Acórdão nº 3546/20.0JFLSB-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelLÍGIA TROVÃO
Data da Resolução30 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa: I–RELATÓRIO 1.– No processo de inquérito nº 3546/20.0JFLSB, o Exmº Sr. Juiz de Instrução Criminal, Juiz 2, por despacho judicial de 28/06/2021, declarou nula a apreensão de correspondência eletrónica e não eletrónica trocada com e pelo suspeito JC na sequência de busca não domiciliária ordenada pelo Ministério Público em 12/05/2021, por entender que a apreensão de correspondência de qualquer tipo, terá que ser autorizada judicialmente, sob pena de nulidade, por forma a que seja controlado previamente o próprio acesso a tais dados ou elementos físicos de acordo com o disposto nos arts. 179º nº 1 do C.P.P. e 17º da Lei nº 109/2009 de 15 de Setembro e, em consequência, recusou tomar conhecimento dessa correspondência que lhe foi remetida, sem prévia abertura (ou seja, sem que tenha sido tomado conhecimento do seu conteúdo e devidamente selada), pelo MºPº.

* 2.–Recurso da decisão Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso formulando as seguintes conclusões ( transcrição ): 1)-Conforme expressamente determinado nos mandados de busca nos autos foi autorizado o acesso ao sistema informático encontrado, impondo-se expressamente quanto a correspondência que fosse encontrada, electrónica ou não que: "...toda a correspondência em suporte informático ou não, que se encontre fechada, deve ser apresentada, sem prévia abertura, ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal para exame e decisão da sua junção aos autos, nos termos do artigo 179°, n.° 1 e 3, e 188° n.° 1 e 4, do CPP" — cfr. mandado de busca e apreensão de fls. 113.

2)-Foram cumpridos os mandados de busca em 2/06/2021, pela Polícia Judiciária, sendo as apreensões devidamente validadas em 03/06/2021 — cfr. fls. 118.

3)-Conforme resulta do auto de busca e apreensão a fls. 116, consignou este OPC: "Os dados referentes às comunicações electrónicas referentes a JC foram extraídos na forma original (encapsulados), sem tomar conhecimento do seu conteúdo e copiados de modo certificado com recurso as ferramentas forenses certificadas, para o suporte ótico (DVD), devidamente acondicionado em saco de prova em uso nesta Polícia, com a refa SÉRIE A 107488".

4)-Por despacho do Ministério Público, de fls. 126 foram os autos remetidos ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal, consignado-se expressamente: "tendo em vista a abertura e tomada de conhecimento do conteúdo da correspondência electrónica apreendida. Caso a mesma se mostre relevante, desde já se requer a junção aos autos." 5)-Por essa via, determinou o Mmo. Juiz de Instrução que a apreensão era nula porquanto não foi precedida de autorização judicial.

6)-Ora, salvo melhor opinião, o Mmo. Juiz de Instrução confunde a apreensão dos suportes informáticos com a apreensão e abertura de correspondência.

7)-Com efeito, foi determinada a apreensão de ficheiros de correspondência electrónica, sem que fossem os mesmos visualizados pelo OPC ou pelo Ministério Público, não tendo sido determinada a sua junção como se fez menção no despacho, sem que o Mmo. Juiz tomasse dos mesmos conhecimento e, caso se mostrassem relevantes, ordenasse por si próprio essa mesma junção.

8)-Ora, o regime de apreensão de correio eletrónico mostra-se regulado diretamente pelo artigo 17° da Lei do Cibercrime e, subsidiariamente (por remissão do mesmo) pelos pressupostos e requisitos legais relativos à apreensão de correspondência, previstos no art° 179° do Código de Processo Penal.

9)- O disposto no art.° 179° n.° 3 do CPP, aplicável por força do art.° 17° da Lei n° 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), impõe que o JIC seja a pessoa a tomar conhecimento "em primeiro lugar" do correio eletrónico apreendido, sob pena de nulidade.

10)-Sendo que, foi o que efectivamente sucedeu nos autos.

11)-Apreendidos e selados os ficheiros, os mesmos foram remetidos ao Mmo. Juiz, sem que ninguém tomasse dos mesmos conhecimento.

12)-É pacífico o entendimento jurisprudencial, que é competência do Ministério Público que "determinou a busca não domiciliária a possibilidade de autorizar a pesquisa informática, com vista à apreensão de documentação guardada em suporte digital e armazenada em sistemas informáticos ou noutros sistemas aos quais seja possível aceder através destes, incluindo comunicações de correio eletrónico".

13)-Tal como é entendimento unânime da jurisprudência e doutrina a obrigatoriedade de ser o Juiz de Instrução a tomar conhecimento, em primeiro lugar, dos suportes com o material da pesquisa eletrónica efetuada no decurso de busca autorizada pela autoridade judiciária competente e a determinar a sua apreensão para os autos, o que foi efectivamente efectuado neste inquérito.

14)-Confundindo o Mmo. Juiz de Instrução a apreensão e pesquisa dos suportes informáticos de correio electrónico com a apreensão e visualização do seu conteúdo. Actividade que indubitavelmente lhe compete e cuja legalidade veio a ser respeitada.

15)-Na génese do preceito legal, que determina que a intromissão nas comunicações e na correspondência está sujeita a autorização judicial, encontra-se o princípio da proporcionalidade face à especial danosidade social que implica tal intromissão.

16)-Citando Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, pág.a 545), "o direito ao sigilo da correspondência e restantes comunicações privadas, implica, não apenas o direito que ninguém as viole ou as devasse, mas também o direito de terceiros que a elas tenham acesso não as divulguem".

17)-Ou seja, "a Constituição não garante somente o sigilo da correspondência e outros meios de comunicação privados (n.°1), mas também proíbe toda a ingerência (n.°4), envolvendo a liberdade de envio e de recepção de correspondência, a proibição de retenção ou de apreensão, bem como de interferência (telefónica etc.) (...)." 18)-Direitos constitucionais que se encontram plenamente salvaguardados com a mera apreensão e pesquisa dos suportes informáticos de correio electrónico extraídos na sua forma original (encapsulados), sem que a PJ ou o Ministério Público tivessem tomado qualquer conhecimento do seu conteúdo e apresentando-os em primeira mão ao Mmo. Juiz de Instrução. Cabendo a este a decisão sobre a sua, eventual, apreensão e junção aos autos.

19)-Pelo que, o douto despacho do Mmo. Juiz deve, em nosso entender, ser revogado, substituindo-se por outro que designe data para abertura de correspondência.

* II–FUNDAMENTAÇÃO 1–Questões a decidir De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 412º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios previstos no artigo 410º n º 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito ( cfr. Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, publicado no D.R. I – A Série, de 28/12/1995 ).

No presente caso trata-se de saber se, encontrando-se em curso, em fase de inquérito, investigação com vista a apurar da eventual prática de um crime de abuso de poder, no decurso de busca não domiciliária autorizada pelo MP, a apreensão ordenada por esta autoridade judiciária de correspondência eletrónica e não eletrónica encontrada no decurso de pesquisa informática, sem que o MP ou os OPC tivessem tomado conhecimento do respetivo conteúdo, carece, ou não, de autorização prévia do Juiz de instrução.

* 1– O despacho recorrido (transcrição): “Nos presentes autos o Ministério Público determinou a realização de busca a um organismo, decidindo a apreensão de correspondência electrónica e não electrónica trocada com e pelo suspeito.

Nessa sequência apresentou a correspondência electrónica apreendida para conhecimento judicial, para exame e decisão da sua junção aos autos, nos termos dos artigos 179.° e 189.° do Código de Processo Penal ( no despacho que autorizou a busca o Ministério Público invocou o disposto nos arts. 179°, n.° 1 e 3, e 188° n.° 1 e 4, do Código de Processo Penal).

No entanto, não se compreende a validade da apreensão de correspondência, particularmente com referência às mencionadas disposições legais.

Quer no caso de dados de comunicação (art. 187° e 189° do Código de Processo Penal), quer no caso específico da correspondência (art. 179° do Código de Processo Penal), estabelece a Lei que essa apreensão deve ser autorizada ou ordenada pelo juiz, verificados os demais pressupostos estabelecidos no art. 179.

°, n.°1, do Código de Processo Penal (pressupostos que aqui não se discutem).

Nessa circunstância, o juiz é o primeiro a tomar conhecimento de tal apreensão que ordenou, de forma a apreciar da validade do que foi apreendido e, após a indicação pela investigação do que mostrar necessário, decidir sobre a sua junção aos autos (art. 179.°, n.°3, do Código de Processo Penal).

Não se percebe como pôde o Ministério Público autorizar expressamente a apreensão de correspondência sem autorização judicial, particularmente com a invocação do preceito referido e, sobretudo, querendo executar apenas a parte final do mencionado mecanismo processual de garantia.

Em particular quanto à apreensão de correspondência electrónica, cabe ao tribunal autorizar ou ordenar a sua apreensão, de acordo com o disposto no art. 17° da Lei n.° 109/2009 de 15 de Setembro, que, na sua parte final, remete para a mesma regulamentação processual penal.

Essa disposição da lei do cibercrime apenas permite, de forma específica a possibilidade de, no...

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