Acórdão nº 00129/21.1BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Agosto de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução31 de Agosto de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I Relatório A.

, no âmbito da Ação Administrativa intentada contra a Caixa Geral de Aposentações IP, na qual requereu que se: “a) Declare a nulidade do ato administrativo praticado pela Caixa Geral de Aposentações que suspendeu o abono da pensão por acidente em serviço; b) Declare a inaplicabilidade ao A. da alínea b) n.º 1 do art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, por a mesma ser inconstitucional; c) Condene a R. a dar imediato cumprimento ao pagamento do abono da pensão vitalícia, cujo capital de remição é 44.383,45 €; d) Condene a R. no pagamento de juros de mora legais, desde o momento da fixação da pensão, até efetivo e integral pagamento; (…)”, inconformado com a Sentença proferida em 2 de junho de 2021, através do qual a ação foi julgada improcedente, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, aí concluindo: “a. O recorrente discorda do julgamento de direito do Tribunal a quo, sendo sua convicção que o recorrido, Caixa Geral de Aposentações, ao suspender o pagamento da pensão mensal vitalícia fixada ao recorrente, em virtude da declaração de IPP num acidente em serviço, é inconstitucional.

  1. Da violação do art. 59º n.º 1 al. f) da CRP b. O art.º 59.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa - CRP dispõe que “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:” alínea f) “A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional” (sublinhado nosso).

    1. In casu, ao suspender a pensão vitalícia, o recorrido (CGA) viola o direito constitucional à justa reparação do recorrente, enquanto vítima de acidente de trabalho.

    2. A natureza indemnizatória da pensão vitalícia é posta em causa, com a decisão de suspensão do pagamento da pensão e o beneplácito do Tribunal.

    3. Subjaz ao artigo 59.º, n. 1, alínea f) da Constituição uma intencionalidade da vertente indemnizatória no quadro da proteção aos trabalhadores vítimas de acidente laboral e de doença profissional.

    4. A ideia de justeza na reparação faz-se primeiramente com uma resposta ao evento infortunístico visando a supressão do dano no quadro de uma reparação por reconstituição natural.

    5. E assume um sentido projetivo mais amplo, através da reparação indemnizatória em dinheiro, (cfr. artigo 4.º, n.º 4 do Dec. Lei n.º 503/99).

    6. A proibição de acumulação prevista no art. 41º n.º 1 b), implica a suspensão de um direito cujo conteúdo patrimonial já se formou na esfera do titular.

    7. Aliás, se o recorrente prosseguir a sua vida profissional em funções públicas, quando se aposentar permanecerá sem a justa reparação do acidente em serviço, por força do art. 42º n.º 3 a), que continua a vedar a cumulação da pensão vitalícia fixada ao recorrente, com a pensão de velhice que lhe venha a ser fixada.

    8. O conceito de “perda de ganho” vai muito para além da perda da remuneração pelo trabalho.

    9. Acompanhando aqui de perto o que sobre este conceito escreveu Carlos Alegre: «... a capacidade de ganho não tem que ver, apenas, com a retribuição, mas com outros aspetos importantes da vida do trabalhador, como a capacidade para progredir normalmente na carreira, para melhorar a sua formação profissional, para mudar de profissão, etc.» l. E, de facto, o legislador na redação do Decreto-Lei n.º 503/99, sempre que se refere à incapacidade permanente parcial, utiliza a expressão “capacidade geral de ganho”.

    10. Por tudo o que fica exposto, mal andou o Tribunal a quo ao não reconhecer a violação do art. 59º n.º 1 al. f) da CRP.

  2. Da violação do art. 13º da CRP que o Tribunal Constitucional declarou a não inconstitucionalidade da norma.

    1. Existe uma clara e óbvia desigualdade entre os trabalhadores sujeitos ao regime da Lei n.º 98/2009 e os trabalhadores em funções públicas sujeitos ao Dec. Lei n.º 503/99.

    2. No regime geral, regulamentado na Lei n.º 98/2009, não existe qualquer disposição que impeça a acumulação da pensão vitalícia por incapacidade permanente parcial com a remuneração do trabalhador.

    3. Bem pelo contrário, o n.º 1 do art.º 51.º da Lei n.º 98/2009 identifica que “A pensão por incapacidade permanente não pode ser suspensa ou reduzida mesmo que o sinistrado venha a auferir retribuição superior à que tinha antes do acidente, salvo em consequência de revisão da pensão” acrescentando o seu n.º 2 que: “a pensão por incapacidade permanente é cumulável com qualquer outra”.

    4. Não existe nenhum motivo válido e coerente para que se proíba a acumulação de pensões com a remuneração no caso dos trabalhadores da Administração Pública e, por sua vez, no que se refere aos trabalhadores do sector privado essa mesma acumulação seja permitida.

    5. Neste enquadramento, não se vislumbram especificidades apenas aplicáveis aos trabalhadores com relação jurídica de emprego público relativamente aos demais trabalhadores que, efetivamente, justifiquem o desvio em matéria de acumulação de pensões com a remuneração, conforme previsto no regime regra da Lei n.º 98/2009.

    6. Por imposição do princípio da igualdade, todos os trabalhadores devem beneficiar de um regime idêntico no que diz respeito à reparação por acidentes de trabalho.

    7. A visão do princípio da igualdade enquanto mera proibição do arbítrio, não deve ser aplicada no domínio dos direitos dos trabalhadores.

    8. Sai assim também violado o Princípio da Igualdade constante no art.º 13.º da CRP.

    Nestes termos e nos mais de direito que doutamente Vossas Excelências se dignarão suprir, requer-se que seja revogada a douta sentença recorrida dando provimento ao pedido do recorrente vertido na petição inicial, com o que se fará inteira justiça.” A aqui Recorrida/CGA veio apresentar contra-alegações de Recurso em 12 de julho de 2021, onde se conclui: “A- A sentença recorrida fez a correta interpretação dos factos e do direito aplicando corretamente a norma prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 41º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, não merecendo qualquer censura.

    B- A Lei n.º 11/2014, de 6 de março, veio estabelecer mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social conferindo ao artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, alterações no regime de acumulação de prestações por incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional com remunerações ou pensões.

    C- Em virtude da solução normativa vertida na alínea b), do n.º 1 do artigo 41.º, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, tendo em conta a natureza indemnizatória da prestação periódica a que o trabalhador sinistrado tem direito, tal prestação não é acumulável com a parcela da remuneração que corresponde à percentagem da redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador.

    D- Nos casos em que tendo sido reconhecido o direito a uma prestação periódica por incapacidade permanente, os trabalhadores, não obstante essa incapacidade, continuam a exercer as mesmas funções e a auferir a mesma remuneração, dificilmente se pode falar em dano merecedor de reparação.

    E- A questão de fundo peticionada pelo Autor, ora Recorrente, ao considerar que a norma constante na al. b) do n.º 1 do art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo art.º 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março viola o disposto na al.f) nº 1 do artigo 59.º e artigo 13.º da CRP, encontra-se claramente ultrapassada pela decisão do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 786/2017, de 21 de novembro de 2017.

    F- Na sequência do pedido de fiscalização sucessiva pelo Senhor Provedor de Justiça foi proferido o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 786/2017 que decidiu que a norma da al.b) do nº1 do artigo 41.º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, na redação introduzida pelo artigo 6.º do nº 1. da Lei nº 11/2014 de 6 de março, se encontra em conformidade com a Constituição da República Portuguesa (vd. o Acórdão nº 786/2017, de 21.11.2017, disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170786.html).

    G- A atividade da Ré, ora Recorrida, enquanto entidade da Administração Pública, rege-se pelo princípio da legalidade, o qual impõe o dever de obediência à lei, a qual constitui o fundamento e o limite da sua atividade.

    H- Pelo exposto, a sentença recorrida não violou, pois, qualquer norma ou preceito legal devendo, por isso, manter-se.

    Termos em que, com os mais de direito doutamente supridos por V. Ex.as deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.” O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido, por Despacho de 13 de julho de 2021.

    O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 14 de julho de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.

    Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

    II - Questões a apreciar Há que apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, a suscitada “(…) inaplicabilidade do art. 41º n.º 1 al. b) do Dec. Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, por (…) entender que a mesma é inconstitucional”.

    III – Fundamentação de Facto O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade provada: 1.

    O autor é trabalhador do Município de Mirandela, em regime de contrato de trabalho em funções públicas, com a categoria profissional de técnico superior (cfr. facto não controvertido; documento nº 1 junto com a petição inicial); 2.

    Em 01/07/2019 o autor sofreu um...

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