Acórdão nº 107/19.0JACBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Setembro de 2021
Magistrado Responsável | ANTÓNIO GAMA |
Data da Resolução | 15 de Setembro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Processo n.º 107/19.0JACBR.S1 Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I 1.
No Juízo Central Criminal de ...... o arguido AA foi condenado pela prática como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 21.º/1, D.L. n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.
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Inconformado, recorreu diretamente para este Supremo Tribunal de Justiça (art. 432.º/1/c, CPP) rematando a alegação de recurso com as seguintes conclusões (transcrição): 1. O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão do Tribunal Judicial de ……- Juízo Central Criminal- Juiz .. proferido nestes autos.
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O arguido recorrente não pode conformar-se com a pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão pelo que vem interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
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O recorrente pretende um novo juízo de apreciação, agora por parte deste Venerando Tribunal ad quem, enfatizando a importância de proceder à ministração dos necessários remédios jurídicos em matéria de direito.
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O recorrente não se pode conformar com a desproporcionalidade da moldura concreta das penas parcelares aplicadas e sobretudo da pena única em que veio a ser condenado, porquanto o quantum da pena, atendendo ao crime pelo qual veio condenado e as suas circunstâncias pessoais, é por demais excessiva, desadequada e desnecessária.
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Desde logo, a função do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos “mediante o amparo dos elementares valores ético-sociais da ação”.
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Significa isto, que a necessidade de intervenção do Direito Penal se afere não só quanto à natureza do objeto, a conduta do agente, mas também quanto às especificidades das consequências jurídicas tuteladas pelas penas e medidas de segurança.
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O presente Recurso tem como objecto, como não poderia deixar de ser, a matéria de direito do Acórdão proferido nos presentes autos.
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“O Ministério Público acusou o ora recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, e como reincidente, de um crime agravado de tráfico de estupefacientes, pp. nos artigos 21.º, n.º 1 e 24º, alínea h) do Dec. Lei 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C anexa e à Portaria n.º 94/96, de 26.03 e aos artigos 75.º e 76.º do Código Penal.
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O arguido apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos e tudo o mais que em seu favor se provar em audiência de julgamento. A audiência decorreu com observância do formalismo legal, conforme resulta da respetiva acta.
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Procedeu-se à alteração da qualificação jurídica dos factos, passando o arguido a responder pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, pp. no artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, mantendo-se a reincidência.” 11. Foi o ora recorrente AA condenado pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, pp. no artigo 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.” E ainda como reincidente.
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Estabelece o artigo 434.º do CPP que “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito”.
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São, pois, as seguintes as questões colocadas: a) A qualificação-jurídica dos factos b) A dosimetria da pena.
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Se em concreto, se verificam os pressupostos para o preenchimento da prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes, e, em caso afirmativo, se tais factos se subsumem ao tráfico de estupefacientes previsto e punido pelos arts. 21º, n.º 1 do DL 15/93 de 22/01, por referência às Tabelas I-A e I-B, imputado ao arguido e recorrente, ou ao invés, se subsumem ao trafico de estupefacientes previsto e punido pelo artº. 25º do DL 15/93 de 22/01.
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Há errada subsunção jurídica dos factos.
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Conforme doutrina e jurisprudência unânimes, o bem jurídico tutelado no crime de tráfico é a saúde pública, no seu sentido mais amplo, face aos perigos representados pelo consumo e tráfico de drogas, atentatórios da dignidade humana (vide Acórdão do STJ de 02.10.2014, a título de exemplo).
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Assim, afigura-se como um crime de perigo abstracto, requerendo apenas uma “acção potencialmente criadora de perigo para o bem jurídico protegido pela norma incriminadora”. Porém, a nível subjectivo, este tipo de ilícito pressupõe a existência de uma vontade livremente dirigida à prática de qualquer das acções descritas no tipo incriminador e por ele proibidas, o que leva a diferentes incriminações, nomeadamente nos termos diferenciadores dos artigos 21º, 24º e 25º do referido diploma.
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O arguido foi condenado, em autoria, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e. p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22.01. Neste tipo previsto no artigo 21º/1 DL nº 15/93, de 22.01, são normalmente acolhidos os casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites de moldura penal, que indicam a susceptibilidade de aplicação a todas as situações, graves e mesmo muito graves, de crimes de tráfico. Já quanto ao tipo previsto no artigo 25º, é um tipo privilegiado do artigo 21.º, uma vez que prevê um conjunto de causas que atenuam a pena, evitando-se a punição com penas desproporcionadas em situações de menor gravidade objectiva.
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Assim, e tendo em conta apenas os factos provados pelo Tribunal recorrido – sem quaisquer alterações – não se compreende como considerou que estava preenchido o tipo de crime previsto nos artigos 21º, nº. 1, do DL nº 15/93, uma vez que é claro que a forma rudimentar utilizada, a quantidade e qualidade do produto estupefaciente e até os proveitos obtidos, preenchem o tipo de crime previsto no artigo 25º do referido diploma, tratando-se de um crime de tráfico de menor gravidade, punido nos termos da alínea a), ou seja, com prisão de um a cinco anos.
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Deste modo, justifica-se a alteração do tipo de crime e, consequentemente, a redução da pena aplicada ao recorrente, nos termos do artigo 25º do DL nº 15/93, de 22.01., norma que o Tribunal “a quo” ignorou completamente.
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O recorrente entende que teve e com inevitável repercussão na pena, sempre importa aferir, ainda que perfunctoriamente, da sua correcção atento o decidido pelo tribunal recorrido que, salvo o devido respeito, se representa passível de censura.
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E isto em suma na consideração que, de harmonia com a matéria de facto dada como provada, o circunstancialismo e bem assim o tipo de produto estupefacientes apreendido, canábis (resina), sendo considerada drogas leves.
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Entende o ora recorrente que é devida a correcção da qualificação jurídica dos factos gizada pelo tribunal.
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Ao condenar o ora recorrente pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo crime de tráfico de estupefacientes, pp. no artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, como reincidente, na pena de cinco anos e nove meses de prisão, o douto Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 71.º do Código Penal.
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Face ao que foi exposto, parece-nos ser clara a desproporção da pena aplicada ao recorrente.
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Ainda que o Tribunal “a quo” não tenha feito tal apreciação, o que é certo é que entende o recorrente que a sua actuação teria de ser tipificada no âmbito do crime previsto no artigo 25º do DL nº 15/93, de 22.01.
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Entende o recorrente que a prática do crime que está em questão se enquadra no âmbito do artigo 25º do DL nº 15/93, de 22.01., o que configura a redução da pena para uma pena abstracta inferior a cinco anos; 28. O Tribunal de primeira instância, com todo o respeito que nos merece, não ponderou, na devida medida, circunstâncias que militam fortemente a favor do recorrente e que impunham a aplicação de uma pena de prisão inferior àquela em que este foi condenado.
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Em concreto: a confissão praticamente integral efectuada pelo recorrente, as condições pessoais do recorrente que demonstram que este tem condições favoráveis a um processo de ressocialização pleno e eficaz e juízo crítico em relação à conduta delituosa.
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Entende o ora recorrente que os critérios determinantes para a fixação da medida concreta da pena sustentam a aplicação de uma pena de prisão ao recorrente inferior a cinco anos de prisão.
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A questão que se coloca prende-se com a medida judicial da pena que, fixada pelo tribunal recorrido em 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão, o recorrente entende ser excessiva e, como tal, dever ser fixada em medida inferior a 5 (cinco) anos de prisão. Douto Acórdão recorrido, no entender do Recorrente, ficaram violados os artigos 40º e 71º do Código Penal.
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O Douto Acórdão recorrido, no entender do Recorrente, ficaram violados os artigos 40º e 71º do Código Penal.
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Os 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão que lhe foram impostos pelo Acórdão recorrido são excessivos e não cumprem a finalidade ressocializadora das penas.
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Resultaram provados e evidenciados factos que o douto Tribunal a quo não considerou na proporção devida, e que, levados em conta, impunham uma decisão diferente, mais ligeira, quanto à medida concreta da pena.
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São esses factos os concernentes do tempo em que o recorrente se encontra a cumprir pena, o teor do relatório social que lhe é favorável, o seu percurso em reclusão e o arrependimento demonstrado pela assunção, mesmo que parcial, dos factos que lhe foram imputados.
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Resulta da leitura da fundamentação do aresto agora questionado que o douto Tribunal a quo, aquando da determinação da medida concreta da pena, não levou em conta o seu percurso prisional nem o arrependimento do Recorrente, bem como as suas fragilidades.
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Estes factores aconselham que a pena imposta ao arguido seja mais dirigida à sua ressocialização do que à sua repreensão 38. A protecção dos bens jurídicos e a e a reintegração do agente na sociedade são, como bem flui do disposto no 40.º, nº. 1 do Código Penal, os fins visados pelas penas que, servindo finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, têm por escopo, com a prevenção...
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