Acórdão nº 1328/18.9T9VFX.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução27 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Inquérito nº 1328/18.9T9VFX, que correu termos pelo Departamento de Investigação e Acção Penal, Secção de Celorico de Basto, da Procuradoria da República da Comarca de Braga, foi proferido despacho de arquivamento, nos termos do disposto no Artº 277º, nº 2, do C.P.Penal, relativamente a factos participados por M. T. contra a sua irmã, E. F., os quais, em abstracto, seriam susceptíveis de configurar a prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo Artº 205º, nºs. 1 e 4, al. b), por referência do Artº 202º, al. b), do Código Penal, de um crime de maus tratos, p. e p. pelo Artº 152º-A, do Código Penal, e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo Artº 256º, nº 1, al. d), do Código Penal (cfr. fls. 388 / 393 Vº)*2.

Notificado daquele despacho de arquivamento, o queixoso, solicitando a sua constituição como assistente, o que lhe foi deferido pelo despacho de 13/10/2020, exarado a fls. 434, veio requerer abertura da instrução, nos termos constantes de fls. 412 Vº / 418 Vº, que a seguir se transcrevem (1), na parte que ora interessa considerar, sustentando, a final, seja proferido despacho de pronúncia, por recolha de indícios suficientes contra a arguida quanto à prática dos crimes de maus tratos, p. e p. pelo Artº 152º-A, nº 1, de abuso de confiança gravada, p. e p. pelo Artº 205º, nºs. 1 e 4, aI. b), e de falsificação de documento, p e p. pelo Artº 256º, nº 1, do Código Penal: “(...) M. T., Assistente nos autos supra identificados, vem requerer a abertura de instrução, nos termos do art. 287°, n° 1 al. b) do C.P.P., nos termos e com os seguintes fundamentos: I - DOS FACTOS 1º O Assistente apresentou queixa contra a Arguida por ter tomado conhecimento dos seguintes factos: 1. Que a sua mãe, a residir com a Arguida, não era devidamente alimentada e cuidada (alimentação à base de doces e fritos) pela Arguida, seja ao nível de medicação, seja ao nível de higiene (marcas na zona da fralda), e eram evidentes marcas corporais que o Assistente associou a maus tratos físicos (hematomas), ou falta de cuidado com a progenitora em não retirar a fralda com regularidade; 2. Tendo tomado conhecimento aquando da deslocação ao Hospital ..., onde a progenitora se encontrava, e pôde o Denunciante perceber a gravidade da situação, assim como as suas irmãs, uma vez que a mesma apresentava hematomas e marcas na zona da fralda, revelando ausência completa de cuidados básicos.

  1. O Assistente tomou conhecimento, aquando da morte da sua mãe, que a mesma tinha outorgado um testamento, apesar de saber que a sua mãe já não se encontrava cm condições físicas e psicológicas nos últimos meses de vida, 4. Assim como sabia que era sua vontade não testar, 5. E, percebendo que a progenitora foi vítima de maus tratos, provavelmente sofrera pressão por parte da Arguida para testar a seu favor, contra a sua vontade e as suas condições de saúde.

  2. Mais, o Assistente, após a morte da progenitora, percebera que a Arguida se apropriou, sem autorização dos outros herdeiros, de bens pertencentes à sua progenitora, cujo paradeiro se desconhece, 7. Dos quais fez menção na relação de bens apresentada no processo de Inventário, que confrontado com a Relação de Bens da Arguida, se percebe claramente que existem mais bens e que a Arguida os oculta - Cfr. Docs. nºs 1 e 2 que se protestam juntar e se dão por reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.

  3. Nomeadamente, avultadas quantias de dinheiro, movimentado de contas bancárias e outras que a progenitora guardava em casa, peças em ouro, loiças antigas, cubas de vinho, e bens de olaria, alguns dos quais o Assistente tem fotografias e a certeza que tais bens existiam à data da morte da progenitora - Cfr. Doc. nº que se protesta juntar e se dá por reproduzido.

  4. Mais, a Arguida manteve a última residência da mãe fechada, proibindo o acesso dos seus irmãos, e não indicando onde se encontravam os bens que os mesmos indicavam, 10. Nunca tendo referido que tais bens não existiam ou que, como vivia com a progenitora, que esta tinha dado aos mesmos algum destino (por venda, doação ou outro).

  5. Assim como, sem se perceber a origem, foram celebrados negócios de aquisição de uma viatura automóvel (matrícula VA, marca Fiat, modelo Cubo) para a Arguida, e a construção de uma garagem, quando na área da sua residência se sabe, por familiares, amigos e vizinhos, que a Arguida não tem nem teve até à data qualquer rendimento que permitisse tais aquisições a pronto pagamento, como ocorreram.

  6. Ainda neste âmbito, sabe o Assistente que o primo da Arguida, a quem a mesma pediu que lhe disponibilizasse uma habitação, J. F., comprou um imóvel, cuja propriedade ficou registada a favor da empresa de que é sócio, nomeadamente X - Engenharia, Lda., com sede na Rua ..., Edifício ..., nº ... Celorico de Basto 13. Pessoa com quem a Arguida tem muita proximidade, tendo inclusive pedido para habitar um imóvel a este pertencente.

  7. A Arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente de que a sua conduta é ilícita e punível por lei, e ainda assim querendo e conformando-se com o efeito da sua conduta.

    2º Ora, o Assistente não pode concordar com o despacho de arquivamento, Porquanto, 3º No que respeita ao crime de maus tratos à progenitora do Assistente, o Ministério Público, apura que apesar de ser diabética, era-lhe dada comida à base de fritos, 4º O que foi confirmado pela Assistente Social, Dra. V. C..

    5º Ora, não é apenas a falta de alimentos, a má alimentação para alguém que tem uma doença crónica pode também revestir uma forma de maus tratos, por contribui para o agravamento do seu estado de saúde.

    6º Ademais, duas das testemunhas inquiridas, M. H. e R. T. confirmam não apenas que foram informadas no Hospital ... das "graves faltas de higiene e má alimentação", bem como da existência de hematomas e mazelas na zona da fralda.

    7º Ainda que tenham as referidas testemunhas uma relação familiar com o Assistente, também têm com a Arguida, e sobretudo com a vítima! 8º Não tendo sido apurado o nome do médico que prestou esta informação, e quais os procedimentos tomados ou aconselhados à data.

    9º Assim como, se confrontaram a Arguida com os factos, e qual a sua reacção, incluindo se a mesma foi chamada ao Hospital, para esclarecer a situação.

    10º Razão pela qual devem as testemunhas ser inquiridas em sede de instrução, assim como o médico assistente da vítima no Hospital ..., em acareação.

    11º Já no ao crime de abuso de confiança agravado, são igualmente evidentes os indícios recolhidos que deveriam ter culminado num despacho de acusação, 12º Primeiramente, A. T. confirma ter detectado, na qualidade de cabeça de casal, a movimentação de 1.600,00€, desconhecendo o seu destino, 13º Não tendo a Arguida apresentado qualquer justificação para o efeito.

    14º Por outro lado, embora as irmãs inquiridas não tenham presenciado os factos, a acusação não pode estar dependente da presença no momento, em flagrante delito, 15º E, tendo as referidas irmãs confirmado alguns dos factos denunciados, revelam conhecer a existência dos bens, 16º E reconhecem que os mesmos desapareceram, sem justificação da Arguida que habitava com a progenitora, 17º Assim como reconhecem que era a Arguida a pessoa mais próxima e com acesso a tais bens, 18º O que mais não é do que um conjunto de indícios suficientes para a acusação.

    19º Ademais, há testemunhas, como o Sr. J. P., que reconhece ter entregue a quantia de 6.000,00€, por empréstimo concedido pelos pais do Assistente, à Arguida, em frente à mãe que se encontrava viva, à data, e que tal valor não foi sequer relacionado no processo de inventário.

    20º Diga-se que também não foram verificadas as contas bancárias da Arguida, quanto a eventuais depósitos ou transferências feitas, 21º O que se revela essencial à descoberta da verdade material.

    22º Ora, ainda que se revele que os valores levantados das contas bancárias possam ter sido para proveito da progenitora da Arguida e do Assistente, a verdade é que também pode não ter sido, 23º E, nessa medida, pode a Arguida ter depositado em contas bancárias de que fosse ou seja ainda titular.

    24º Pouca utilidade terá apenas a movimentação das contas dos progenitores, se não for confrontada com a movimentação, no mesmo período, das contas bancárias da Arguida.

    25º Ainda neste âmbito, sabe o Assistente que o primo da Arguida, a quem a mesma pediu que lhe disponibilizasse uma habitação, J. F., comprou um imóvel, cuja propriedade ficou registada a favor da empresa de que é sócio, nomeadamente X - Engenharia, Lda., com sede na Rua ..., Edifício ..., nº ... Celorico de Basto 26º Assim como a Arguida comprou, a pronto pagamento, e sem nunca ter trabalhado, um veículo a pronto pagamento, com a matrícula VA, marca Fiat, modelo Cubo, e construiu uma garagem anexa à sua habitação, negócios que foram realizados logo após a morte da progenitora, e o desaparecimento dos referidos valores monetários.

    27º Pelo que se requer que seja feita a pesquisa de imóveis pertencentes, ou que já tenham pertencido à referida sociedade, no período sub judice, e a forma de pagamento aquando da aquisição, 28º Assim como quem outorgou a escritura pública de aquisição, 29º E ainda, a notificação do registo comercial para envio aos autos da certidão comercial da empresa de que o filho da Arguida seja proprietário, para consolidação da prova documental, 30º Finalmente, no que respeita ao crime de falsificação, é certo que a testemunha que confirma a vontade de a mãe da Arguida e do Assistente, poderia ter sido também questionada sobre as capacidades mentais, que implicam lucidez e entendimento, estavam perfeitamente asseguradas, 31º Assim como ser realizada uma perícia à assinatura aposta no testamento, a fim de ser analisada a força probatória formal do mesmo, 32º O que, na verdade não ocorrera, e não tendo sido esgotadas todas as possibilidades de recolha de...

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