadas se prendem com os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, com referência ao momento até ao qual se deve contar a duração do processo, que no entender dos recorrentes deveria ser a notificação da conta, para efeito de se provar se a decisão foi, ou não, proferida em prazo razoável.

3.

Reconduzindo-se a segunda das questões em saber se a indemnização fixada se situa dentro dos limites fixados pela jurisprudência e doutrina.

4.

Como referem, fundamentam a presente revista no seguinte: “A condenação e a absolvição parciais do réu do pedido ficaram a dever-se ao facto de no acórdão impugnado se ter entendido que o tempo decorrido entre o trânsito em julgado da decisão definitiva da causa e a notificação da conta final de custas, elaborada após a decisão da reclamação, não deve ser contabilizado como sendo tempo de duração total do processo e que a indemnização só deve ser calculada com base nos anos considerados de excesso do prazo razoável de decisão.” 5.

Na verdade, importa referir, desde logo, que não se divisa que do douto Acórdão recorrido resulte erro manifesto e grave, quer no domínio da apreciação da prova, quer na aplicação do direito, nem tal é invocado.

6.

De facto o Tribunal a quo, não só, analisou toda a factualidade dada como provada, em sede de 1ª instância e nos termos da lei aplicável, Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, como fundamentou de forma detalhada as razões pelas quais se verificavam os pressupostos daquela responsabilidade civil, embora considerando a concorrência da responsabilidade dos AA, razão pela qual deu provimento ao recurso do Réu Estado Português.

7.

Aliás, o facto da questão relativa ao momento até ao qual se deve contabilizar a duração do processo não suscitar controvérsia jurisprudencial ou mesmo doutrinal...

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