Acórdão nº 794/21 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução08 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 794/2021

Processo n.º 1005/2021

Plenário

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. José Alexandre da Silva Almeida, invocando a qualidade de candidato pelo Partido Socialista às eleições autárquicas no concelho de Paredes, veio apresentar recurso contencioso, ao abrigo do artigo 156.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais – doravante LEOAL), da deliberação da Assembleia de Apuramento Geral (AAG), na parte em que indefere reclamação incidente sobre um voto para a Assembleia de Freguesia de Cristelo.

2. A petição de recurso oferece a seguinte argumentação:

«I – Dos pressupostos processuais do recurso

[1.º] O presente recurso é interposto da decisão [de] 29-09-2021, da Assembleia de Apuramento Geral dos resultados eleitorais do concelho de Paredes, que indeferiu a reclamação apresentada pelo ora Recorrente contra a decisão que declarou como nulo o voto expresso no boletim de voto na mesa 2 na lista do Partido Socialista (PS) para a Assembleia de Freguesia de Cristelo, que apresentava um traço ténue (círculo) no interior do símbolo do PS e depois um círculo completo dentro do quadrado do boletim de voto daquela candidatura, com fundamento na violação do art° 133º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14-8 (cfr, Ata da Assembleia Geral de Apuramento, doc. Nº 1 que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido).

[2.º] O Recorrente tem legitimidade para interpor o recurso, porquanto foi o apresentante da identificada reclamação contra a decisão ora recorrida, e é candidato da candidatura do PS às eleições autárquicas no concelho de Paredes (cfr. artº 157º LEOAL).

[3.º] O presente recurso é tempestivo, porquanto o edital dos resultados de apuramento geral final foi afixado em 30-09-2021 (cfr. doc. nº 2, que se dá aqui por integralmente reproduzido).

Acresce que,

[4.º] Os efeitos da decisão ora recorrida influem no resultado geral da eleição para a Assembleia de Freguesia de Cristelo, na medida em que se verifica um empate de votos (552 votos) entre as candidaturas apresentadas pelo PS e a candidatura apresentada pela candidatura Primeiro as Pessoas (cfr. doc nº 1).

II - Dos Factos

[5.º] A Assembleia de Apuramento Geral do concelho de Paredes, no exercício da competência prevista no nº 1 do artº 149º LEOAL, decidiu declarar como nulo o voto expresso no boletim de voto na mesa 2 na lista do PS para a Assembleia de Freguesia de Cristelo, que apresentava um círculo no interior do símbolo do PS e depois um círculo completo dentro do quadrado de voto daquela candidatura.

[6.º] Desta decisão foi apresentada reclamação pelo ora Recorrente, com o fundamento que a decisão violava o artº 133º da LEOAL, na medida em que o voto em questão expressa inequivocamente a vontade do eleitor, não havendo qualquer dúvida que o traço ténue dentro do símbolo do PS se deve a manifesto gesto involuntário do eleitor que assinalou o seu voto no respetivo quadrado do boletim de voto.

[7.º] O Recorrente evocou ainda que esse traço não constitui corte, desenho, ou rasura e não compromete objetivamente a vontade de eleitoral do votante.

[8.º] No entender do Recorrente, a decisão em causa viola o artº 13[3]º LEOAL.

[9.º] Sendo certo que,

Com a decisão ora impugnada o PS perde um voto na Assembleia de Freguesia de Cristelo, em benefício ilegal e ilegítimo da candidatura "Primeiro as Pessoas", dando origem a um empate de votos.

[10.º] O traço ténue dentro do símbolo do PS é um círculo que o eleitor, por lapso, inseriu no interior do símbolo do PS, e que depois de se ter apercebido do erro, repetiu no quadrado do boletim de voto correspondente aquela candidatura.

[11.º] Esse círculo é de tal forma ligeiro e impercetível que só foi detetado pela Assembleia de Apuramento Geral numa segunda recontagem, e apenas por um dos membros da Assembleia.

[12.º] A decisão ora impugnada fundamentou-se no disposto nos artºs. 115º nº 4 e 133º alínea d) LEOAL, considerando que o voto era nulo porquanto o mesmo não foi exercido em conformidade com o procedimento descrito nos aludidos normativos, nem está conforme com o sentido de jurisprudência constitucional.

[13.º] Ora salvo o devido respeito, a decisão impugnada faz uma errada interpretação e aplicação dos artºs. 115º nº 4 e 133º alínea d) LEOAL, e da jurisprudência constitucional, e como tal deve ser anulada.

III - Do Direito

[14.º] Um voto só pode ser considerado nulo, nos termos constantes do disposto no artº 133º nº 1 LEOAL.

[15.º] Conforme resulta da jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional, apenas pode considerar-se como voto nulo aquele que suscite fundadas e manifestos dúvidas quanto à expressão da vontade do sentido de voto do eleitor, não podendo ser julgados nulos aqueles votos em que a respetiva cruz num dos quadrados possa não ser perfeitamente desenhada ou mesmo que exceda os limites do quadrado (cfr. Ac. nº 614/89, nº 864/93; nº 565/2005; nº 530/2009; nº 541/2009; nº 642/2013 e nº 643/2013, in www.tribunalconstitucional.pt).

[16.º] No caso "sub judice", não há qualquer dúvida que o eleitor exprimiu de forma concreta o seu sentido de voto, ao assinalá-lo através de um círculo no interior do símbolo do PS, e depois repetido no quadrado do boletim de voto correspondente aquela candidatura.

[17.º] Importa também determinar se o círculo inserido pelo eleitor no símbolo do PS deve ser considerado como corte, desenho ou rasura, para efeitos de determinar a sua nulidade, nos termos do disposto no artº 133º nº 1 alínea e) LEOAL.

[18.º] Ora aquele círculo ténue e dificilmente visível, aposto no símbolo do PS, e repetido pelo eleitor no quadrado daquela candidatura no boletim de voto, não pode ser razão para considerar como nulo o voto expresso pelo eleitor.

[19.º] Esse círculo, pela sua aparência e características, resulta claramente de um erro involuntário do eleitor, corrigido pela repetição da sua vontade de voto expressa no círculo aposto no quadrado do boletim de voto.

[20.º] Aquele círculo no boletim de voto invalidado pela Assembleia Geral de Apuramento Geral não é passível de suscitar qualquer dúvida sobre a opção de voto, evidenciada pela nítida e incontroversa aposição de um círculo no quadrado correspondente à candidatura do PS.

[21.º] Tudo indica que a aposição do traço/círculo no símbolo do PS, resultou de um erro involuntário do eleitor, e que pela sua localização (exterior a qualquer dos restantes quadrados ou designação identificativos das demais candidaturas), e pelas suas características manifestamente impressivas (círculo), não compromete objetivamente a interpretação da vontade eleitoral do votante, e nem sequer se mostra capaz de identificar, seja sob que perspectiva for, a identidade do eleitor votante (cfr. neste sentido, Ac. TC 643/2013, in www.tribunalconstitucional.pt).

[22.º] O círculo inserido do boletim de voto em causa não configura, pelas razões expostas, que assentam numa ideia de adequação e proporcionalidade a que a interpretação da Lei não pode ser alheia, corte, desenho ou rasura determinante da anulação de voto nela contida (cfr. neste sentido Ac. TC 642/2013, in www.tribunalconstitucional.pt).

Sendo certo que,

[23.º] A lei não pode ser lida apenas à luz do entendimento do cidadão letrado, dotado de acuidade visual e de precisão no manejo da esferográfica (cfr. Vital Moreira, declaração de voto no Ac. TC 319/85, in www.tribunalconstitucional.pt).

[24.º] O cidadão que expressou validamente a sua vontade, tem o direito de ver respeitada a sua declaração de voto livremente expressa.

[25.º] E assim sendo, como entendemos que é, a decisão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT