Acórdão nº 760/21 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução24 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 760/2021

Processo n.º 945/2021

Plenário

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Hugo Manuel dos Santos Martins, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Odivelas, veio, ao abrigo do n.º 1 do artigo 102.º-B da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), interpor recurso para o Tribunal Constitucional da deliberação tomada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) em 21 de setembro de 2021, que determinou a sua notificação para, no prazo de 24 horas, proceder à remoção ou total ocultação de vários outdoors.

2. Releva para o presente recurso que, em 4 de agosto de 2021, pelas 17h19, foi enviada para a CNE mensagem de correio eletrónico, contendo participação emitida pela CDU, com o assunto «Autárquicas - Exposição da CDU sobre publicidade institucional da Câmara Municipal de Odivelas», onde se lê:

«Vem a CDU-Odivelas, por este meio, expor o seguinte:

De acordo com o n.º 4 do art.º 10.º da Lei n.º 72-A/2015, a proibição da publicitação institucional em período eleitoral abrange qualquer órgão do Estado e da Administração Pública independentemente da eleição em causa e da relação hierárquica ou funcional. A Câmara Municipal de Odivelas tem actualmente no território do Concelho de Odivelas diversos outdoors de promoção de supostos projectos que a Câmara diz ter em desenvolvimento, alguns dos quais localizados, curiosamente, ao lado de outdoors do Partido Socialista, em clara violação da Lei.

Solicitamos, assim, à Comissão Nacional de Eleições que actue junto da Câmara Municipal de Odivelas de forma a repor a legalidade e que esta actue com a isenção que se exige num período eleitoral.

Junto enviamos fotografias de algumas das localizações destes outdoors institucionais da Câmara Municipal de Odivelas, que são as seguintes:

Rotunda da Avenida Miguel Torga (Odivelas junto das Bombas da Galp)

Rua Marechal Gomes da Costa (Famões)

Avenida Miguel Bombarda (Odivelas)

Rotunda da Nacional 8 (Póvoa de Santo Adrião, junto às Bombas da BP)

Rotunda da Rua do Poder Local (Ramada)

Rotunda da Estrada da Paiã (junto ao Centro Comercial Strada)

Rua João Villaret (Ramada)

Rotunda da Rua Torcato Jorge (Ramada)

Rotunda do Sr. Roubado (1 Outdoor e 2 telas na fachada de um edifício)»

Com a mensagem são remetidas em anexo 10 fotografias de outdoors, com menção à Câmara Municipal de Odivelas (fls.19 a 31).

3. O recorrente foi notificado para se pronunciar sobre a participação, no prazo de 2 dias, cujo teor lhe foi comunicado, incluindo as fotografias, através de mensagem de correio eletrónico enviada em 11 de agosto de 2021, pelas 18h37, o que fez, igualmente através de correio eletrónico, enviado em 18 de agosto de 2021, pelas 18h36.

Essa última mensagem contém, em anexo, cinco fotografias, todas representando estruturas de suporte a outdoors, três das quais vazias, e as demais com painéis sem quaisquer dizeres (fls. 40 a 42); documento intitulado “Acordo de Cooperação”, celebrado entre o Município de Loures, o Município de Odivelas e o Metropolitano de Lisboa, E.P.E. (fls. 43 a 46); fotografia de uma edificação em construção (fls. 47); e peça subscrita pelo recorrente, na qual pugna pelo arquivamento da queixa.

4. Nessa sequência, a CNE proferiu, em 16 de setembro de 2021, a deliberação impugnada, com o seguinte teor:

«1. No âmbito do processo eleitoral em curso, a CDU-Odivelas apresentou uma participação contra a Câmara Municipal de Odivelas denunciando, em síntese, a existência de outdoors, a promover projetos que alegadamente se encontram em desenvolvimento, contrariando e violando a proibição de publicidade institucional, prevista no n.º 4 do artigo 10.º da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho.

2. Em anexo à participação referida foram remetidas imagens dos outdoors denunciados cujo teor, ora se dá aqui por integralmente reproduzido.

3. Notificado para se pronunciar, vem o Presidente da Câmara Municipal de Odivelas, responder, em síntese, que pretendeu respeitar o estabelecido na Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho, e o sentido maioritário das deliberações da CNE a respeito da aplicabilidade e âmbito daquele normativo. Refere ainda que promoveu a remoção dos outdoors relativos ao Parque da Cidade. Relativamente aos restantes, considera que os mesmos não violam o estabelecido na Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho.

4. Do presente processo faz parte a Informação n.º I-CNE/2021/255, de 15-09-2021, cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido.

5. Antes de mais, importa referir que é irrelevante se os materiais publicitários foram encomendados, produzidos ou colocados antes da publicação do decreto que marque a data da eleição, devendo a entidade pública abster-se de usar tais materiais desde esta publicação e até ao termo do dia da eleição. Defender o contrário tornaria o regime legal estabelecido inteiramente incongruente e ineficaz. “Uma vez que o início do período eleitoral assume alguma previsibilidade, fácil seria aos agentes vinculados contornar a apontada proibição e assim frustrar o intento do legislador democrático."(Cf. Acórdãos TC n.ºs 545/2017 e 591/2017).

6. Assim, logo que publicado o decreto que fixa a data da eleição, incumbe ao titular do órgão do Estado ou da Administração Pública, por sua iniciativa, determinar a remoção de materiais que promovam atos, programas, obras ou serviços e/ou suspender a produção e divulgação de formas de publicidade institucional até ao dia da eleição sob pena de, não o fazendo, violar a norma por omissão, como refere o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 545/2017.

7. Acresce ainda que em conformidade com a mais recente Jurisprudência do Tribunal Constitucional nesta matéria (Acórdão do TC n.º 678/2021), para que se verifique a violação da proibição de publicidade institucional em período eleitoral basta que os “(...) meios usados s[ejam] suscetíveis de influenciar alguns cidadãos, conclusão que é obviamente relevante e, (...) é suficiente, não sendo aceitável a leitura de que a lei exige a demonstração de uma influência efetiva sobre a generalidade ou mesmo a maioria dos cidadãos. (....) Ao proibir a publicidade a “atos, programas, obras ou serviços, o n.º 4 do art.º 10.º da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho, tem em vista afastar atos de divulgação que, as mais das vezes, serão abertos à interpretação dos destinatários. (...). É a potencialidade dessa leitura favorável - como expressão de uma desigualdade à partida entre quem pode expor aos cidadãos resultados, porque teve oportunidade de os atingir no período em curso, e quem não os pode projetar, porque não teve essa oportunidade, a diferença, enfim, entre o que já foi feito por uns e o que outros só podem especular que teriam feito - que a lei pretende afastar, sendo certo que a informação objetiva pode servir o propósito de promover a uma luz favorável a ação de quem realizou certa obra ou serviço.

É por esse motivo que a intenção meramente informativa não constitui causa de justificação - a conduta só seria justificada perante a urgente necessidade pública (...) ou o estrito cumprimento de um dever legal de divulgação (...)”.

8. Deste modo, tudo visto e ponderado, verifica-se que dos outdoors denunciados nenhum deles se encontra na situação de a sua publicitação ser de grave e urgente necessidade pública ou dever legal de divulgação, contrariando assim o disposto na Lei e as orientações da CNE. Ademais, segundo o Tribunal Constitucional, são proibidas expressões que representam verdadeiros slogans publicitários (como sucede no caso do outdoor da nova unidade de saúde de Famões ora em análise: “Viver Odivelas. Por Nós.”), não se enquadrando em nenhuma das exceções admitidas pela CNE.

9. Face ao todo exposto, delibera-se:

a) Ordenar procedimento contraordenacional contra o Presidente da Câmara Municipal de Odivelas, por violação do disposto no n.º 4, do artigo 10.º, da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho;

b) Notificá-lo, no exercício da competência conferida pelo artigo 5.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 71 /78, de 27 de dezembro, e no uso dos poderes consignados no artigo 7.º, n.º 1, da mesma Lei, para no prazo de 24 horas promover a remoção ou a total ocultação dos outdoors objeto da presente participação que contêm publicidade institucional proibida, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal;

c) Advertir que se abstenha de, no futuro e até ao final do período eleitoral, realizar publicidade institucional proibida, independentemente dos meios ou suportes em que a faça, relativamente a quaisquer atos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, sob pena de ser instaurado processo contraordenacional nos termos e para os efeitos do artigo 12.º da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho.

Da alínea b) da presente deliberação cabe recurso para o Tribunal Constitucional, a interpor no prazo de um dia, nos termos do artigo 102.º-B da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.»

5. A Informação n.º I-CNE/2021/255, de 15 de setembro de 2021, contém, sob o título «Apreciação», texto que corresponde ao constante dos pontos 5 a 9 da deliberação, atrás transcrita antecedido de menção desenvolvida à competência da CNE e ao quadro legal aplicado ao caso.

6. A deliberação foi notificada ao recorrente por mensagem de correio eletrónico expedida em 18 de setembro de 2021 (sábado), pelas 12h:24, tendo aquele remetido o recurso para a CNE, também por via de correio eletrónico, no dia 21 de setembro de 2021, pelas 11h52.

Na...

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