Acórdão nº 12/09.9IDVRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Setembro de 2021
Magistrado Responsável | PAULO SERAFIM |
Data da Resolução | 27 de Setembro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Comum Singular nº 12/09.9IDVRL, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo Local Criminal de Peso da Régua, no dia 02.12.2020, pela Exma. Juíza foi proferido despacho com a seguinte decisão (fls. 795 a 798 – referência 34983151): “Pelo exposto, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão de quatro anos e seis meses de prisão que foi imposta, nestes autos, ao condenado L. V., e determino o cumprimento, por este, da pena de prisão de quatro anos e seis meses fixada na sentença proferida nos autos.
” ▬ ▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido L. V. interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 802 a 811 – referência 2499608): “1º Nos autos de processo comum supra referenciados, foi o arguido condenado pela prática em autoria material de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.º 1 do RGIT, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 8,00€, e de um crime de burla tributária qualificada, p. e p. pelo artigo 87.º, n.º 1 do RGIT, na pena de 4 anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, com a condição de pagar o montante de imposto que foi indevidamente atribuído à sociedade Y edifícios, Lda., no montante total de 209.818,24€ e acréscimos legais.
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Por douto despacho judicial foi revogada esta suspensão da execução da pena, justificando tal decisão, em síntese, no facto de o recorrente não ter efetuado qualquer pagamento para amortizar a sua dívida e não considerando que a obrigação não fosse impossível de cumprir, agindo com culpa ao violar as condições que foram impostas à suspensão da execução da pena, porque quando pode cumprir a condição não o fez, e, ao regressar a Portugal, apresenta ao Tribunal uma situação laboral de não poder cumprir a condição.
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Sucede que, e desde logo, o douto despacho ora posto em crise parte de um pressuposto errado ao considerar que “à altura da condenação o condenado auferia um salário mensal de aproximadamente 3.000,00€”.
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Com efeito, em sede de sentença foi dado como provado, isso sim, que “o arguido é encarregado de uma empresa de construções em Angola, onde trabalha desde 2007-2008, auferindo, pelo menos, 3.000 Dólares por mês”.
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Ora, à data, 3.000 Dólares correspondiam aproximadamente a 2.500,00 €, e não a 3.000,00 €, o que se reveste de especial importância se considerarmos que no período em que o arguido esteve emigrado em Angola, o seu agregado familiar era constituído por 3 filhos estudantes e mulher desempregada.
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E, como ficou demonstrado nos autos, auferindo, então, o montante aproximado de 2.500 euros, e sabendo-se que gastava entre 1.000 € a 1.500€ mensais com o sustento do seu agregado familiar, restava-lhe, no máximo a quantia média/mês aproximada de 1.100€/1.200 € para fazer face a todas despesas que suportava em Luanda, sublinhando-se, aqui, que esta cidade registava o mais alto custo de vida do mundo.
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Por outro lado, nos termos do artigo 56.º do C. Penal, são dois os fundamentos da revogação, primeiro, o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras impostas ou do plano de reinserção social, segundo, o cometimento de crime e respetiva condenação, sendo que o despacho recorrido suporta-se apenas no primeiro, sendo, portanto, o único, cuja verificação ou não, importa analisar.
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É pacífico o entendimento de que o incumprimento grosseiro é o que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, nomeadamente a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção, sendo que o incumprimento repetido resulta da atitude do condenado de leviandade prolongada no tempo, revelando uma postura de desprezo pelas limitações resultantes da sentença de condenação.
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Por sua vez, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-10-2017, proferido no Processo n.º 53/09.6IDVIS.C1, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/267fdb7b60bdf79b802581bb00514149?OpenDocument, relativamente à natureza da suspensão da execução da pena de prisão refere: “(…) A suspensão da execução da pena de prisão é uma verdadeira pena – meio autónimo de reacção jurídico-penal, assentando a sua aplicação, mormente, “(…) “(…) A suspensão da execução da pena de prisão é uma verdadeira pena – meio autónomo de recção jurídico-penal assentando a sua aplicação, mormente, num juízo de prognose favorável face ao comportamento futuro do arguido. Assim, a aplicação de tal pena depende de, no momento em que é proferida a decisão condenatória, esta satisfazer de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a saber, a protecção de bens jurídicos e as necessidades de reintegração social do arguido. (…)” 10º Assim, salvo melhor opinião, nesta fase processual, importa considerar a função de prevenção especial da pena, e levar em consideração que quando as condutas infratoras que não relevam um grau de culpa e indiferença elevado e encontrando-se o condenado já ressocializado, a lei prevê a obrigatoriedade de aplicação de outras medidas, previstas no artigo 55.º do C. Penal.
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Efetivamente, o recorrente não pagou qualquer valor por conta deste processo, e, como tal, dúvidas não subsistem que o mesmo não cumpriu formalmente com a condição de suspensão da pena de prisão.
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Porém, contrariamente ao que é referido pelo Tribunal a quo, o recorrente não cumpriu a condição de suspensão simplesmente porque não quis, ou, se colocou voluntariamente na situação de não a poder cumprir, mas pelo facto de não dispor de meios para o efeito.
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Nos presentes autos está em causa, repete-se, o pagamento de um montante total de €209.818,24 e acréscimos legais.
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Ora, entre os anos 2007-2008 e 2016, o arguido foi, como já se referiu, encarregado de uma empresa de construções em Angola, auferindo cerca de €3000,00 Dólares por mês (2.500,00 €), e com os filhos gastava cerca de €1.000,00/€1.500,00 por mês.
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Deduzido o montante entregue aos filhos, com o remanescente o condenado ainda tinha que fazer face às despesas com a alimentação aos fim-de-semana e suportar as despesas com as viagens a Portugal que não estavam contempladas no contrato de trabalho.
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Assim, durante a sua permanência em Angola, em termos líquidos, a disponibilidade financeira do recorrente pouco superaria a remuneração que atualmente recebe, sendo manifestamente difícil amortizar parte do valor em dívida, pagando €500,00 ou €1.000,00 por mês, como menciona o despacho recorrido.
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Refere também o douto despacho recorrido que “(…) Quando regressa a Portugal e aqui começa a desenvolver actividade económica consideramos que o mesmo ainda teve oportunidade financeira para proceder ao pagamento. (…)”.
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Ora, apesar de o recorrente não ter de realizar determinadas despesas, o certo é que auferia um salário de €600,00 mensais.
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Nesta parte, importa sublinhar, que a consideração vertida no douto despacho posto em crise de que o condenado não declara o seu real vencimento, não tem, salvo o devido e muito respeito, qualquer base de sustentação na prova documental junta aos autos, nem nas declarações e/ou prova testemunhal produzidas.
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E o montante da condição imposta ao arguido foi o pagamento de €209.818,24 e acréscimos legais, quantias estas que deveriam ser pagas no período da suspensão da decisão, que foi de 4 anos e seis meses.
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Assim, levando em consideração a situação financeira do arguido enquanto esteve em Angola e desde que regressou a Portugal, durante o período da suspensão, seria de todo impossível para o arguido cumprir com a condição, ainda que todo o seu vencimento fosse destinado para esse efeito.
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Acresce que a decisão recorrida questiona que o arguido poderia ter pago, ainda que parcialmente, parte do montante em dívida.
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Uma vez que a condição imposta ao recorrente foi o pagamento total do imposto que foi indevidamente atribuído, no prazo de 4 anos e 6 meses, e não foi imposto nem o pagamento parcial, nem em prestações segundo as suas condições, entendemos que mesmo que o recorrente tivesse efetuado pagamento parcial, o que, repete-se, lhe era de todo impossível, seria sempre num montante irrisório face ao montante atualmente em dívida, e, a final, não teria cumprido a condição.
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Por isso, esta omissão do arguido em efetuar pagamentos parciais do valor em dívida, nunca deverá/poderá conduzir ao entendimento de que não cumpriu a condição com culpa grosseira! 25º Aliás, nesta parte, importa trazer à colação o Acórdão supracitado que, perfilhando o mesmo entendimento, consigna que “a condição imposta foi o pagamento total do imposto e acréscimos, no prazo de 4 anos. Não foi imposto nem o pagamento parcial nem em prestações, segundo as possibilidades económicas do arguido. (…) Mas tais pagamentos apenas poderiam ser deduzidos na dívida total à Autoridade Tributária, mas não satisfariam o cumprimento da condição.
Deverá retirar-se desta omissão do arguido, de não ter efetuado alguns pagamentos de algumas centenas ou mesmo alguns 3 ou 4 milhares de euros, de que não cumpriu a condição com culpa grosseira? Entendemos que não.
E não é legítimo concluir que o não pagamento parcial de qualquer montante se traduz numa culpa grosseira do arguido no não cumprimento da condição.” 26º Ainda na esteira do citado Acórdão, à luz do AUJ n.º 8/2012 do STJ, publicado no DR, 1.ª Série de 24.10.2012, na perspectiva da formulação do juízo de prognose da razoabilidade, “(…) À luz daqueles princípios jurisprudenciais, a presente situação deve ser ponderada no sentido de ter sido feito o designado juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição que veio a ser imposta ao arguido condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica presente e previsivelmente futura...
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