Acórdão nº 480/20.0TXEVR-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução08 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. No âmbito do processo 480/20.8TXEVR-C, do Tribunal de Execução de Penas de Évora - Juízo de Execução de Penas de Évora - Juiz 1, foi proferida decisão, datada de 28/05/2021, de não concessão da liberdade condicional ao recluso (...), melhor identificado nos autos, atualmente preso no Estabelecimento Prisional de Beja.

1.2. Inconformado, o recluso interpôs o presente recurso para este Tribunal da Relação, formulando as conclusões que seguidamente se transcrevem[1]: «1. O condenado apresentou-se voluntariamente na prisão poucos dias antes do Natal de 2020 para cumprir o remanescente da pena e a que foi condenado.

  1. O que diz “prima facie” da sua personalidade. Mas que o douto Tribunal não relevou.

  2. O condenado manteve sempre bom comportamento prisional no EP de Beja. (Facto que a douta sentença não entendeu relevante).

  3. Os Serviços de Vigilância do EP de Beja (que convivem diariamente com o condenado deram parecer favorável nos autos para que ao arguido fosse concedida a L.C.

    ), facto que não mereceu qualquer relevância na recorrida sentença, sem a mínima explicação.

  4. O Relatório dos Serviços de Reinserção Social existente nos autos configura prova proibida, (art.º 126.º n.º 2 alínea a) “in fine” do CPP dado ter sido efetuado com base numa entrevista não gravada com o condenado e onde lhe não foi solicitado o “consentimento informado” para eventual análise psicológica. Ainda assim a pessoa que o entrevistou tece considerações/afirmações sobre o estado psicológico do arguido, (denegrindo-o) - e sobre alegada tendência para desculpabilização/vitimização, o que, segundo o arguido, não corresponde à verdade do que sucedeu nessa entrevista.

  5. O art.º 173.º n.º 1 b) do CEPMPL aprovado pela Lei 115/2009 de 15 de Outubro revela-se materialmente inconstitucional por não garantir ao condenado o direito a ser ouvido pelos Técnicos do DGRSP a que vão elaborar esse Relatório, em entrevista gravada em áudio. Essa não possibilidade inquina o lídimo direito a um efectivo recurso previsto na Lei. Pelo que a citada omissão viola o disposto no art.º 32.º n.º 1 da CRP.

  6. Do excesso de pronúncia – art.º 379.º n.º 1 alínea c) do CPP. Da valoração de um meio de prova “enganoso” - O douto Tribunal conheceu do que não podia/ou não devia conhecer – e o Relatório baseado numa entrevista (não gravada) entre o arguido e Técnico da DGRSP constitui “meio enganoso” de prova –: 8. Constituindo o citado Relatório “prova proibida” por abusiva intromissão na vida privada do condenado (são-lhe colocadas questões de natureza pessoal e privada sem a advertência que as mesmas podem ser usadas contra ele e sem que o condenado tenha possibilidade de provar o que efetivamente declarou), a douta sentença não podia valorar esse Relatório “máxime” as conclusões do mesmo que denigrem a imagem do condenado perante o TEP. Por isso foi cometida, pela instância, a nulidade de excesso de pronúncia, prevista no art.º 369.º do CPP 9.

    O condenado declarou aceitar a liberdade condicional. Os Serviços de Vigilância do EP de Beja deram a sua anuência a que esta lhe fosse concedida. Nem a natureza do crime, nem o facto de este “não ser aceite socialmente” seriam impeditivos, no caso vertente, para que fosse concedida a LC ao recorrente.

  7. Uma vez que este reúne – como resulta dos autos – todos os requisitos constantes do art.º 61.º n.º 1 e 2 do Código Penal.

  8. Uma mera sugestão do Relatório Social não datada no tempo e que surge apenas como pura especulação de que seria desejável “a oportuna integração do recluso em programa visando a prevenção da violência doméstica” – o que é sublinhado na douta sentença a pág.

    4 não podia ter a virtualidade de impedir a concessão ao arguido da concessão de LC.

  9. Mais: essa integração do arguido no tal programa pode fazer-se em meio natural.

    Nenhuma lei o impede de o fazer em meio livre, pelo que a apontada sugestão, foi erradamente interpretada na recorrida sentença.

  10. A recorrida sentença terá assim violado por mero erro interpretativo quer o disposto no art.º 61.º n.º 1 e 2 do CP, quer o art.º 127.º do CPP (quanto à incorreta valoração da prova considerando válida prova proibida).

  11. O conteúdo negativo de um Relatório da DGRSP consistindo em meras opiniões ou meros juízos de valor desses mesmos Técnicos da DGRSP não assentes em qualquer prova legal e isenta e desacompanhado do “consentimento informado” do examinado, mão deveria ter sido valorado como meio de prova, por se tratar de “prova proibida” de meio enganoso de prova, a cair na previsão do art.º 126.º n.º 2 a) “in fine” do CPP 15. Os factos dados como provados no caso “subjuditio” quanto à conduta prisional do recorrente ao longo do seu tempo de reclusão apontam para uma (re)valorização positiva da sua personalidade, que se traduz “in concreto” no muito bom comportamento institucional manifestado, no cumprimento e observância de todas as regras do EP e no correcto comportamento tido, ao longo do tempo de reclusão.

  12. Incorreu ainda o Tribunal a quo, numa importante omissão de pronuncia sobre factos relevantes, como a conduta do arguido durante os 11 meses de liberdade, as suas escolhas, as suas decisões, factos esses documentados devidamente nos autos, por prova documental, objectivamente comprovados.

  13. Ou seja, tudo o quanto poderia e deveria militar a favor do condenado, levando á expectável concessão da Liberdade Condicional, foi desatendido pelo Tribunal.

  14. Com o devido respeito, que é muito e bem devido, mas, não desvalorizando o crime pelo qual o arguido veio condenado, que é grave como bem se sabe, e ele também, a verdade é que, não é comum que entre os condenados por este crime, ou outros com a mesma gravidade, se encontrem muitos com a capacidade que este recluso teve de assumir responsabilidade, mudar de casa, emprego, amigos e família, para não melindrar a própria vitima, pensando nela e no seu bem estar, e do justo receio que a mesma pudesse sentir com a proximidade com o arguido.

  15. Lamenta-se apenas que a ponderação não tenha sido criteriosa, fundamentada facticamente e objectivamente, versando sobre todos estes factos, e não só sobre o relatório junto aos autos.

  16. Note-se que o primeiro relatório feito pela equipa da pulseira eletrónica, ao contrário, observou o arguido de uma forma muito diferente.

    Pelo que deverá ser revogada e substituída por outra, que por mais douta e acertada conceda a liberdade condicional ao recorrente, Assim fazendo Vossas Excelências Venerandos e Preclaros Desembargadores, a melhor e mais sábia JUSTIÇA!» 1.3. O recurso foi regularmente admitido.

    1.4. O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: «1 - Por sentença proferida no âmbito dos autos à margem referenciados, não foi concedida a liberdade condicional a (...), tendo este atingido metade do cumprimento da pena de 3 anos de prisão, que lhe foi aplicada no processo nº 1634/18.2GLSNT da Instância Central de Sintra – Secção Criminal – J4 – da Comarca de Lisboa Oeste, pela prática de um crime de violência doméstica.

    2 - Tal decisão baseou-se nos elementos constantes dos autos, designadamente nos relatórios juntos a fls. 57 a 59 e 68 a 73, na ficha biográfica de fls. 60/61, no CRC de fls. 62 a 65 e nas declarações do recluso de fls. 87, encontrando-se a sentença recorrida devidamente fundamentada de facto e de direito.

    3 - A esses elementos estão subjacentes fortes razões de prevenção especial que se fazem sentir em relação ao condenado, derivadas de uma sofrível interiorização crítica relativamente à sua conduta criminosa e suas consequências, de um percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre que não se mostra minimamente consolidado e bem assim dos seus antecedentes criminais.

    4 - Tanto vale por dizer, que não é razoável efectuar um juízo de prognose positivo de que aquele uma vez em liberdade adopte um comportamento conforme à lei penal e afastado da prática de novos crimes.

    5 - Acresce que, em face da gravidade, danosidade e alarme social do crime em causa são, também, muito elevadas as exigências de prevenção geral positiva, pelo que tal libertação antecipada não se mostra compatível com a defesa da ordem e da paz social.

    6 - Por consequência, não se mostrando verificados os pressupostos materiais/substanciais previstos nas alíneas a) e b) do n º 2 do artigo 61 º do CP, não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional.

    7 - Precisamente por isso, quer o Conselho Técnico quer o Ministério Público emitiram pareceres desfavoráveis à concessão da liberdade condicional.

    8 - Pelo que bem andou o Tribunal "a quo" ao não conceder a liberdade condicional ao recluso, sendo evidente que na decisão recorrida foi feita uma correcta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito.

    Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

    Assim, será feita justiça.» 1.5. Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não dever merecer provimento e de dever manter-se a decisão recorrida.

    1.6. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do CPP, tendo o recorrente exercido o direito de resposta, contraditando os fundamentos aduzidos pelo Exm.º PGA no parecer que emitiu e reiterando o pedido de que seja dado provimento ao recurso.

    1.7. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

  17. FUNDAMENTAÇÃO 2.1.

    Delimitação do objeto do recurso As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artigo 412º, nº. 1, do CPP –, isto sem prejuízo, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

    Assim, atentas as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso apresentada, constituem questões a decidir as seguintes: - Se o Relatório dos Serviços de Reinserção Social a que o Tribunal a...

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